Valor 21/07/2011
De todos os problemas que mais afligem o meio urbano no Brasil, o lixo desponta entre os itens prioritários na agenda municipal e ganha status como fonte de negócios. Pela nova lei federal do setor, aprovada no ano passado, as prefeituras são obrigadas a elaborar planos para a gestão de resíduos até agosto de 2012, sem os quais não terão acesso a recursos da União. Aos aterros sanitários só poderá ser destinado o material não reciclável. E os lixões a céu aberto, existentes em mais da metade das cidades brasileiras, precisam estar erradicados em 2014.
As novas obrigações impõem mudanças de práticas gerenciais e planejamento, tanto por parte do governo, como das empresas. Surgem oportunidades para investimentos, com a perspectiva de uma nova política de incentivos para o setor - tema do seminário "Gestão dos Resíduos Sólidos Urbanos", que será realizado hoje em Salvador pela Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), em parceria com o Valor.
Novos recursos serão injetados para ampliar a coleta seletiva nas residências, enterrar lixo em área adequada, instalar usinas de incineração para gerar energia, construir cooperativas de catadores e mobilizar a população. De acordo com estimativa do Ministério do Meio Ambiente (MMA), são necessários investimentos em torno de R$ 8,5 bilhões, nos próximos três anos, para a legislação sair do papel e mudar o cenário do lixo no país. O número representa quase metade do mercado nacional de limpeza urbana já instalado, que no ano passado teve faturamento de R$ 19 bilhões.
"Os planos municipais começam a definir os rumos dos investimentos", afirma Carlos Silva, diretor da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). "É grande a perspectiva de expansão diante do grande volume de lixo gerado no país ainda sem uma solução adequada", avalia o executivo, lembrando que o Reino Unido, por exemplo, produz 90% menos resíduos que o Brasil, mas tem números de mercado praticamente iguais. O faturamento brasileiro é quatro vezes inferior ao da China, de acordo com a Abrelpe.
O crescimento econômico, com reflexos no consumo e na maior geração de resíduos, desenha o cenário. De olho nas oportunidades, empresas do setor adotam a estratégia de orientar prefeituras na elaboração dos planos municipais de resíduos e nos caminhos para torná-los viáveis. Pela legislação, os estudos devem incluir um diagnóstico da situação do lixo, metas para redução e reciclagem, mapeamento dos principais geradores, educação ambiental, custos e modelos de coleta seletiva e indicadores para medir o desempenho do serviço. Com 21 itens em seu conteúdo mínimo, o plano pode ter versão simplificada para cidades com menos de 20 mil habitantes. "Mas a maioria dos municípios ainda está alheia a essa obrigação", diz Silva.
"Com a nova lei, a lógica da limpeza urbana, antes restrita à coleta e disposição em aterro, muda completamente", argumenta o executivo. O trabalho envolve também reduzir a geração, fazer a reciclagem e, em alguns casos, transformar o que não é reciclável em energia. Em sua opinião, "apenas acabar com os lixões não resolve o problema, que abrange outros desafios, como soluções para o alto custo da coleta seletiva e a incorporação de tecnologias". Para fechar a conta, Silva defende taxar a população pelo serviço do lixo, cobrança hoje adotada por apenas 4% dos municípios.
Segundo ele, os contratos de concessão com empresas de limpeza urbana devem se adaptar à lei. Uma possibilidade é a remuneração das empresas não mais por tonelada de lixo coletado, mas pela qualidade do serviço, aferida nas ruas por fiscais ou até por câmeras fotográficas, como em Paris. No Brasil, 80% da coleta municipal do lixo é operada por empresas, participação que no recolhimento dos materiais recicláveis é inferior a 10%, diz Abrelpe. A tendência é de ampliação, com participação de cooperativas de catadores. A lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos prioriza o acesso a recursos federais para municípios que façam parceria com essa força de trabalho.
