segunda-feira, 31 de outubro de 2011
Sítio arqueológico trava licença para obras
Valor 31/10
O andamento dos projetos de infraestrutura do país está diante de um dilema. Os estudos arqueológicos, etapa inerente ao processo de licenciamento ambiental, se transformaram em um entrave para muitos desses empreendimentos, principalmente aqueles listados no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O impasse não é resultado apenas do excesso de exigências atreladas ao rito do licenciamento, mas à falta de capacidade do próprio governo de realizar estudos que são obrigatórios para liberar as obras.
"A demanda cresceu demais. Hoje operamos no limite, trabalhamos no sofrimento", relata Maria Clara Migliacio, diretora do Centro Nacional de Arqueologia do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
A dificuldade do Iphan de lidar com o volume de trabalho que passou a receber fica mais clara quando observado o crescimento de permissões e autorizações ambientais emitidas nos últimos anos pela autarquia, que é vinculada ao Ministério da Cultura.
Em 1991, o instituto liberou cinco licenças arqueológicas, volume que avançou lentamente em uma década, chegando a 142 licenças em 2001. Nos últimos dez anos, houve um salto. Em 2007, ano do lançamento do primeiro PAC, foram emitidas 525 licenças pelo Iphan, volume que quase dobrou no ano passado, chegando a 969 documentos. "Pelo ritmo, vamos liberar mais de mil licenças neste ano", diz Maria Clara.
Seriam números para se comemorar, não fossem as restrições vividas no dia a dia pela equipe que está por trás da liberação desse trabalho. Ao todo, são 40 funcionários, um quadro que praticamente não mudou nos últimos anos. "Teríamos que ao menos triplicar nossa estrutura", diz a diretora. "É um milagre que o Iphan esteja conseguindo atender essa demanda com esse corpo tão reduzido."
O resultado, admite Maria Clara, é a aprovação de projetos baseada em análises precárias, com consequências incalculáveis ao patrimônio histórico do país. "Estamos falando de bens que não têm forma de reposição, um recurso que não é renovável. Portanto, uma vez mexido, acabou. Dada a nossa limitação, sabemos que estamos perdendo bens valiosos, não há dúvida sobre isso."
O Iphan é o órgão responsável pela identificação e pesquisa de sítios arqueológicos, resgate de materiais e, quando necessário, tombamento das áreas. Para que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) conceda o licenciamento ambiental de uma obra, é preciso que, antes, o Iphan dê autorização para que o projeto avance.
Incapaz de realizar seu trabalho de forma satisfatória, a saída que restou ao Iphan foi dar prioridade a projetos considerados fundamentais para o governo. Obras que já obtiveram a licença prévia (LP) do Ibama, e que aguardam a licença de instalação (LI), vão para a frente da fila.
No cotidiano do Iphan, não é raro encontrar situações de empresas que enviam relatórios com dados falsificados para aprovação do instituto, revela Maria Clara. Num caso recente, uma empresa apresentou fotos de um mesmo local para ilustrar a prospecção que teria ocorrido em áreas diferentes.
Enquanto o estudo arqueológico do governo brasileiro se limita a 40 técnicos - dois quais só metade tem formação na área -, em países como o México esse número salta para 800 colaboradores. Na França, são 400 servidores dedicados à prática. "É lamentável. Há situações em que o arqueólogo está trabalhando com o trator nas costas, a máquina está nos seus calcanhares", diz a diretora do Iphan. "Nosso desejo é que o governo federal nos atenda de uma melhor forma. Há uma lei federal que sustenta nosso trabalho, precisamos cumpri-la."
O avanço das obras de infraestrutura no país faz com que a área de arqueologia viva situação paradoxal. Enquanto não fazia parte do rito do licenciamento ambiental, até 1990, a pesquisa arqueológica dependia exclusivamente do interesse de pesquisadores e acadêmicos, limitando-se à realização de poucos projetos por ano.
Depois que passou a ser considerada uma etapa inerente ao processo de licenciamento ambiental, a chamada "arqueologia preventiva" - que antecede a liberação de um determinado empreendimento - passou a responder por 90% dos projetos analisados. Para os especialistas do setor, a situação é angustiante, já que, ao mesmo tempo em que traz uma oportunidade de pesquisa sem precedentes, também destrói sítios que não tiveram seus estudos aprofundados.
"Sempre se perde material, porque um resgate nunca ocorre em sua totalidade. O que se resgata é uma amostragem. Nada garante que aquilo que foi resgatado é o mais importante", diz Maria Clara.
Até o ano passado, havia nada menos que 17 mil sítios arqueológicos identificados no Brasil. Hoje, são 22 mil locais e o número não para de crescer. "Em cerca de 95% das obras encontra-se algum sítio arqueológico. Como esses empreendimentos têm avançado cada vez mais para áreas preservadas do país, principalmente para a região amazônica, há uma riqueza enorme de pesquisas pela frente", diz a diretora do Iphan.
Pela lei do patrimônio arqueológico, o aproveitamento econômico de um empreendimento não pode ocorrer antes do salvamento do bem arqueológico, que pertence à União. Maria Clara admite que o resgate costuma ocorrer concomitantemente à obra, desde que a área de recuperação esteja demarcada e possa ser explorada sem que haja prejuízo pelo andamento da construção.
"Compreendemos que o Brasil está interessado no desenvolvimento econômico, nas obras de infraestrutura", diz a diretora do Iphan. "Mas isso não pode ocorrer com o esquecimento de outros campos, senão estaremos jogando fora outro tipo de riqueza."
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
Rio menos 20?
