sexta-feira, 25 de novembro de 2011
Réquiem para o Código Florestal
Por José Eli da Veiga - Valor 25/11
Quem ganha ou perde com a lei que revogará o Código Florestal? O balanço já pode ser feito com base no extenso e intricado projeto que resultou de trâmite-relâmpago em quatro comissões do Senado. Talvez ajude os senadores dispostos a mitigar em plenário seus impactos mais nocivos.
Quem mais ganha são os bovinocultores, pois adquirem o direito de não devolver cobertura vegetal aos 44 milhões de hectares de áreas sensíveis em beiras de rio, encostas, topos de morro e nascentes, que foram invadidas por degradantes pastagens. Um crime de lesa humanidade, pois a ocorrência de pastos nessas áreas de preservação permanente (APP) desrespeita um dos mais básicos fundamentos das ciências agrárias e da economia socioambiental.
São infinitamente menos graves as implicações da análoga "consolidação" de atividades agrícolas ou florestais nos demais 11 milhões de hectares subtraídos às APP, pois na maioria dos casos ela não comprometerá as principais funções ecossistêmicas da manutenção de vegetação nativa, além de também não promover assoreamentos ou erosões. Por isso, as benesses aos tradicionais arrozeiros gaúchos, produtores catarinenses de maçã, cafeicultores mineiros, etc., não serão concedidas em detrimento do interesse nacional, público ou social. Não chega a haver conflito.
Na mesma toada, praticamente ninguém sairá perdendo com os dispositivos do projeto que facilitam as compensações das reservas legais (RL). Além de acabarem com a irracionalidade de impedir a exploração de terras de alta aptidão agrícola, também evitam as desvantagens da dispersão desses tesouros de biodiversidade em fragmentos isolados. Ao instituir a Cota de Reserva Ambiental e incentivar compensações em condomínios, o novo programa "PRA" estimulará o surgimento de mercados estaduais de compensações, atendendo tanto os interesses dos que devem respeitar as normas da "RL", quanto os interesses da coletividade.
Todavia, vai em direção oposta o tratamento "vip" oferecido a todos os proprietários de imóveis com área de até quatro módulos fiscais, em vez de restringir tais regalias apenas a esses pequenos empreendedores que se matam para garantir a educação dos filhos com a esquálida remuneração do árduo trabalho de sitiante. Grande parte dos imóveis com área de até quatro módulos fiscais são bucólicas chácaras de recreio de privilegiadas famílias urbanas. Com certeza, muitos dos membros do Congresso passam alguns de seus fins de semana em propriedades desse tipo, mesmo que não lhes pertençam, por serem de parentes ou amigos. O viés chega a ser escandaloso, pois tais imóveis nada têm a ver com aquilo que muitos parlamentares adoram chamar de "setor produtivo".
Também serão muito beneficiados todos os que cometeram desmatamentos ilegais no intervalo de dez anos entre o início da regulamentação da Lei de Crimes Ambientais e o odiado decreto do ex-presidente Lula, de 22 de julho de 2008, sobre infrações ambientais. Qual a razão da escolha dessa data, em vez de setembro de 1999, para demarcar a separação entre as normas atinentes ao chamado passivo ambiental das que o projeto propõe para o presente e o futuro? Quem são os diretamente interessados nesse expediente que joga o projeto na imoralidade? Por que a base parlamentar do governo Dilma temeria rejeitar tão asquerosa prerrogativa aos devastadores?
No geral, também sairão bem favorecidos os setores e ramos mais propensos à "absorção da proposta neocolonizadora da China", como diz Carlos Lessa, ou que defendem o "Brasil da Fama" (fazenda, mineração e maquiladoras), como diz Marcio Pochmann. É um projeto que atropela simultaneamente a política climática (PNMC), o Plano Brasil Maior, e o Documento de Contribuição Brasileira à Conferência Rio+20, pois se opõe - em gênero, número e grau - ao "Brasil do Vaco" (valor agregado e conhecimento). Aliás, chega mesmo a autorizar a Camex a adotar medidas de restrição às importações, contrariando o empenho da presidenta em impedir que pretextos ambientais levem a Rio+20 a legitimar mais obstáculos ao comércio internacional.
Apesar disso tudo, o Código Florestal terá um digno e respeitoso funeral se o plenário do Senado adotar apenas três simples, mas incisivas, intervenções cirúrgicas. Primeiro, excluir pastagens de todos os perdões oferecidos aos desmatamentos de APPs. Segundo, admitir tratamento preferencial apenas à agricultura familiar legalmente reconhecida, com repúdio a qualquer discriminação baseada em área de imóvel, seja ela medida em módulos fiscais ou em qualquer outra unidade. Terceiro, substituir o rancoroso símbolo político de 22 de julho de 2008 por uma data que ao menos faça algum sentido jurídico.
