quinta-feira, 30 de junho de 2011

Irritar motoristas faz parte da política urbana em boa parte da Europa

Enquanto cidades americanas sincronizam faróis verdes para melhorar o fluxo do tráfego e oferecem aplicativos para ajudar motoristas a encontrar lugares para estacionar, muitas cidades europeias vêm fazendo o contrário: criando ambientais abertamente hostis aos carros. Os métodos variam, mas a missão é
clara: encarecer e dificultar o uso do carro, visando pressionar os motoristas a optar por tipos mais ecológicos de transporte.

Viena, Munique, Copenhague e outras cidades já fecharam grandes trechos de ruas para o tráfego de automóveis. Em Barcelona e Paris, as pistas para automóveis vêm sendo reduzidas pelo aumento dos programas populares de aluguel de bicicletas. Em Londres e Estocolmo, os motoristas precisam pagar taxas polpudas de congestionamento simplesmente para entrar no centro da cidade com seus veículos. E, nos últimos dois anos, dezenas de cidades da Alemanha passaram a fazer parte de uma rede nacional de "zonas ambientais"
nas quais só podem entrar carros com emissões baixas de dióxido de carbono.

As cidades que aderem a essas políticas recebem novos shopping centers e prédios de apartamentos de braços abertos, mas limitam fortemente o número possível de vagas de estacionamento. A possibilidade de estacionar na rua está deixando de existir. Nos últimos anos, até mesmo capitais automobilísticas como Munique vêm se convertendo em "paraísos para os caminhantes", disse Lee Schipper, engenheiro sênior de pesquisas na Universidade Stanford e especialista em transportes sustentáveis.

"Nos Estados Unidos, a tendência tem sido muito mais de adaptar as cidades para receber carros", disse Peder Jensen, diretor do Grupo de Energia e Transportes da Agência Ambiental Europeia. "Aqui vêm ocorrendo mais movimentos para tornar as cidades mais vivíveis para as pessoas e relativamente livres de automóveis."

Com essa finalidade em vista, o Departamento de Planejamento do Trânsito de Zurique vem se esforçando nos últimos anos para dificultar a vida dos motoristas. As ruas da cidade ganharam faróis vermelhos em intervalos pequenos, provocando demoras e angústia entre os motoristas. Passarelas subterrâneas para pedestres que deixavam o trânsito fluir livremente em cruzamentos importantes foram demolidas. Os operadores do sistema de bondes da cidade, que não pára de crescer, podem mudar os faróis de trânsito em seu favor quando se aproximam, obrigando os carros a parar.

Hoje a circulação de carros é proibida em muitas quadras em volta da Löwenplatz, uma das praças mais movimentadas da cidade. Onde é permitida, a velocidade é fortemente limitada; os carros só podem avançar a passo de lesma, permitindo a remoção total de faixas de pedestres e dando aos pedestres o direito de atravessar quando e onde quiserem.

O chefe de planejamento de trânsito de Zurique, Andy Fellmann, sorriu enquanto observava alguns carros avançando lentamente em meio a uma massa de ciclistas e pedestres. "Por aqui os carros avançam devagar e param a todo momento", disse ele. "É disso que gostamos! Nossa meta é recuperar o espaço público para os pedestres, não facilitar a vida dos motoristas."

Embora algumas cidades americanas tenham feito esforços semelhantes --é o caso, notadamente, de San Francisco, que converteu partes da Market Street em zona de pedestres_, elas ainda constituem exceção nos Estados Unidos, onde, segundo Schipper, é difícil levar as pessoas a imaginar uma vida da qual os carros não constituam uma parte essencial.

De maneira geral, as cidades da Europa têm incentivos mais fortes para agir assim. Construídas, em sua maioria, antes do advento do automóvel, suas ruas estreitas têm dificuldade em lidar com tráfego pesado. Os transportes públicos são de maneira geral melhores na Europa que nos Estados Unidos, e a gasolina frequentemente custa mais de US$8 o galão, contribuindo para fazer com que o custo de andar de carro seja duas ou três vezes mais alto por quilômetro do que é nos EUA, disse Schipper.