Por MARINA SILVA - FSP 28/10
Participei de debate sobre a conferência Rio+20, na UnB. Contribui com minha visão sobre os desafios do desenvolvimento sustentável. Fui rememorando as duas décadas que nos separam da Rio 92 e recordei as discussões e tecituras de propostas para elevar o patamar de uma governança socioambiental.
Lembrei-me das lutas e conquistas brasileiras, sobretudo a partir da Constituição de 1988, e de como a Rio 92 foi fundamental para dar impulso político para a realização de muitas leis infraconstitucionais.
A Lei de Crimes Ambientais, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e muitas outras.
Mas o que deveria continuar avançando, o aprimoramento dessa governança socioambiental e das políticas estruturantes -sobretudo para a integração das variáveis socioambientais no planejamento de todas as políticas setoriais de desenvolvimento-, vemos, com um misto de perplexidade e frustação, seguir rumo totalmente contrário.
O Brasil parece caminhar de forma firme e acelerada para o retrocesso de suas políticas ambientais.
Exemplos não nos faltam: a aprovação da MP que transferiu milhões de hectares de terra na Amazônia, a inaceitável investida para destruir a principal lei ambiental do país, o Código Florestal, que confere proteção às nossas florestas e à biodiversidade.
Os abusos e atropelos em projetos como a hidrelétrica de Belo Monte, quando não são cumpridas as condicionantes da licença prévia, ao mesmo tempo que se ignora os direitos dos mais afetados com a obra, que são os povos indígenas da região. O poder de veto concedido ao Ministério de Minas e Energia e aos governadores para criação de unidades de conservação federais, resultando no fato de que, nos últimos anos, pouquíssimas unidades foram criadas, como várias tiveram suas áreas reduzidas. E ainda a aprovação no Senado de uma lei que retira o poder do Ibama de fiscalizar desmatamentos, entre outras coisas.
Se a luta em 1992 era para fortalecer políticas socioambientais, a luta da sociedade é para que a falta de visão de setores do governo e do Congresso não a destruam, como tem sido feito no apoio a medidas que enfraquecem os órgãos de fiscalização e controle.
E nos deparamos com o não cumprimento da promessa de que as contribuições da sociedade seriam incorporadas no relatório ao projeto do Código Florestal do senador Luiz Henrique (PMDB-SC).
Sem falar da pressa em função de um tempo para votar um texto ainda neste ano, independentemente de resolver os graves problemas ali embutidos. Seria apenas para evitar a pergunta inconveniente de que a conferência Rio+20, para o Brasil, pode se tornar a Rio menos 20?
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
Planeta Voluntários – Faça a diferença, por um mundo melhor!
"Ninguém comete erro maior do que não fazer nada porque só podia fazer pouco."
Relatórios da miséria, fome, violência, Aids, desmatamento no planeta.
Fome:
Todos os dias, mais de 850 milhões de pessoas vão se deitar com fome; dentre elas, 300 milhões são crianças. A cada cinco segundos, uma delas morre de fome.
O número de desnutridos nos países em desenvolvimento cresce à razão de quase 5 milhões de pessoas por ano.
Todo ano no Planeta, morrem de fome cerca de 30 milhões de pessoas.
Pobreza:
Entre 55 e 90 milhões de pessoas passarão à condição de pobreza extrema ainda neste ano de 2009, devido à recessão mundial resultante da crise financeira internacional.Mais de 1 Bilhão sofrerá de fome crônica no mundo todo.
Segundo pesquisas, 53,9 milhões de brasileiros são pobres; isso significa que quatro em cada dez brasileiros vivem em miséria absoluta. Entre as 130 Nações que medem a distribuição de renda, o Brasil é o penúltimo colocado; só ganha de Serra Leoa.equivale a 31,7% da população. 21,9 milhões dessa população são muito pobres, ou 12,9% dos brasileiros.
Água Potável:
Globalmente, ao longo das últimas décadas, a quantidade de água potável disponível tem diminuído dramaticamente.
Há 1,6 bilhão de Km³ de água no mundo, mas, o que podemos beber é menos de 1% disso...
A poluição das águas mata hoje 2,2 milhões de pessoas por ano; mais de 75 % da reserva mundial de peixes é sobre-explorada;
E o aumento no nível dos oceanos causado pelo aquecimento global pode deslocar dezenas de milhões de pessoas.
Em 20 anos, mais de 60% da população mundial sofrerão com a escassez de água. Também segundo a ONU, na atualidade, mais de 1,1 bilhão de pessoas não têm acesso a água tratada.
Saneamento:
Quatro em cada 10 pessoas no mundo não têm acesso nem a uma simples latrina de fossa não asséptica, e são obrigadas a defecar a céu aberto.
Aproximadamente 2 em cada 10 pessoas – mais de 1 bilhão de pessoas – não têm nenhuma fonte de água potável segura.
80% das internações hospitalares no mundo são devidas a doenças transmitidas pela água.
Como consequência, 3.900 crianças morrem diariamente em razão desta crise humanitária, totalmente evitável, porém silenciosa.
Habitação:
Atualmente, 900 milhões de pessoas vivem em assentamentos precários (favelas e áreas de risco) em todo o mundo.
A menos que a situação mude substancialmente, 1,5 bilhão de moradores de zonas urbanas serão favelados em 2020,o equivalente à população da China.
O Brasil terá 55 milhões de favelados,o que seria equivalente a 25% da população do país.
Atualmente, quase 1 bilhão de pessoas – um sexto da população mundial – vivem em favelas.