Se, ao contrário, a maioria se inclinar pela manutenção dessas três aberrações, a lei que revogará o Código Florestal será mais um grande estímulo à exportação barata dos recursos naturais concentrados na carne bovina. A exata negação do que reza o sétimo dos oito "princípios" que abrem o projeto: "fomentar a inovação em todas as suas vertentes".
José Eli da Veiga, professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ),
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
Feitos para não durar: oportunidades jogadas fora
Por João Amato Neto - Valor 23/11
Meses atrás notei que o rádio do meu sistema de som automotivo não estava funcionando. Após uma cansativa peregrinação, que durou algumas semanas e muitas oficinas de reparo (incluindo a da revendedora autorizada do veículo), fui convencido a desistir da ideia de recuperação daquele aparelho, de vida finada então, posto que não se encontrava o componente que havia sido danificado.
Outro fato marcante ocorreu-me quando da aquisição de uma televisão de tela plana. Questionado a respeito das garantias que deveriam acompanhar o aparelho, o atendente da loja surpreendeu-me com sua sinceridade: "Hoje em dia os aparelhos de TV já são projetados para não durar muito e, se houver algum defeito, pode jogar no lixo e comprar outro".
Há alguns anos foi o caso do aparelho de celular. Fui a uma loja autorizada da operadora dos serviços de telefonia questionar o valor da conta mensal dos serviços que, a meu ver, estava excessivamente elevado. Mais uma surpresa: o vendedor explicou-me que eu poderia optar por um plano mais econômico e ao mesmo tempo me ofereceu um novo aparelho com algumas novas funcionalidades - para as quais, aliás, eu não tinha qualquer necessidade. Mas, em função das "explicações técnicas" do vendedor, fui convencido a aceitar a promoção, pois aquele meu aparelho muito antigo (eu o havia comprado há dois anos!) tornar-se-ia logo obsoleto.
E o que dizer da produção de automóveis e aparelhos da linha branca (geladeiras, máquinas de lavar, forno de micro-ondas)? Não fogem à regra. Todos estes exemplos não devem ser entendidos como fenômenos isolados da prática empresarial, mas sim manifestações de uma filosofia de produção e consumo cuja mola propulsora é a obsolescência planejada, inserida na própria concepção e projeto dos produtos. A lógica é simples: encurtar a vida útil dos produtos para acelerar o ciclo "produção-consumo-descarte". Para isso as empresas planejam um portfólio de lançamentos, provocando de forma deliberada certo canibalismo dos seus próprios produtos, com a consequente substituição por novos modelos. Se essa lógica foi predominante sob o paradigma de produção em massa (fordismo) e ainda se mantém sob o paradigma da produção enxuta (toyotismo), o que dizer dos novos desafios dos modelos de produção e consumo sob a lógica da sustentabilidade, a emergente filosofia da gestão e da produção e a mais séria das vantagens competitivas.
Eis um aspecto que acredito de fundamental importância para o futuro da sociedade e que se origina de uma filosofia básica que norteia as estratégias empresariais de grandes corporações, principalmente as do setor de bens de consumo. Obsolescência planejada não é um termo novo, muito menos uma realidade sem precedentes. Em 1990, passei um mês de pesquisas e estudos no Japão, ainda centro das atenções e pujante berço de um "milagre" econômico cujo santo era a indústria eletroeletrônica. Berço também da Toyota, cuja planta fomos - uma equipe de vários países- visitar, para conhecer de perto as inovadoras formas de gestão lá implementadas: a base do paradigma de produção ágil, enxuta e flexível.
Mas não foi necessário organizar uma visita técnica para conhecer uma realidade talvez igualmente rica e para a qual a gestão e a produção pouco costumam olhar: o lixo. No lixo japonês, já há mais de duas décadas, componentes microeletrônicos e computadores dividiam o espaço com embalagens e outros materiais.