Além disso, os países da União Europeia provavelmente não conseguirão cumprir seus compromissos de redução de emissões de dióxido de carbono, previstos no protocolo de Kyoto, se não reduzirem a circulação de carros. Os Estados Unidos nunca ratificaram esse pacto.

Ao nível global, as emissões vindas dos transportes continuam a subir implacavelmente, sendo que mais da metade é gerada por automóveis de uso pessoal. Mas um impulso importante por trás das reformas do trânsito adotadas na Europa é algo que é igualmente importante para os prefeitos de Los Angeles e Viena: tornar as cidades mais convidativas, com ar mais limpo e menos trânsito.

Michael Kodransky, gerente de pesquisas globais do Instituto de Transportes e Política do Desenvolvimento, em Nova York, que trabalha com cidades para reduzir as emissões vindas dos transportes, disse que, anteriormente, a Europa estava seguindo "a mesma trajetória que os Estados Unidos, com mais pessoas querendo possuir mais carros". Nos últimos dez anos, porém, disse ele, houve "uma mudança consciente no pensamento, além da adoção de medidas firmes". E isso está tendo efeitos.

Depois de possuir carro próprio por duas décadas, Hans Von Matt, 52, que trabalha no setor de seguros, vendeu seu veículo e hoje se desloca em Zurique de bonde ou bicicleta, usando um serviço de partilha de carros quando quer sair da cidade. As estatísticas da cidade mostram que o número de famílias sem carro aumentou de 40% para 45% nos últimos dez anos e que as pessoas que possuem carros hoje os usam menos.

"Houve grandes brigas em torno do fechamento ou não desta rua, mas agora ela está fechada, e as pessoas se acostumaram", disse ele, descendo de sua bicicleta na Limmatquai, uma zona de pedestres à margem do rio, margeada por cafés, que, no passado, era ocupada por duas pistas de trânsito sempre engarrafado. O fechamento de qualquer rua importante precisa ser aprovado em referendo.

Hoje 91% dos deputados do Parlamento Suíço usam o bonde para chegar ao trabalho.
Mesmo assim, algumas pessoas reclamam. "Há muitas zonas onde só se pode dirigir a 20 ou 30 quilômetros por hora --é estressante", disse o consultor Thomas Rickli, estacionando seu Jaguar na periferia da cidade. "É inútil."

Os planejadores urbanos geralmente concordam que o uso diário do carro para ir ao trabalho não é desejável nas cidades, em qualquer parte do mundo.

Fellmann calculou que uma pessoa em um carro ocupa 115 metros cúbicos de espaço urbano em Zurique, enquanto um pedestre ocupa apenas três. "Logo, se você anda de carro, isso não é justo com as outras pessoas", disse ele.

As cidades europeias também perceberam que não poderiam atender às diretrizes cada vez mais rígidas da Organização Mundial de Saúde referentes à poluição ambiental com partículas finas se os carros continuassem a ter presença dominante. Muitas cidades americanas não cumprem os requisitos da Lei de Ar Limpo, mas esse fato "simplesmente é aceito por aqui", disse Kodransky, do instituto de transportes de Nova York.

Muitas vezes são necessárias medidas extremas para levar as pessoas a deixar seus carros em casa, e um primeiro passo crucial consiste em fornecer transporte público de qualidade. Uma estratégia inovadora empregada na Europa consiste em intencionalmente dificultar e encarecer o estacionamento.
"Há lugares para estacionar em toda parte nos Estados Unidos, mas eles estão desaparecendo dos espaços urbanos da Europa", disse Kodransky, cujo relatório recente "Europe's Parking U-Turn" trata dessa mudança.

O novo shopping center Sihl City, em Zurique, é três vezes maior que o Atlantic Mall, no Brooklyn, mas tem apenas metade do número de vagas para estacionar. Em função disso, disse Kodransky, 70% das pessoas que vão ao shopping usam os transportes públicos para chegar.

Em Copenhague, Jensen, da Agência Ambiental Europeia, disse que o edifício comercial onde trabalha tem mais de 150 vagas para bicicletas e apenas uma para um veículo, reservada para um deficiente físico.