Educação:
O Brasil tem atualmente cerca de 16 milhões de analfabetos, e metade desse número está concentrada em menos de 10% dos municípios do país.
O planeta ainda conta com 780 milhões de analfabetos.
No Brasil existem 16,295 milhões de pessoas incapazes de ler e escrever pelo menos um bilhete simples.
Levando-se em conta o conceito de "analfabeto funcional", que inclui as pessoas com menos de quatro séries de estudo concluídas, o número salta para 33 milhões.
Trabalho Infantil:
Cerca de 2,5 milhões de crianças, entre 5 e 16 anos, trabalham no Brasil, o que o coloca entre os países com os maiores índices de trabalho infantil.
Cerca de 250 milhões de crianças no mundo trabalhando (entre os 5 e 14 anos), mas as estatísticas não são muito seguras, dado que boa parte da exploração é clandestina ou realizada em setores econômicos informais. Na África, uma em cada três crianças é explorada e, na América Latina, uma em cada cinco. A situação em alguns países No Equador, país que encabeça o ranking de trabalho infantil no continente, onde 1 milhão e quinhentos mil menores trabalham nos bananais, fabricação de tijolos e outros.
Aids:
No ano passado a Aids matou 3 milhões de pessoas, e outros 4,1 milhões foram infectados - mais de 8.000 por dia, e a doença hoje infecta 40 milhões, dos quais 25 milhões vivem no continente africano. Além disso, a epidemia deixou órfãos 15 milhões de crianças,
Mais de 500 mil crianças nasceram com o HIV, o vírus causador da Aids, no ano passado.
Entre elas, cerca de 20 mil crianças brasileiras.
O número de mulheres infectadas com vírus HIV aumentou em 44% no país nos últimos dez anos.
O uso de seringas contaminadas mata 1,3 milhão de pessoas por ano no mundo todo.
Somente no Brasil existe atualmente mais de meio milhão de pessoas contaminadas com o vírus da AIDS, mas elas não sabem disso.
Violência:
Segundo a UNESCO, de 60 países analisados, em apenas 06 o número de homicídios é superior ao número de mortes por acidentes de trânsito.Dentre esses está o Brasil e mais três países da América Latina. Em 49 desses países, o número de suicídios é superior ao número de homicídios; dentre as exceções está o Brasil e mais sete países da América Latina. A América Latina é a região onde mais ocorrem homicídios no planeta: 30 mortes para cada grupo de 100.000 pessoas ao ano, o triplo da média mundial.
Da população mundial, o Brasil responde por 11% de todos os homicídios do planeta. É o 2º país que mais mata utilizando armas de fogo, 3º em homicídios contra jovens e 4º colocado em homicídios no geral. O Brasil é o 3º mais violento da América Latina, perdendo somente para a Colômbia e Venezuela.
Aborto:
Estima-se que são feitos 42 milhões de abortos a cada ano em todo o Planeta, e, desses, 20 milhões são ilegais ou executados clandestinamente. Segundo a OMS, abortos inseguros causam por volta de 65.000 a 70.000 mortes maternas a cada ano(1), 99% das quais ocorrendo nos países em desenvolvimento(2).
No Brasil a cada minuto, quase dois abortos clandestinos são realizados . O número é uma estimativa baseada nas internações pós-aborto pelo SUS e aponta que, desde 1999, cerca de 952 mil mulheres interromperam a gravidez por ano no país.
Desmatamento:
Dados divulgados indicam que a Floresta Amazônica perdeu 754,3 quilômetros quadrados de florestas entre novembro de 2008 e janeiro de 2009. A área equivale a metade do município de São Paulo.
O país perdeu um campo de futebol a cada dez minutos na Amazônia, nos últimos 20 anos.
O Brasil é campeão mundial de desmatamento. Em segundo lugar está a Indonésia: 18,7 km2 por ano e, em terceiro, segue o Sudão, com 5,9 km2. As principais causas pelo desmatamento na Amazônia são a retirada de madeira, o cultivo de soja e gado.
Quando olha para o mundo nessa perspectiva, consegue perceber a real necessidade de solidariedade, compreensão e educação?
Nós, do Planeta Voluntários, convidamos você a servir e a apoiar os outros com devoção e compaixão. Começando com a nossa própria transformação pessoal e, mediante serviço, por fazer a diferença, é a forma como nós acreditamos que vamos chegar a essa massa crítica de pessoas que, juntas, emerge como a nova humanidade.
Serviço altruísta surge espontaneamente a partir de apenas compreendendo que somos uma humanidade. Talvez você possa escolher as atividades que podem de alguma forma contribuir para o bem estar dos outros em sua comunidade. Isso poderia ser empenho pessoal voluntariado como ajudar uma pessoa idosa, um orfanato, um abrigo, um hospital, entre outros.
Os valores e os princípios do movimento emergente para uma nova humanidade, e da Aliança, que está a tentar servi-lo, se baseiam no apoio de políticas, as causas e as ações que favoreçam o respeito pela vida, dignidade humana, a liberdade, a sustentabilidade ecológica e a paz.
Faça todo o bem que puder
Por todos os meios que puder
De todas as maneiras que puder.
Em todos os lugares que puder
Todas as horas que puder
Para todas as pessoas que puder
Enquanto você puder.
Faça a Diferença.
Por Marcio Demari
PLANETA VOLUNTÁRIOS
Porque ajudar faz bem !
A maior Rede Social de Voluntários e ONGs do Brasil !!!