De lá para cá, porém, o Japão viria a se destacar como exemplo mundial na gestão do lixo. Por intermédio da Japan International Cooperation Agency (Jica), hoje o país lidera um programa internacional de várias frentes, abrangendo o desenvolvimento institucional e a formação de pessoas, criando entre as diversas ilhas do Pacífico uma rede de cooperação para a troca de experiências: casos como o de Shibushi, cidade localizada em Kagoshima, no sul do Japão, cujo aterro, em 1998, recebia 14 mil toneladas de lixo e, nove anos depois, albergava pouco mais de 2 mil toneladas, sendo as demais 8 mil recicladas, com uma redução de quase 4 mil toneladas de lixo (reciclado e não reciclado) entre 1998 e 2007.
De fato, esquecidos e soterrados sob os modelos convencionais do sistema "produção-consumo-descarte", os resíduos são, sob muitos aspectos, mais graves à vida humana do que a própria escassez de recursos naturais. Por isso, na estratégia dos 3 Rs (reduzir, reusar e, enfim, reciclar), surge um quarto: a remanufatura, indústria que já movimenta mais de US$ 14 bilhões nos Estados Unidos.
A gestão da produção e a economia, que sempre pensaram, de uma forma linear, na cadeia produtiva, até a chegada dos bens e serviços aos consumidores, precisam agora correr para garantir a passagem de volta. E nessa visão do bumerangue econômico, os problemas crescem na proporção da demanda de soluções inovadoras. Cenário que chama à oferta de novos serviços, abrindo espaço para o empreendedorismo sustentável.
Em especial, a remanufatura de vários produtos - mecânicos e eletrônicos, por exemplo - já pode ser considerada um campo de negócio rentável. Na realidade, são muitos os casos de empresas na Europa e América do Norte que estão obtendo lucros significativos com a venda de produtos e componentes remanufaturados, tais como telefones celulares e peças de automóveis, principalmente em mercados de países emergentes.
No Brasil, a Lei 12.305/10, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, sinaliza para os novos nichos de negócios a serem explorados na geração de soluções ambientais, como a logística reversa. A produção não é mais entendida como uma linha, mas como um ciclo, curva na qual o produto que chega ao consumidor tem que voltar às empresas para que lhe deem a destinação ambientalmente adequada. O lixo, afinal, passa a ter valor. E a produção, da linha à curva, chega à rede: novas empresas que podem especializar-se nesse setor e serem contratadas pelas grandes para cooperarem nesse desafio.
Produtos e negócios para não durarem podem apressar-se. A sustentabilidade veio para ficar.
João Amato Neto é professor titular e chefe do Departamento de Engenharia de Produção da Poli/USP e organizador do livro "Sustentabilidade & Produção: Teoria e Prática para uma Gestão Sustentável".
terça-feira, 22 de novembro de 2011
CHEVRON - Houve erros de cálculo na perfuração, admite companhia
Valor 22/11
A Chevron Brasil admitiu ontem dois erros de cálculo na perfuração que resultou no vazamento do poço no campo de Frade, na bacia de Campos. Segundo George Buck, principal executivo da empresa americana no Brasil, a Chevron subestimou a pressão do reservatório, que era mais alta do que o previsto, e superestimou a resistência da rocha, que se rompeu, criando as fissuras por onde o óleo vazou, a 1,8 km de distância do poço, já na área de Roncador, da Petrobras.
Fontes da indústria levantaram a hipótese de que o acidente possa ter sido provocado por descuido ou tentativa de economizar tempo e dinheiro. Isso porque a Chevron poderia ter levado a tubulação do revestimento até uma profundidade maior. O poço por onde o petróleo vazou tinha 2.279 metros, mas só foi revestido em 567 metros.
O acidente que causou fraturou da rocha indica que a Chevron poderia ter sido mais conservadora e levado a tubulação mais fundo, para reforçar a rocha. "A Chevron assumiu um risco enorme", disse um executivo do setor. Outro experiente técnico tem opinião parecida: "O revestimento provavelmente deveria ir até mais embaixo".
Ontem, durante uma entrevista tensa, em que Buck ameaçou por duas vezes se retirar da sala, o executivo informou que as fissuras na rocha não foram identificadas na sísmica feita no ano passado, o que leva a crer que elas podem ter sido provocadas pela movimentação para controlar o problema que surgiu durante a perfuração.
Existem três evidências que explicam o acidente, segundo Buck, das quais duas já são conhecidas pela Chevron. Houve um "kick" (expressão técnica para a subida indevida de óleo, gás ou água pelo poço) e um escape de óleo pela rocha. A Chevron ainda não está segura de como essa saída de óleo pela rocha aconteceu.