Há diferentes modelos em jogo. Relatório da empresa de consultoria Pinheiro Pedro Advogados, que inspirou alguns itens da nova lei, indica a parceria público-privada como formato para tornar os investimentos viáveis, diante da falta de recursos públicos. "Os municípios não conseguirão atuar sozinhos", afirma o consultor Antônio Pinheiro, co-autor de um estudo em fase de conclusão para o Banco Mundial sobre a viabilidade econômica da gestão de resíduos no Brasil. "Sob o ponto de vista financeiro, aterros sanitários só são vantajosos quando recebem lixo em grande escala, acima de 250 toneladas por dia", informa o analista. A saída, segundo ele, é o consórcio de pequenos municípios para uso comum dessas áreas.
Em recente audiência pública no Senado, o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, disse que as prefeituras dificilmente conseguirão cumprir os prazos da lei se não tiverem R$ 52 bilhões para transformar os lixões em aterros sanitários até 2014. "O prazo é apertado, factível para a contratação dos novos projetos, mas não para a sua execução", admite Nabil Bonduki, secretário de recursos hídricos e ambiente urbano do MMA.
Ele informa que o governo federal começou a assinar convênios com Estados para a elaboração de planos intermunicipais com meta de envolver 344 conjuntos de cidades em todo o país, ao custo estimado de R$ 190 milhões. "É o primeiro passo para a formação dos consórcios", explica Bonduki, para quem, até dezembro, o governo concluirá o plano nacional de resíduos. "A perspectiva é tratar o lixo como recurso e não como problema, o que exige racionalizar o uso dos aterros sanitários", diz.
"Faltam indicadores para sabermos o tamanho do atraso", adverte Maurício Broinizi, do Movimento Nossa São Paulo, entidade que tem planos de fazer um diagnóstico e mapeamento dos resíduos e cooperativas de catadores na capital paulista, em parceria com empresas. O objetivo é seguir o modelo de Los Angeles (EUA), que desde 2007 reduziu em 63% o lixo levado para aterros, mediante a aliança de governo e iniciativa privada. Em sua análise, a coleta seletiva no Brasil precisa de escala para permitir o desenvolvimento da indústria de reciclagem e o peso de São Paulo nesse processo, pelo tamanho da população e da riqueza econômica, seria decisivo.
De todos os problemas que mais afligem o meio urbano no Brasil, o lixo desponta entre os itens prioritários na agenda municipal e ganha status como fonte de negócios. Pela nova lei federal do setor, aprovada no ano passado, as prefeituras são obrigadas a elaborar planos para a gestão de resíduos até agosto de 2012, sem os quais não terão acesso a recursos da União. Aos aterros sanitários só poderá ser destinado o material não reciclável. E os lixões a céu aberto, existentes em mais da metade das cidades brasileiras, precisam estar erradicados em 2014.
As novas obrigações impõem mudanças de práticas gerenciais e planejamento, tanto por parte do governo, como das empresas. Surgem oportunidades para investimentos, com a perspectiva de uma nova política de incentivos para o setor - tema do seminário "Gestão dos Resíduos Sólidos Urbanos", que será realizado hoje em Salvador pela Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), em parceria com o Valor.
Novos recursos serão injetados para ampliar a coleta seletiva nas residências, enterrar lixo em área adequada, instalar usinas de incineração para gerar energia, construir cooperativas de catadores e mobilizar a população. De acordo com estimativa do Ministério do Meio Ambiente (MMA), são necessários investimentos em torno de R$ 8,5 bilhões, nos próximos três anos, para a legislação sair do papel e mudar o cenário do lixo no país. O número representa quase metade do mercado nacional de limpeza urbana já instalado, que no ano passado teve faturamento de R$ 19 bilhões.
"Os planos municipais começam a definir os rumos dos investimentos", afirma Carlos Silva, diretor da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). "É grande a perspectiva de expansão diante do grande volume de lixo gerado no país ainda sem uma solução adequada", avalia o executivo, lembrando que o Reino Unido, por exemplo, produz 90% menos resíduos que o Brasil, mas tem números de mercado praticamente iguais. O faturamento brasileiro é quatro vezes inferior ao da China, de acordo com a Abrelpe.