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
Painel do clima da ONU errou ao prever degelo no Ártico
FSP 20/10
Um novo estudo de cientistas dos EUA e da França sugere que o IPCC, o painel do clima das Nações Unidas, errou feio em suas previsões sobre o degelo do Ártico. No caso, errou para baixo: o derretimento observado é quatro vezes maior do que apontam os modelos.
O grupo de pesquisadores liderados por Pierre Rampal, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), publicou seus dados na edição desta semana do periódigo "Journal of Geophysical Research".
Eles uniram dados de modelagem com observações de satélites, navios e até submarinos para estimar que o mar congelado que recobre o oceano Ártico está afinando a uma taxa de 16% por década. Os modelos que alimentaram o relatório do IPCC, publicado em 2007, estimam essa taxa em 4%.
Segundo Rampal e seus colegas, os modelos climáticos computacionais que estimaram um polo Norte sem gelo no verão em 2100 estão atrasados 40 anos em relação às observações. Da mesma forma, o papel da chamada "amplificação ártica" --como é conhecido o efeito de aumento da temperatura devido à perda do gelo marinho e à maior absorção de radiação solar pelo oceano-- provavelmente foi subestimado.
Isso se deve principalmente ao fato de que os modelos não conseguiram reproduzir o aumento de velocidade que ocorre quando o gelo fica mais fino.
O mar congelado do Ártico está em permanente movimento, seguindo as correntes. Todo verão, elas empurram enormes quantidades de gelo para fora do oceano Ártico, pelo chamado estreito de Fram, entre a Groenlândia e o arquipélago norueguês de Svalbard, diminuindo a área do mar congelado.
Acontece que, com a água mais quente, as placas de gelo ficam mais finas (a média entre 1980 e 2008 é de 1,65 metro de afinamento no verão) e se rompem mais. Isso consequentemente aumenta a velocidade de "exportação" do gelo e, por consequência, amplia a redução de área da banquisa.
Em agosto deste ano, a Folha teve oportunidade de experimentar essa alta velocidade do gelo no estreito de Fram a bordo do navio Arctic Sunrise, da ONG Greenpeace. A amarrado a uma placa de gelo de mais de 200 m de comprimento, o navio derivou cerca de 80 km em dois dias.
Rampal afirma que os modelos falham em capturar essa relação entre deformação e velocidade. Aplicando a metodologia usada no novo estudo aos modelos, eles conseguiram resolver quase todas as diferenças entre modelos e observações --o que pode ajudar a estimar com maior precisão o papel do Ártico no clima futuro da Terra.
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
Transporte público, energia e a questão ambiental
Por Marcelo Cardinale Branco - Valor 19/10
Em todo o mundo se manifestam as consequências do modelo de deslocamento de pessoas e de cargas que foi adotado já no início do século passado, com o advento dos automóveis e caminhões, sustentado pela farta disponibilidade de petróleo. A primeira delas foi uma contínua perda da prioridade do transporte público em relação ao individual nas grandes cidades aliada a igual abandono das ferrovias no transporte de cargas no interior. A segunda foi o progressivo congestionamento das vias públicas, cujo efeito foi sendo postergado por meio do contínuo e crescente investimento nas obras viárias. Finalmente, a terceira consequência foi a constatação cada vez mais segura da elevação da poluição ambiental. Assim, foi dado o alerta ambiental, com o reconhecimento da poluição local e global, reflexo da queima de combustíveis, especialmente os de origem fóssil.
Nas fases anteriores de desenvolvimento, aspectos econômicos pouco importaram, sendo sempre encobertos pelo aumento da produtividade. O progressivo encarecimento do transporte, a utilização de veículos de baixíssimo rendimento energético, os riscos de escassez dos combustíveis, entre outros, sempre foram vistos como inconvenientes superáveis pelo lucro. Até mesmo a escassez de combustíveis foi encarada apenas como uma questão de preço e/ou de pressões econômica e política sobre os produtores.
Mas o alerta da poluição mudou os rumos da história. Os seus efeitos não são controláveis por meio de maior ou menor investimento. Talvez um pouco tarde, face às consequências adversas de curto prazo, foi preciso verificar as causas.
Dessa forma, é necessário e urgente mudar as matrizes de transporte, dando ênfase aos modos ambientalmente sustentáveis e reduzindo aqueles que consomem combustíveis com baixo rendimento energético, que promovem mais acidentes e que, nas cidades, forçam cada vez mais o desaparecimento das funções sociais da rua. Significa jogar no lixo da história os cálculos de "custo-benefício", sempre invocados em favor dos transportes menos sustentáveis, por não levar em conta as chamadas "externalidades negativas" e seus vastos custos socioambientais.
Para ilustrar o que se afirma, apoiemo-nos no caso da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Os deslocamentos motorizados de pessoas hoje se distribuem entre os modos públicos (metrô, trem, ônibus, trólebus) e privado (basicamente automóveis). No tocante aos transportes motorizados, o sistema público representa 55% dos deslocamentos e os automóveis representam 45% na cidade de São Paulo, conforme pesquisa Origem/Destino do Metrô, realizada em 2007.
Basta lembrar que o transporte de um passageiro de automóvel ocupa um espaço viário cerca de 60 vezes maior do que aquele efetuado por um ônibus grande circulando em corredor apropriado, para sentir o significado da grande participação dos automóveis no transporte urbano. Este dado recomenda esforços no sentido da alteração da matriz de transporte.
Essa mudança deve levar em conta possibilidade de geração contínua e não esgotável das fontes de energia como o etanol e da energia elétrica firme. O etanol, além de emitir cerca de 70% menos gás carbônico, tem a possibilidade de ajudar no resgate do carbono graças às plantações de cana-de-açúcar.