"Perfuramos o reservatório e a pressão encontrada foi maior que a prevista. A segunda evidência [de erro] é que a rocha era mais fraca do que avaliamos. A terceira é que o óleo encontrou um caminho até a superfície. Ainda não entendemos como", disse Buck. A Chevron estima em 2,4 mil barris (381,6 mil litros) o volume de óleo derramado no campo de Frade desde 7 de novembro, quando aconteceu o acidente.
Segen Estefen, diretor de tecnologia e inovação da Coppe-UFRJ, defende a formação de uma comissão independente e técnica para acompanhar eventuais vazamentos futuros de petróleo no mar territorial brasileiro. "O Brasil não pode viver com sobressaltos, devido a vazamentos de petróleo que poderão ocorrer no Brasil nas próximas duas décadas", afirmou. A comissão, que seria formada pela ANP, Marinha e Ibama, com assessoria da Coppe, poderia fazer monitoramento periódico das bacias via imagens de satélite.
Ontem, o secretário do Ambiente do Rio, Carlos Minc, disse que vai ingressar com ação civil pública contra a Chevron por danos à biodiversidade marinha, ecossistema costeiro e bens difusos. A multa pode chegar a R$ 100 milhões.
A Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e a Secretaria Estadual do Ambiente vão determinar à Chevron e à Transocean - dona da sonda de perfuração - uma auditoria de padrão internacional em todas as instalações delas no Rio. O objetivo é fiscalizar a capacidade das empresas de colocar os planos de emergência em ação.
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
Disputa territorial
Valor 17/11
Com votação prevista para dia 22 na Comissão do Meio Ambiente (CMA) do Senado, o projeto de reforma do Código Florestal entra no momento de decisão. Após ter sido aprovado em setembro na Comissão de Constituição e Justiça e, no início de novembro, nas de Agricultura e de Ciência e Tecnologia, o texto do projeto de lei complementar (PLC 30/2011) deve sofrer ajustes pelo relator Jorge Viana (PT-AC), para ser apresentado à CMA. Depois, segue para a votação no plenário do Senado e volta para a Câmara dos Deputados para exame das mudanças feitas pelos senadores, antes de seguir para a sanção ou veto presidencial. A perspectiva no Congresso é de que todo o trâmite possa ser concluído até o final do ano.
Até chegar aqui, o projeto que altera a lei ambiental em vigor desde 1965 - e que tem sua origem num decreto de 1934 do presidente Getúlio Vargas - passou por mais de um ano de debates acalorados, com muitas polarizações entre congressistas representantes do agronegócio e ambientalistas, além de outros grupos da sociedade civil. Não à toa, uma vez que o texto original da reforma, consolidado no relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), hoje ministro do Esporte, e que foi aprovado na Câmara dos Deputados no fim de maio, propôs mudanças significativas na mais importante legislação ambiental do país. Essas mudanças serão debatidas hoje no seminário "Código Florestal - Proteção ambiental e produção agrícola", que o Valor promove em São Paulo.
Por estabelecer as normas para a proteção da vegetação, uso da terra e dos ambientes naturais, o código envolve um grande número de interesses, econômicos, ambientais e sociais, muitas vezes conflitantes. Consenso entre os participantes do debate tem sido difícil, salvo na questão de que a reforma é necessária para que o código seja aperfeiçoado e adequado à nova realidade brasileira. Realidade que não pode deixar de considerar os 537 milhões de hectares de áreas com predomínio de vegetação natural existentes no país, boa parte delas sujeitas a impactos dessas alterações.
Nas mudanças do texto aprovado na Câmara dos Deputados, alguns pontos se tornaram polêmicos e pautam as discussões ainda no Senado. Entre elas as que dizem respeito à redução das áreas de preservação permanente (APPs) e de reserva legal (RL), estabelecidas pelo código em vigor.
Segundo a proposta, as APPs, áreas de vegetação nativa protegidas para conservação ao longo de rios e outros cursos d'água, nascentes, encostas e topos de morro sofreriam redução. No ponto mais polêmico está a diminuição da exigência de matas ciliares de 30 metros para 15 metros, no caso de rios de até 10 metros de largura, quando houver ocupação dessa área. Nesses casos, os proprietários são obrigados a recompor a área desmatada. Novas emendas que serão avaliadas na CMA ainda podem flexibilizar a obrigatoriedade de recomposição da área desmatada em propriedades pequenas e médias. Segundo estudo da equipe do professor Gerd Sparovek, da USP/Esalq, as APPs somariam hoje 103 milhoes de hectares, com um déficit de vegetação natural de 44 milhoes de hectares.