Enquanto, na Europa, os códigos de construção muitas vezes limitam o número de vagas de estacionamento em edifícios novos, os códigos americanos tendem a fazer o contrário: estipular um número mínimo de vagas.

Novos complexos residenciais construídos ao lado da linha de trens leves em Denver dedicam seus oito pisos inferiores a estacionamentos. Para Kodransky, isso faz com que seja "fácil demais" para os moradores usarem seus carros, em lugar de aproveitarem o transporte ferroviário ao lado.

Enquanto, em Nova York, o prefeito Michael R. Bloomberg vem gerando controvérsia por converter algumas poucas áreas como a Times Square em zonas de pedestres, muitas cidades europeias já excluíram os carros de áreas enormes. Os comerciantes em Zurique temiam que isso levasse a uma queda no movimento de suas lojas, mas, segundo Fellmann, o temor mostrou ser infundado, porque o tráfego de pedestres aumentou entre 30% e 40% depois de os carros deixarem de circular.

Com o apoio dos políticos e da maioria dos cidadãos, os planejadores de Zurique pretendem seguir adiante em sua campanha para domar o tráfego, encurtando os períodos de farol verde e encompridando os de farol vermelho, para que pedestres não precisem esperar mais de 20 segundos para atravessar uma rua.

"Com nossa filosofia, jamais sincronizaríamos os faróis verdes para facilitar as coisas para os carros", disse um funcionário da prefeitura, Pio Marzolini. "Quando estou em outras cidades, parece que estou sempre esperando para atravessar uma rua. Não consigo me acostumar à ideia de que eu valho menos que um carro."

http://www1.folha.uol.com.br/mundo/935607-irritar-motoristas-faz-parte-da-politica-urbana-em-boa-parte-da-europa.shtml

terça-feira, 28 de junho de 2011

Alimentos x biocombustível, o grande dilema da atualidade








Por Luiz Lourenço - Valor 28/06/2011








Muito se tem falado sobre a chamada agroinflação, a alta dos preços dos alimentos em todo o mundo, que resulta da conjugação de vários fatores.
Em primeiro lugar, os problemas climáticos ocorridos durante 2010 em várias partes do mundo, que afetaram as safras de grãos e, por extensão, reduziram os estoques; segundo, a retomada da atividade econômica internacional após a profunda crise ocorrida entre 2008/2009; terceiro, o efeito China, país que passou a adquirir grandes volumes de soja nos últimos anos para alimentar a sua população emergente, compras essas que devem se estender a partir de agora também para o milho; e, quarto, a destinação de milho para produção de etanol nos Estados Unidos e também de parte dos óleos vegetais como matéria-prima básica para a fabricação de biocombustível no Brasil e na Europa.
Em relação ao milho, 40% da produção dos Estados Unidos é utilizada na produção de etanol, sendo que esse percentual tem crescido ao longo dos últimos anos.