Além disso, a fluidez do transporte coletivo tem relação direta com o meio ambiente. O aumento da velocidade diminui as emissões. Um ônibus em um corredor em São Paulo tem velocidade média 20 km/h, o que diminui o consumo em 20% e as emissões, em 40%, se comparado aos que não estão nos corredores. Em casos como Expresso Tiradentes, a velocidade sobe para 37 km/h, cortando o consumo pela metade e as emissões, em 60%.
Assim, sob o ponto de vista do dispêndio de energia, a situação não é menos gritante. Basta lembrar que, na RMSP, avaliou-se, alguns anos atrás, que, enquanto uma viagem por automóvel demanda 13 kWh de energia, aquela feita em metrô consome 0,5 kWh.
Façamos então um exercício. O que aconteceria se a matriz de transportes motorizados fosse alterada para 70% e 30%, na relação do uso do transporte público e do privado? Isso poderá ocorrer se esse transporte público for de boa qualidade, por meio de aumento de oferta dos sistemas metroferroviários e uma parte razoável do espaço liberado destinada a corredores de transporte eletrificado sobre pneus, em faixa segregada, formando um modo de transporte de média capacidade, que a cidade hoje não possui.
Reduzir em 1/3 o transporte por automóveis, cuja frota circulante paulistana é de 3,3 milhões do total de veículos particulares (com exceção de motos, caminhões e ônibus), significa transferir para os modos públicos 1,54 milhão de passageiros, liberando cerca de 1 milhão de automóveis que, em circulação, ocupam 49 milhões de metros quadrados de vias, além das faixas de estacionamento correspondentes. A absorção desses passageiros por um corredor eficiente implica a utilização prioritária de apenas 3,9 milhões de metros quadrados.
A energia economizada, por outro lado, chegaria a 16 milhões de kWh por dia, suficiente para abastecer cerca de 1,4 milhão de casas com demanda unitária de 350 kWh/mês.
Além das economias enormes que podem advir da substituição do transporte individual pelo coletivo, a troca de veículos a combustíveis por outros de tração elétrica, cujo rendimento energético dos motores é três vezes maior, também representa economia nada desprezível. Ademais, a produção de energia se torna cada vez mais difícil, onerosa e arriscada (vide Japão e Golfo do México), sendo uma insensatez desperdiçá-la, seja a que título for.
Marcelo Cardinale Branco, administrador de empresas, é secretário municipal de Transportes de São Paulo. Foi presidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) e secretário municipal de Infraestrutura e Obras.
terça-feira, 18 de outubro de 2011
Grave afronta à inteligência nacional
Por José Eli da Veiga - Valor 18/10
A maioria dos 410 deputados que aprovaram o projeto de lei sobre a proteção da vegetação nativa (PLC-30) nem teve chance de perceber o tamanho dos disparates nele introduzidos. Certamente devido à balbúrdia em que transcorreu o processo de votação, favorecendo os míopes interesses de um subsetor econômico muito específico: o da pecuária de corte de expansão horizontal, concentrada na franja impropriamente chamada de "fronteira agrícola".
Com certeza o Senado honrará sua missão revisora, colocando em primeiro lugar os interesses estratégicos da nação, ao contrário do que ocorreu com a Câmara na lastimável noite de 24 de maio. Muitas das distorções do PLC-30 foram bem enfatizadas em recentes audiências públicas de juristas e pesquisadores científicos, inspirando as 174 emendas apresentadas à CCJ e à CCT por 16 senadores, quase todas com o intuito de evitar inúmeros perigos de tão insensata marcha reversa. Provavelmente outras ainda serão propostas em mais duas comissões que vão anteceder o plenário: a de agricultura e a de meio ambiente.
Lista circunstanciada dos absurdos do PLC-30 está nas 28 páginas de "Propostas e considerações" das duas maiores sociedades científicas brasileiras (SBPC e ABC), divulgadas há uma semana. Confirma que são quatro as principais aberrações que demandam minucioso exame do Senado: a) drástica redução das áreas de preservação permanente (APP); b) inviabilização da imprescindível flexibilidade das reservas legais (RL); c) contrabando de milhões de imóveis rurais sob o manto de pretensa solidariedade aos "pequenos produtores"; d) inepta escolha de julho de 2008 como data para o perdão de infrações.
Pela legislação em vigor, o conjunto das áreas de preservação permanente (APP) deveria corresponder a 15% do território nacional, totalizando 135 milhões de hectares (Mha). Todavia, existe um déficit de 55 Mha - quase todo invadido por indecentes pastagens - que será mais do que "consolidado" pelas brutais reduções das exigências de conservação de matas ciliares, ripárias, de encostas, de topos de morro e de nascentes. Algo inteiramente desnecessário, pois a bovinocultura poderá ser incomparavelmente mais eficiente e produtiva com muito menos do que os exageradíssimos 211 Mha que atualmente ocupa (78% da área da agropecuária). Bastará um pouco de profissionalismo e bem menos especulação fundiária.
O surgimento de mercados estaduais de compensações de reservas legais (RL) seria um grande passo à frente, principalmente para os produtores cujas fazendas não dispõem de terras de baixa aptidão. É completamente irracional destinar solos de boa qualidade à recuperação de vegetação nativa, ou mesmo reflorestamento com exóticas. Nada melhor, portanto, do que remunerar detentores de terras marginais para que eles constituam condomínios de reservas. Com a imensa vantagem de que elas não estariam dispersas em pequenos fragmentos isolados, alternativa infinitamente superior para a conservação da biodiversidade. É trágico, portanto, que o PLC-30 tenha feito uma opção preferencial por forte redução dessas áreas, em vez de viabilizar o surgimento desses mercados estaduais de compensações.