No caso da reserva legal, área da propriedade que deve ser mantida com sua vegetação original, mas onde são permitidas atividades de manejo sustentável, foram mantidos os percentuais que variam de acordo com a região (80% na Amazônia; no Cerrado, 35% e 20% nas demais regiões). No entanto, o projeto permite que o cálculo da reserva legal inclua a área de APP preservada ou em recomposição. Além disso, estabelece que imóveis rurais de até quatro módulos fiscais - medida que varia de 20 a 440 hectares, dependendo da região do país - ficam desobrigados de recompor o que foi desmatado antes de julho de 2008. Segundo dados do Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o total da área que pode ficar isenta de recuperação é superior a 29,5 milhões de hectares.
Também são polêmicas as alternativas de compensação de área de reserva legal no mesmo bioma e a delegação aos Estados da competência de legislar sobre o ambiente. Mas nenhum item causa tanto barulho quanto o que isenta proprietários rurais de multas previstas na Lei de Crimes Ambientais por uso irregular de áreas protegidas até julho de 2008. A própria presidente Dilma Roussef prometeu vetar a possibilidade de anistia a desmatadores.
Para o senador Jorge Viana, relator do projeto junto à CMA, e que trabalha em conjunto como o senador Luiz Henrique (PMDB-SC), relator nas comissões de Agricultura e Ciência e Tecnologia, os pontos polêmicos merecerão análise. "As questões que dizem respeito às APPs e à reserva legal são motivadoras para a revisão do código", diz. Ele diz que a questão das punições aos desmatadores na proposta aprovada na Câmara ainda gera insegurança jurídica ao não deixar claro como será resolvido o desmatamento já ocorrido. "Vamos corrigir esse problema do passivo ambiental", diz, mencionando a inclusão de mecanismos como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Programa de Regularização Ambiental para a recomposição de áreas desmatadas irregularmente.
Viana pretende incluir no relatório a questão do uso do solo urbano, que não foi discutida na Câmara. Segundo ele, em várias cidades a população corre riscos por conta de ocupações indevidas nas margens de rios e encostas. "São situações que exigem mudança no trato do uso do solo das cidades e no código de proteção dos mananciais de água."
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
Chevron enfrenta vazamento no campo de Frade
Por Cláudia Schüffner e Rafael Rosas | Do Rio - Valor 11/11
O primeiro vazamento de petróleo no alto-mar do Brasil depois do acidente de Macondo, no Golfo do México, foi protagonizado pela americana Chevron. A companhia passou a tarde tentando debelar o vazamento de meio barril de petróleo por hora na bacia de Campos, na área ao redor do campo de Frade. À noite, a Chevron calculava que 60 barris de óleo tinham chegado à superfície, sem detalhar os procedimentos que estavam sendo adotados para estancar o vazamento no fundo do mar. O poço fica a 370 quilômetros a nordeste da costa do Rio de Janeiro, em uma profundidade de 1.200 metros.
A Agência Nacional do Petróleo (ANP) informou que o acidente ocorreu na quarta-feira. Houve um descontrole da saída de gás (kick no jargão técnico) durante o procedimento de injeção do fluido de perfuração.
O trabalho estava sendo feito por técnicos da plataforma semissubmersível Sedco706, da Transocean. O equipamento para prevenção de explosões (BOP na sigla em inglês) funcionou mas a manobra com o conjunto de válvulas para "matar" o poço parece ter ativado uma falha na estrutura geológica.
Segundo a Chevron, os detalhes do vazamento foram observados por um veículo submarino operado à distância (ROV), que identificou que o óleo é proveniente de uma falha na superfície do fundo do mar, próxima ao Campo Frade. À noite, a empresa disse apenas que as investigações sobre as causas prosseguiam.
Magda Chambriard, diretora da ANP, informou que a Chevron espera cimentar o poço em 24 horas. Segundo a autoridade, a empresa acionou seu plano de emergência individual, que é obrigatório para se operar no Brasil. Apesar do acidente ter acontecido quarta-feira, a companhia só informou sobre o problema em sua página na internet nos Estados Unidos.
No Brasil, o primeiro alerta foi do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro), ainda na quarta. Ontem só quem teve a informação e pediu detalhes recebeu uma nota curta durante todo o dia e que foi atualizada por volta das 20h.
O campo de Frade é o oitavo maior produtor do país individualmente. Em setembro ele produziu 74,768 mil barris de óleo e 899,35 mil metros cúbicos de gás. Na lista de 20 maiores produtores do país, apenas três campos não são operados pela Petrobras. Além de Frade estão na lista Ostra (Shell) e Peregrino (Statoil).