O crescimento econômico, com reflexos no consumo e na maior geração de resíduos, desenha o cenário. De olho nas oportunidades, empresas do setor adotam a estratégia de orientar prefeituras na elaboração dos planos municipais de resíduos e nos caminhos para torná-los viáveis. Pela legislação, os estudos devem incluir um diagnóstico da situação do lixo, metas para redução e reciclagem, mapeamento dos principais geradores, educação ambiental, custos e modelos de coleta seletiva e indicadores para medir o desempenho do serviço. Com 21 itens em seu conteúdo mínimo, o plano pode ter versão simplificada para cidades com menos de 20 mil habitantes. "Mas a maioria dos municípios ainda está alheia a essa obrigação", diz Silva.
"Com a nova lei, a lógica da limpeza urbana, antes restrita à coleta e disposição em aterro, muda completamente", argumenta o executivo. O trabalho envolve também reduzir a geração, fazer a reciclagem e, em alguns casos, transformar o que não é reciclável em energia. Em sua opinião, "apenas acabar com os lixões não resolve o problema, que abrange outros desafios, como soluções para o alto custo da coleta seletiva e a incorporação de tecnologias". Para fechar a conta, Silva defende taxar a população pelo serviço do lixo, cobrança hoje adotada por apenas 4% dos municípios.
Segundo ele, os contratos de concessão com empresas de limpeza urbana devem se adaptar à lei. Uma possibilidade é a remuneração das empresas não mais por tonelada de lixo coletado, mas pela qualidade do serviço, aferida nas ruas por fiscais ou até por câmeras fotográficas, como em Paris. No Brasil, 80% da coleta municipal do lixo é operada por empresas, participação que no recolhimento dos materiais recicláveis é inferior a 10%, diz Abrelpe. A tendência é de ampliação, com participação de cooperativas de catadores. A lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos prioriza o acesso a recursos federais para municípios que façam parceria com essa força de trabalho.
Há diferentes modelos em jogo. Relatório da empresa de consultoria Pinheiro Pedro Advogados, que inspirou alguns itens da nova lei, indica a parceria público-privada como formato para tornar os investimentos viáveis, diante da falta de recursos públicos. "Os municípios não conseguirão atuar sozinhos", afirma o consultor Antônio Pinheiro, co-autor de um estudo em fase de conclusão para o Banco Mundial sobre a viabilidade econômica da gestão de resíduos no Brasil. "Sob o ponto de vista financeiro, aterros sanitários só são vantajosos quando recebem lixo em grande escala, acima de 250 toneladas por dia", informa o analista. A saída, segundo ele, é o consórcio de pequenos municípios para uso comum dessas áreas.
Em recente audiência pública no Senado, o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, disse que as prefeituras dificilmente conseguirão cumprir os prazos da lei se não tiverem R$ 52 bilhões para transformar os lixões em aterros sanitários até 2014. "O prazo é apertado, factível para a contratação dos novos projetos, mas não para a sua execução", admite Nabil Bonduki, secretário de recursos hídricos e ambiente urbano do MMA.
Ele informa que o governo federal começou a assinar convênios com Estados para a elaboração de planos intermunicipais com meta de envolver 344 conjuntos de cidades em todo o país, ao custo estimado de R$ 190 milhões. "É o primeiro passo para a formação dos consórcios", explica Bonduki, para quem, até dezembro, o governo concluirá o plano nacional de resíduos. "A perspectiva é tratar o lixo como recurso e não como problema, o que exige racionalizar o uso dos aterros sanitários", diz.
"Faltam indicadores para sabermos o tamanho do atraso", adverte Maurício Broinizi, do Movimento Nossa São Paulo, entidade que tem planos de fazer um diagnóstico e mapeamento dos resíduos e cooperativas de catadores na capital paulista, em parceria com empresas. O objetivo é seguir o modelo de Los Angeles (EUA), que desde 2007 reduziu em 63% o lixo levado para aterros, mediante a aliança de governo e iniciativa privada. Em sua análise, a coleta seletiva no Brasil precisa de escala para permitir o desenvolvimento da indústria de reciclagem e o peso de São Paulo nesse processo, pelo tamanho da população e da riqueza econômica, seria decisivo.