Tão ou mais escandalosa é a tentativa de desobrigar todos os imóveis rurais com áreas inferiores a quatro módulos fiscais sob o pretexto de ajudar "pequenos produtores". A maior parte dos imóveis desse tamanho são chácaras e sítios de recreio de famílias urbanas de camadas sociais privilegiadas. Nesse ponto, os deputados inadvertidamente legislaram em benefício próprio, já que muitos deles, assim como seus parentes e amigos, têm propriedades desse tipo.
Se o objetivo fosse realmente favorecer produtores rurais de pequeno porte, bastaria que o PLC-30 não fizesse letra morta da lei 11.326, promulgada pelo presidente Lula em julho de 2006, após um decênio de experiência acumulada pelo tardio Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), criado em julho de 1996 por decreto do presidente FHC.
Para delimitar essa categoria sem contrabandear casas de campo de urbanos do andar de cima, ou de quaisquer proprietários com vários imóveis, a lei considera agricultores e empreendedores familiares apenas os que praticam atividades no meio rural atendendo simultaneamente a quatro requisitos: a) não detenham a qualquer título área maior do que quatro módulos fiscais; b) utilizem predominantemente mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; c) tenham renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; d) dirijam seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.
Finalmente, mas não menos relevante, é lembrar que a Constituição não reconhece direito adquirido em matéria ambiental, desautorizando qualquer data para perdões por desmatamentos ilegais que seja posterior ao primeiro ato regulamentador da Lei de Crimes Ambientais: 21 de setembro de 1999.
José Eli da Veiga, professor da pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do mestrado profissional em sustentabilidade do Instituto de Pesquisas Ecológicas
terça-feira, 11 de outubro de 2011
Sinais de alerta do 'pai' dos ambientalistas
Valor 11/10
Era uma tarde de domingo de maio, pouco depois do almoço, quando o telefone tocou. A então senadora Marina Silva tinha urgência na voz. Pedia ao interlocutor em São Paulo que fosse imediatamente para Brasília. Com a dificuldade em andar amenizada pela ajuda da bengala, Paulo Nogueira Neto aprontou-se, foi ao Aeroporto de Viracopos, em Campinas, e comprou a passagem aérea. À noite já estava na capital federal.
Primeiro foram encontros com representantes graduados do Congresso. Em seguida, o grupo de ex-ministros do Meio Ambiente reuniu-se com a presidente Dilma Rousseff. A movimentação rápida e silenciosa tentava sensibilizar a presidente em relação às florestas, numa das últimas tentativas de alterar pontos polêmicos do texto final do Código Florestal que seria votado no dia seguinte pela Câmara dos Deputados. "O que querem fazer hoje no Brasil é um retrocesso. É rasgar grandes conquistas", diz Paulo Nogueira.
A frase soa inevitavelmente melancólica para quem ouve esse que é considerado o "pai de todos" os ambientalistas brasileiros. Dr. Paulo, como é respeitosamente chamado por seus discípulos, vê à sua frente o desmoronamento de décadas de preservação, uma história que ele ajudou a criar. Primeiro secretário do Meio Ambiente do país com status de ministro, Paulo Nogueira Neto estabeleceu em seus doze anos de governo os primeiros 3,2 milhões de hectares de florestas protegidas por lei no Brasil e concebeu o Conselho Nacional do Meio Ambiente - o Conama, o "único conselho deliberativo desta República", como gosta de lembrar Marina Silva. Isso em plenos anos 70, período de chumbo da política brasileira.
"As cúpulas militares não entendiam nada de meio ambiente. Mas confiavam em mim, sobretudo o [João] Figueiredo"
Aos 89 anos e com uma imagem pública invejável, ele vê a política sendo feita de forma equivocada - interesses privados e partidários à frente de "interesses maiores da nação".
Mas não perde a esperança de as coisas se ajeitarem. "As mudanças no Código foram aprovadas por fatores políticos que não dependeram da nossa vontade. Foi uma disputa política do Legislativo com a presidente Dilma. Mas não acredito que o Senado aprovará do modo que está", diz dr. Paulo.
Como se sabe, o novo Código Florestal passou na Câmara dos Deputados com pontos que preocupam os ambientalistas. A anistia a produtores rurais que desmataram até julho de 2008 é um deles. O direito dos Estados de legislar sobre o ambiente é outro. "Isso será um desastre. Já se fala em um desmatamento do tamanho do Paraná". E esclarece: "Não sou contra reformas, desde que sejam baseadas em técnica".
Se diz não perder o ânimo, o paulistano Paulo Nogueira Neto, fruto de uma linhagem de políticos e juristas, tampouco perde o gosto pelas discussões estratégicas envolvendo o seu assunto predileto. Apesar do andar lento e da dor constante nas costas ("o grande problema do homem é ser bípede"), quase toda semana segue a Brasília. Reúne-se no Conama, participa de encontros, assiste a debates no Congresso e prestigia ONGs. Quem esteve presente no histórico dia da cisão do Ibama lembra do alto brado de "Viva!" solto por dr. Paulo após votação que criou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio, em meados de 2007.
A proposta atraiu críticas dentro do próprio governo, mas para ele não havia por que relutar. O fato era que o Ibama tinha se tornado grande demais para administrar tudo sozinho. "Estavam dando muito pouca atenção às áreas de conservação ambiental. Era necessário dividi-lo", argumenta Nogueira Neto, num falar à vontade em meio às suas árvores majestosas, escolhidas décadas atrás para emoldurar o terreno de quatro mil metros quadrados de sua residência em São Paulo.