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
Brasil começa a "turbinar" a Rio+20
Valor 10/11
Durante alguns dias de junho do ano que vem, no Riocentro, políticos de mais de 190 países estarão procurando revitalizar o combalido sistema multilateral das Nações Unidas com a pauta do desenvolvimento sustentável. Do lado de fora, mais concentrados no aterro do Flamengo, milhares de estudantes, índios, empresários, ambientalistas, agricultores, sindicalistas, mulheres, cientistas e todos que cabem no guarda-chuva "sociedade civil", não são governo central e têm algo a reivindicar, estarão fazendo suas manifestações sociais, ambientais e econômicas. Muitos colocarão em xeque a capacidade do sistema multilateral de resolver os problemas globais. Estará em curso a Rio+20.
A data, se depender da vontade do governo Dilma Rousseff, será mudada para o fim de junho, logo depois do encontro do G-20 no México. Foi uma decisão estratégica que a presidente tornou pública na França, na semana passada, no último encontro do grupo. Seria difícil para qualquer líder de peso vir duas vezes à América Latina em um intervalo tão curto - e a disputa com a reunião das 20 economias mais fortes do mundo poderia ser uma batalha perdida.
Para piorar, a data original da cúpula (4,5 e 6 de junho) coincidia com os 60 anos da ascensão da rainha Elizabeth ao trono, o que tornaria inviável não só a vinda do primeiro-ministro britânico David Cameron, como, possivelmente, de vários outros líderes europeus. Como outra estrela, o presidente Barack Obama, também estará em campanha pela presidência e a agenda do evento não inclui nenhum tratado internacional para ser assinado sob holofotes, a melhor estratégia era adiar a data. Em 28 de novembro, o bureau da Rio+20 nas Nações Unidas, uma espécie de conselho formado por 12 pessoas de países que representam as diferentes regiões do mundo, decidirá sobre o pedido brasileiro. Tudo indica que será aceito.
"É conveniente para todos", diz o administrador Aron Belinky, 48 anos, integrante do comitê facilitador da sociedade civil para a Rio+20. "A mudança é interessante porque elimina o conflito de datas com o jubileu da rainha e cria uma pressão moral para que os chefes de Estado venham ao Rio", diz. Além disso, aponta, como estava no calendário anterior, a reunião do G-20 poderia esvaziar a conferência do Rio. "Mesmo tendo agendas diferentes, há uma conexão política que não pode ser ignorada", avalia Belinky, coordenador de processos internacionais da ONG Vitae Civilis. "Agora as coisas se invertem: quem estiver no encontro do G-20 deverá levar em conta que logo depois haverá uma grande reunião no Rio, com mobilização massiva da sociedade civil global. O G-20 passa a ter que pensar na agenda da Rio+20 em termos bem mais sérios e concretos."
O consultor especializado em sustentabilidade cita outra boa notícia que veio da reunião do G-20 em Cannes. A presidente Dilma manifestou seu apoio à criação de uma taxa sobre transações financeiras internacionais (FTT, na sigla em inglês). A iniciativa é antiga (já foi conhecida como taxa Tobin), tem como defensor o presidente francês Nicolas Sarkozy, e seria uma espécie de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) internacional. No fim, não passou, bloqueada por Obama e por Cameron. Mas a sinalização foi importante. "A FTT tem potencial para ser um grande divisor de águas na governança global", avalia Belinky. Ou seja, seria uma forma de encontrar recursos financeiros para fazer frente também às necessidades ambientais e sociais.
A presidente Dilma teria condicionado seu apoio à proposta do "programa de proteção social global", uma ideia inspirada no Bolsa Família. "Essa dobradinha entre programa social e FTT, junto com empregos verdes e decentes, é a plataforma do movimento sindical global para a Rio+20", aponta Belinky.
Essa espécie de Bolsa Família internacional é a primeira das oito propostas que compõem o documento de 37 páginas que traz o que o Brasil quer e defende para a Rio+20. Trata-se de uma compilação de sugestões recolhidas na sociedade civil e governo durante o ano. Países, empresas e ONGs tinham até 1º de novembro para enviar suas propostas às Nações Unidas. Até ontem, no site oficial da ONU estavam listadas as propostas de 69 países. Como os diversos grupos mundiais da sociedade podiam mandar também suas ideias, o número total de propostas chegava a 630. Na página há um aviso de que os documentos estão sendo gradativamente incluídos no site. É disso tudo que sairá o documento final da conferência.