Em relação aos óleos vegetais, estima-se que cerca de 10% da produção mundial tenha a finalidade da produzir biodiesel. No Brasil, segundo maior produtor de soja do mundo, a produção de biodiesel se dá, em sua maior parte, com óleo de soja - um produto de valor alimentar tão nobre quanto o milho - para a fabricação de biodiesel, misturado à proporção de 5% no óleo diesel comum. Segundo dados oficiais, mais de 10% da safra brasileira de soja têm essa destinação. Isso tudo faz com que as cotações dessas commodities se mantenham em níveis elevados, relembrando o "boom" de preços que vivemos até meados do segundo semestre de 2008, quando esses mesmos fatores faziam grande pressão sobre as cotações.
Importante ressaltar: é louvável e absolutamente necessária a produção de biocombustíveis por meio de diferentes fontes. Não cabe aqui questionar a política americana de utilização do milho para essa finalidade, ainda que o produto final seja muito menos competitivo que o etanol da cana-de-açúcar. Além de sua contribuição para uma atmosfera mais limpa, eles diminuem a dependência em relação aos países produtores de petróleo - uma commodity igualmente em alta.
A agroinflação suscita estudos que sugerem até mesmo delírios como a regulação dos preços das commodities
No entanto, o tema agroinflação, que toma conta dos noticiários, enseja um cenário preocupante e suscita estudos que sugerem até mesmo delírios como a regulação dos preços das commodities, proposta por alguns países desenvolvidos, algo que contraria a lógica e o próprio entendimento dos mercados.
Cabe lembrar que esses mesmos países, ao longo dos últimos anos, protegeram seus mercados com subsídios e restrições às importações, imputando aos produtores dos países emergentes dificuldades de acesso aos mercados com consequente redução de preços, perda de rentabilidade e redução de investimento em suas lavouras.
Há que se concordar que a situação chegou a tal ponto porque não se fez, em épocas de abundância, o devido e necessário provimento de estoques reguladores, uma prática que deveria ser implementada de forma prioritária por países ricos e emergentes em nome da própria segurança alimentar.
Há que se concordar, também, que o desenvolvimento de países como China, Índia, Rússia e Brasil, entre outros, cuja população adquiriu maior poder aquisitivo nos últimos anos, pressiona fortemente a demanda por alimentos, o que alterou de modo definitivo a fisionomia do mercado internacional.
O problema é que não há como ampliar, em curto período de tempo, a oferta de alimentos, a menos que tenhamos clima favorável em todas as regiões produtoras do planeta. Porém, se em 2011 tivermos novamente problemas climáticos, o quadro tende a agravar-se, assumindo contornos imprevisíveis e acentuando ainda mais o dilema alimentos x biocombustíveis.
No Brasil, avançamos muito nas últimas três décadas, a produtividade foi ampliada com o emprego de modernas tecnologias, mas podemos verificar que a superfície cultivada não avançou no mesmo ritmo. Na Argentina, com todas as suas limitações, a evolução da produção foi mais intensa. Na década que terminou em 2010, a área para produção de soja no Brasil cresceu 78%, enquanto na Argentina a expansão foi de 116%.
Espaço para crescer não nos falta. Temos 220 milhões de hectares de pastagens no país, a maior parte mal aproveitada e de baixo retorno econômico. Com uma pecuária de alta performance, conduzida com enfoque empresarial, seria possível reduzir à metade a superfície de pastos usada pelo mesmo rebanho, abrindo espaço para a agricultura.
Estudo da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) aponta que o mundo precisará aumentar em 70% a produção de alimentos, até 2050, para atender a uma população que deve chegar a 9 bilhões. Como chegar a isso?
No caso específico do Brasil, um grande fornecedor de alimentos, é preciso que se olhe com especial atenção para o desenrolar dos fatos que avançam para o desfecho da tão discutida reforma do envelhecido Código Florestal, de 1965. Eis aí um debate permeado de interesses que vão às raias do absurdo, entre eles a limitação do espaço agricultável em favor de florestas, penalizando milhões de produtores que hoje fazem do país, justamente, um dos principais provedores de alimentos do mundo.
Da mesma forma, é preciso oferecer mecanismos de apoio ao setor produtivo. Para se ter ideia, a lei do crédito rural, editada em 1967, está, a exemplo do Código Florestal, completamente desatualizada.
A questão, portanto, é complexa. Quando a dona de casa vai ao supermercado e reclama do preço do óleo de soja, nem sempre tem condições de entender os desdobramentos de um grande sistema em que, como consumidora final de um produto, está inserida.
Pelo lado da produção, o que o agricultor anseia são condições estáveis para continuar produzindo e alimentando o mundo. Fortes oscilações de preços resultam em desajustes entre custos e receitas, causando ganho em um primeiro momento e perda no segundo. Decisões precipitadas que promovam a ida do céu ao inferno em um curto espaço de tempo somente criam instabilidade na produção, o que resulta no quadro de aperto que estamos vivendo agora.
É preciso que governos se debrucem sobre o tema com equilíbrio e sensatez, em busca de soluções eficazes e duradouras.




Luiz Lourenço é presidente da Cocamar Cooperativa Agroindustrial