Desenhada pelo arquiteto Osvaldo Bratke nos anos 50, os traços modernos privilegiam a integração com a natureza ao seu redor, e guardam não só essa porção exclusiva de Mata Atlântica mas histórias esquecidas do Brasil. Guardam também livros - centenas de livros de biologia e ecologia - e uma mesa de condecorações recebidas ao longo e depois da carreira pública, sombreadas pelas oito pinturas enfileiradas de Di Cavalcanti expostas na sala de estar ("séries limitadas que Di vendia, sem tanto valor assim", apressa-se em explicar).
A de que ele mais gosta parece ser o Cândido Portinari à direita. O quadro retrata o momento da retirada do mel da colmeia, a maior de todas as suas paixões. Os estudos sobre abelhas indígenas brasileiras marcaram seu trabalho científico e transformaram um advogado em um renomado ambientalista.
Portinari era amigo de seu irmão, José Bonifácio Coutinho Nogueira, que foi secretário paulista da Agricultura e depois da Educação. Mas não entendia nada de abelhas. Nogueira Neto conta, ainda surpreso, - "como ele não sabia retratar a retirada do mel?" - que teve de emprestar uma fotografia para que o pintor, hoje um dos mais conhecidos do Brasil, fizesse o quadro exibido nesta sala por onde passaram tantas personalidades da política, das artes e das ciências.
A leva de ambientalistas mais jovens não frequentou esse universo privilegiado, mas se formou e esmerou nos ensinamentos do ambientalista.
Marina Silva conheceu o seu trabalho ainda no Acre. Tasso Azevedo, primeiro diretor do Serviço Florestal Brasileiro, ouviu falar em Paulo Nogueira Neto pela primeira vez na faculdade de engenharia florestal. Mário Mantovani e a trupe verde da SOS Mata Atlântica já o reverenciavam quando o convidaram para ajudar a formar a ONG que despontava, duas décadas atrás.
A aproximação mais curiosa, no entanto, talvez tenha sido a do ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente de Marina, o então adolescente João Paulo Capobianco. "Eu jamais imaginaria que aquele menino viraria isso", ri Nogueira Neto.
Capobianco, estudante de segundo grau, procurou-o pedindo ajuda: após herdar a fazenda de café do avô recém-falecido, na divisa de Minas Gerais com São Paulo, parte da sua família queria se desfazer de dois mil hectares de floresta nativa que havia resistido à agricultura. "Meu avô viveu até os 98 anos protegendo aquela mata. Foi o único proprietário da região que não desmatou, enquanto todos os outros vendiam a madeira como forma de sobreviver à crise de 1929", conta Capobianco. "Quando morreu, veio a partilha, e a floresta ficou em risco". Uma professora sugeriu: por que não tentar algo com o dr. Paulo?
"Liguei para ele. No dia seguinte tinha um monte de policiais na fazenda. Foi uma confusão danada, mas eu ganhei a preservação da floresta e arrumei alguns primos que ficaram meus inimigos até hoje".
Paulo Nogueira Neto nasceu ambientalista, mas só descobriu essa vocação numa idade bem mais avançada. Por influência do histórico familiar em ciências humanas, a primeira opção profissional foi Direito na Universidade de São Paulo (USP). Ele se formou, mas a paixão por abelhas o fez enveredar pelo mundo da biologia. Das abelhas para os insetos, dos insetos para ecossistemas, dos ecossistemas para o clima. Voltou à USP para estudar História Natural. Nogueira Neto virou um cientista e fundou, na mesma universidade, o Departamento de Ecologia. Só não abriu mão da carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), diz.
O convite para assumir o primeiro cargo federal destinado ao ambiente veio em 1974, dois anos após Henrique Brandão, então vice-ministro do Interior do governo Ernesto Geisel, chefiar a delegação brasileira do Itamaraty para a Conferência de Estocolmo, a primeira reunião mundial a tentar preservar o ambiente.
Brandão voltou para Brasília incomodado. Dizia que o Brasil precisava de um decreto federal de base para uma futura pasta ambiental - todos os países importantes já tinham isso. Chamou Nogueira Neto para uma opinião sobre o rascunho. Ele leu. E "lascou" a proposta. "Fiz várias críticas. Aquilo não previa nem multas ambientais!"
A espinafrada com conteúdo deve ter impressionado o ministro. Mas feito o convite para assumir o posto criado para ele, dr. Paulo titubeou. A palavra final seria dada, como sempre, por Lúcia, sua companheira de vida. "Só iria se ela concordasse em se mudar para Brasília", diz.
Nogueira Neto tinha base jurídica, formação acadêmica e a paixão inerente aos amantes da natureza, o que já lhe garantia parte do sucesso na empreitada federal. Mas era pouco dado a rodas sociais, ao "networking" necessário para fazer política.
Quem era boa nisso era Lúcia. "Ela fazia o meio de campo que estreitou os meus laços com os diplomatas", lembra ele. Exímia jogadora de bridge, Lúcia era convidada para praticar o jogo de cartas da moda com as esposas dos diplomatas estrangeiros instalados em Brasília. Dr. Paulo ia junto e aproveitava a oportunidade para emplacar conversas sobre o estado do planeta. Graças a essas visitas informais, fez várias viagens ao exterior para conhecer governos e expor a situação ambiental do Brasil. Sempre levava Lúcia - "pagando o bilhete aéreo dela", frisa.