O próximo passo é uma compilação de tudo. Em 15 e 16 de dezembro, os negociadores dos países se reúnem para analisar as contribuições recebidas. Começam a trabalhar na estrutura e no conteúdo do documento. Esse será o produto final da conferência, algo como uma Carta do Rio ou Declaração Final da Rio+20. Em janeiro deve ficar pronto o primeiro rascunho do texto que será negociado entre todos os países. Serão quatro rodadas de negociação, todas em Nova York. O esforço culmina no Rio, entre 13 e 15 de junho, no último evento preparatório antes da Rio+20.
"Ninguém imagina que da Rio+20 sairá um tratado que salvará o mundo", diz Belinky. "Mas é uma reunião que pode juntar uma série de temas importantes, que hoje são tratados de forma desarticulada". Ele prossegue: "É, por exemplo, uma oportunidade de se discutir para onde a economia deve nos dirigir." A ferramenta para isso é o debate em torno da economia verde.
"A sociedade civil olha a Rio+20 não só seguindo os que os governos irão discutir, mas como um momento de convergência de várias agendas que não estão sendo debatidas", prossegue. O Rio será palco de centenas de eventos em junho. Vários irão questionar a eficácia do sistema multilateral, que está em xeque. "Há uma desconfiança em relação ao sistema multilateral. Muitas reuniões da ONU sequer conseguem chegar a um acordo e isso gera descrédito."
O público, estimado em 50 mil pessoas pela ONU e pelo governo brasileiro, será heterogêneo. Haverá eventos promovidos pelos empresários. Um dos grupos, por exemplo, é o que está reunido na Business Action for Sustainable Development (BASD). O Instituto Ethos aglutinou outras instituições e enviou sua proposta. Outra iniciativa são os Diálogos Nacionais sobre Economia Verde, a versão brasileira de uma articulação internacional, a Green Economy Coalition. Há os movimentos sociais, indígenas e ambientalistas, jovens e mulheres, acadêmicos. "Hoje existem muitos debates globais que dizem respeito à sociedade como um todo, mas estão sendo discutidos separadamente", diz o consultor. "A Rio+20 é o momento de se discutir tudo isso junto e de se criar a base para algo."
Na sua opinião, as propostas brasileiras têm aspectos "muito tímidos e até retrógrados" e outros "ótimos pontos de partida". Nos negativos, ele cita o tópico sobre a responsabilidade social das empresas. "Porque fala o contrário da noção de que a responsabilidade social das empresas pode ser uma maneira de se ampliar as melhores práticas para as cadeias de produção do mundo todo", cita. Na sua opinião, o texto tem um problema difuso, embutido em todo o documento, "que é a falta de questionamento ao modelo desenvolvimentista e que reflete a aposta prioritária em grandes obras ou no consumo de massa, por exemplo". Na proposta que fala no acesso a fontes adequadas de energia, diz Belinky, o documento não cita fontes renováveis ou sustentáveis. "O que significa adequadas? É uma posição dúbia."
Entre os positivos, a ideia de propor uma convenção internacional que verse sobre a transparência das informações ambientais. Outra boa proposta, na visão de Belinky, é a que busca melhorar a participação da sociedade civil no processo de decisão da ONU. Uma terceira, a que pretende estimular a criação de novos indicadores para medir o desenvolvimento dos países.
Do lado oficial, a diplomacia brasileira deu um jeito de esticar o programa. A Eco 92 durou 12 dias e a Rio+20, no calendário da ONU, terá apenas três dias. O governo brasileiro transformou a ocasião em algo que levará dez dias. Começa com o evento preparatório. Depois, de 16 a 19 de maio, a ideia é discutir oito grandes temas relacionados à sustentabilidade, que podem ser água, energia e segurança alimentar, por exemplo. É esta fase que coincide com a reunião do G-20. Finalmente virá a cúpula, em 20, 21 e 22 de junho.
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
Código Florestal avança sob protestos e único voto contrário
Valor 09/11
A segurança do Senado deve ser reforçada hoje para a votação das emendas destacadas ao substitutivo do senador Luiz Henrique (PMDB-SC), cujo texto básico foi aprovado ontem pelos dois colegiados, em votação nominal, por 27 votos a um. A única a votar contra foi Marinor Brito (PSOL-PA). A deliberação de ontem ocorreu em reunião tensa, com manifestações de ruralistas e ambientalistas. Os dois lados querem mudanças no texto. Ao final, houve confronto entre a polícia legislativa do Senado e estudantes, que protestavam contra o projeto.