Mas o glamour da diplomacia estava a anos-luz da simplicidade das três salas e cinco funcionários que Nogueira Neto tinha para cuidar da área ambiental. A missão era dura.
O secretário com status de ministro viveu o choque político de criar unidades federais protegidas e a chegada do homem urbano à grande floresta, após a abertura da rodovia Transamazônica. O "Brasil Grande" galopava, os recursos financeiros eram poucos e Nogueira Neto, afinal, falava uma língua praticamente desconhecida dos generais. Ecossistemas. Biodiversidade. A defesa de coisas tão pouco palpáveis devia ser vista como mera platitude de um apaixonado por abelhas. E o Brasil militar tinha assuntos bem mais importantes a tratar.
Em uma das passagens de seu livro de relatos dos tempos no governo federal, dr. Paulo desabafa: "Me sinto exausto. O serviço é ininterrupto, pesado e tensionante. Mas me fascina".
Ele chegou a Brasília não por apadrinhamento político, mas pela profunda compreensão da natureza ao seu redor - inclusive, percebeu-se depois, da natureza humana. Talvez por isso tenha atravessado incólume a dois governos, primeiro Geisel e depois de João Figueiredo, e emplacou as suas vitórias.
Bater de frente, dr. Paulo não batia. Mas ninguém diz que deixou de defender a causa por conta dos obstáculos do caminho. De certa forma, diz ele, era mais fácil trabalhar naquele tempo. "As cúpulas dos governos militares não entendiam nada de meio ambiente. Mas confiavam em mim, sobretudo o Figueiredo". Além disso, "a derrubada da Amazônia não era nada em comparação a hoje".
Convidado em duas ocasiões a filiar-se ao partido político do governo, a Arena, preferiu congregar as pessoas. Ganhou a confiança dos dois lados.
Passou pelo menos uma vez pelo desafio de segurar a rédea da corrupção dentro da sua pasta, a Secretaria de Meio Ambiente. Quando desconfiou que universidades contratadas para a gestão das áreas de conservação ambiental poderiam estar desviando recursos, ele diz ter agido rápido. Pediu prestação de contas e a abertura de uma sindicância para apurar esses convênios.
Para ele, a corrupção, só ocorre se a liderança permite. "Quando o chefe é sério, a instituição toda fica séria também", diz dr. Paulo, pai de três, avô de seis e bisavô de cinco.
Quando deixou o governo, em 1985, o seu ativismo não arrefeceu. Nos anos seguintes, participou da criação de fundações, ganhou prêmios e homenagens. Em 1987, dr. Paulo representou o Brasil na Comissão Brundtland, que resultou no relatório intitulado "Nosso Futuro Comum" e cunhou a expressão desenvolvimento sustentável.
Ícone de uma geração de ambientalistas, ele tem sido um braço invisível de apoio para quem passa pelo Ministério do Meio Ambiente. "O professor sempre me apoiou, apesar das críticas pesadas às medidas para defender as florestas", diz Marina Silva, que estava em férias quando concedeu uma entrevista ao Valor. "Quem se negaria a falar sobre ele? Dr. Paulo é o pai de todos nós".
Se nos anos 70 os interessados em ambiente cabiam em uma Kombi, como falava-se na época, hoje são certamente muito mais. O que Paulo Nogueira Neto fez, então, deve ter valido a pena.
terça-feira, 4 de outubro de 2011
Desmate na Amazônia cresce 15% em um ano
Valor 04/10
O desmatamento na Amazônia Legal cresceu 15,69% em um ano, de acordo com dados divulgados ontem pelo o Ministério do Meio Ambiente (MMA). A área devastada entre julho de 2010 e agosto - ano-calendário para essa medição - foi de 2.654 quilômetros quadrados (km2), ante 2.294 km2 em igual período anterior. O avanço no nível de devastação da mata nativa foi ainda maior nos últimos seis meses do ano-calendário, quando 1.398 km 2 - 48,4% a mais que no período anterior - de floresta foram perdidos. Isso equivale ao tamanho de quatro capitais juntas: Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Vitória.
No ano, até agosto, Mato Grosso, Rondônia, Acre e Tocantins apresentaram avanço na degradação da floresta na comparação com o ano anterior, de acordo com informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Sozinho, o Estado de Mato Grosso devastou, até agosto deste ano, 769 km 2, quase a área total desmatada em todos os outros Estados da Amazônia Legal - 813 km 2.
Um dos motivos dessa expressiva retirada da floresta foi a lei de zoneamento aprovada pelo governo de Mato Grosso, em abril, explicou o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Ramiro Hofmeister. A lei que flexibiliza a conservação de reservas legais em algumas áreas do Estado, deve ainda ser aprovada pelo ministério.
A ministra Izabella Teixeira já pediu para o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) não aprovar a lei estadual. O texto pode ser reenviado ao governo estadual para adaptação. Ao anistiar os produtores rurais que haviam desmatado até fim de abril deste ano, houve uma corrida para reduzir a área de reserva legal ao percentual menor permitido pela lei, disse o coordenador geral de Zoneamento e Monitoramento Ambiental do Ibama, George Porto Ferreira. A legislação do Estado reduziu, de 80% para até 50%, a parte da propriedade que deve ser preservada.
Após esse "repique" no desmatamento do Estado, o governo instalou um gabinete de crise, em maio. Com esse trabalho, segundo a ministra, foi possível reduzir o ritmo de crescimento da retirada da mata nativa. Ontem, foi divulgada redução de 38% na área devastada no mês de agosto, em comparação com o mesmo mês de 2010.
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