A votação dos destaques (propostas de alteração do texto) foi marcada para nova reunião das duas comissões, a partir de 8h30 desta quarta-feira. Este é o primeiro relatório de mérito do Código Florestal no Senado. Após a aprovação na CCT e na CRA, a proposta será submetida à Comissão do Meio Ambiente (CMA) - a última, antes da votação no plenário.
Pela primeira vez desde que o projeto chegou ao Senado, a Casa foi palco de confronto entre ruralistas e ambientalistas, que marcou a tramitação na Câmara. Representantes dos dois lados lotaram o plenário e exibiram cartazes vermelhos (ambientalistas) ou brancos com os dizeres, em verde: "Um voto pelo Brasil" (ruralistas). Houve bate-boca, vaias, aplausos e gritos. Na saída, estudantes concentrados em frente à porta causavam constrangimentos a senadores e foram contidos - à força- pela polícia legislativa.
Em nome dos ruralistas, a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), criticou a exigência de recomposição das faixas marginais em 15 metros, contados da calha do leito regular, nos casos de áreas rurais consolidadas em APP nas margens de cursos d'água até dez metros de largura. "Excluir a produção rural de toda margem não é bom senso", disse. Segundo ela, essa regra vai prejudicar milhares de pequenos e médios agricultores.
Marinor Brito, do lado dos ambientalistas, tentou adiar a votação, mas não teve apoio dos colegas. Ambientalistas são contra o dispositivo - incluído na Câmara e mantido por Luiz Henrique- que autoriza a continuidade das atividades agrossilvopastoris, de ecoturismo e turismo rural em APP, desde que consolidadas até julho de 2008.
Luiz Henrique disse que o texto está "longe" de representar suas convicções sobre o assunto. "Mas representa o que consegui construir após negociação com deputados e governo, para que a proposta tenha respaldo da Câmara [para onde o texto volta, porque está sendo alterado] e da Presidência da República", afirmou.
Apresentada pelo pemedebista em reunião no dia 25 de outubro, a proposta divide o projeto aprovado na Câmara, relatada pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), atual ministro do Esporte, em duas partes: a permanente, para regular o direito ambiental para o futuro, e a transitória, que busca regularizar o passivo - ou seja, o que foi ilegalmente feito nas propriedades rurais até 22 de julho de 2008.
O projeto inclui artigo que deixa claro ser essa lei a última chance de regularização de desmatamento. Pelo texto, não haverá "nenhum direito à regularização de futuras intervenções ou supressões de vegetação nativa, além dos previstos nesta lei". Outra alteração feita pelo pemedebista em relação ao texto aprovado na Câmara foi a transformação dos manguezais em bem a ser protegido nas áreas permanentes, incluindo apicuns e salgados.
O substitutivo mantém a autorização para a continuidade de atividades agrossilvopastoris, ecoturismo e turismo rural em APPs consolidadas até 22 de julho de 2008, como já estava previsto pela Câmara.
O substitutivo de Luiz Henrique determina que o governo federal crie, em 180 dias, um Programa de Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente, que poderá destinar recursos para a pesquisa científica e tecnológica e a extensão rural relacionadas à melhoria da qualidade ambiental. O programa também poderá prever crédito agrícola com taxas de juros menores e prazos maiores que os demais, além de seguro agrícola em melhores condições, entre outras medidas.
Nas disposições transitórias, Luiz Henrique mantém os Programas de Regularização Ambiental para resolver o passivo ambiental, que terão normas gerais definidas pela União e específicas, pelos Estados e Distrito Federal. Quem estiver em situação irregular quanto à área de preservação permanente e reserva legal poderá aderir ao PRA, com o compromisso de recomposição das áreas desmatadas irregularmente. Serão suspensas sanções a infrações cometidas antes de julho de 2008.
Nas disposições finais, o pemedebista colocou artigo prevendo que a União, Estados e o Distrito Federal elaborem em conjunto o Inventário Florestal Nacional, "para subsidiar a análise da existência qualidade das florestas do país, em imóveis privadas e terras públicas".
Além da votação pela CCT e pela CRA, haverá mais uma análise de mérito sobre o Código Florestal antes de ir a plenário, na Comissão do Meio Ambiente (CMA). O relator é Jorge Viana (PT-AC), que tem atuado em parceria com Luiz Henrique, mas já sinalizou a intenção de fazer "aperfeiçoamentos", especialmente para dar tratamento diferenciado para a agricultura familiar e o pequeno produtor.
sexta-feira, 4 de novembro de 2011
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