Cooperativa baiana instala fábrica
Além de coletar e separar materiais recicláveis, a Caec (Cooperativa dos Agentes Ecológicos de Canabrava) irá fabricar produtos a partir do lixo. A cooperativa está instalando uma fábrica de biodiesel obtido a partir do óleo de cozinha e uma unidade para produzir água sanitária com embalagem de plástico reciclado, aumentando os ganhos em até 40%.
A indústria está em fase de implantação e a ideia vem da demanda do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) de fazer com que o catador participe das etapas da reciclagem além da catação.
"Hoje a Caec possui uma usina de biodiesel através de óleos e gorduras recicláveis, uma fábrica de sabão que usará o resíduo da usina de biodiesel como principal matéria-prima, uma fábrica de garrafas para água sanitária, que também pode ser utilizada para processamento de flakes de polietileno e fabricação da própria água sanitária, e uma fábrica de caixas e porta-chopp ("bolachas") com papelões recicláveis que também produzirá caixas para água sanitária e sabão", explica a gerente social da cooperativa, Gabriela Macedo.
Todos esses projetos estão em fase de licenciamento ambiental. Segundo a gerente, a principal dificuldade encontrada para a implementação dos novos processos está na burocracia estatal para os licenciamentos.
A Caec conta com 200 instituições parceiras, a maioria contribui com doação de recicláveis e algumas, como a Petrobras, com apoio na estruturação da cooperativa. "Com o auxílio dos parceiros conseguimos a aquisição de mais uma esteira de triagem e a construção de mais dois galpões para melhor organização da produção. Também foram adquiridos, através dos parceiros, mais uma empilhadeira de 2,5 toneladas e mais três prensas. Com isto, hoje a Caec consegue reciclar mensalmente 700 toneladas de resíduos sólidos", conta.
A Caec surgiu em março de 2003 e é formada por catadores das ruas e do extinto lixão de Canabrava, em Salvador, Bahia. Hoje, eles estão organizados e capacitados para o mercado de reciclagem. "A iniciativa está legitimando e qualificando a atividade dos catadores para fins de inclusão social, transformando lixo em trabalho digno para muitas pessoas", comenta Gabriela.
Atualmente, a cooperativa tem 234 associados, para quem a renda é distribuída de forma igualitária. No exercício de 2010, a renda média mensal de cada cooperado foi de R$ 540.
O centro de triagem da Caec tem capacidade de processar e armazenar materiais recicláveis como papel, plástico, metal e vidro, além de realizar uma primeira fase da reciclagem de plástico. "O nosso objetivo é fomentar o protagonismo dos catadores, visando alcançar a auto-sustentabilidade do empreendimento", afirma. (A.F.)
A indústria está em fase de implantação e a ideia vem da demanda do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) de fazer com que o catador participe das etapas da reciclagem além da catação.
"Hoje a Caec possui uma usina de biodiesel através de óleos e gorduras recicláveis, uma fábrica de sabão que usará o resíduo da usina de biodiesel como principal matéria-prima, uma fábrica de garrafas para água sanitária, que também pode ser utilizada para processamento de flakes de polietileno e fabricação da própria água sanitária, e uma fábrica de caixas e porta-chopp ("bolachas") com papelões recicláveis que também produzirá caixas para água sanitária e sabão", explica a gerente social da cooperativa, Gabriela Macedo.
Todos esses projetos estão em fase de licenciamento ambiental. Segundo a gerente, a principal dificuldade encontrada para a implementação dos novos processos está na burocracia estatal para os licenciamentos.
A Caec conta com 200 instituições parceiras, a maioria contribui com doação de recicláveis e algumas, como a Petrobras, com apoio na estruturação da cooperativa. "Com o auxílio dos parceiros conseguimos a aquisição de mais uma esteira de triagem e a construção de mais dois galpões para melhor organização da produção. Também foram adquiridos, através dos parceiros, mais uma empilhadeira de 2,5 toneladas e mais três prensas. Com isto, hoje a Caec consegue reciclar mensalmente 700 toneladas de resíduos sólidos", conta.
A Caec surgiu em março de 2003 e é formada por catadores das ruas e do extinto lixão de Canabrava, em Salvador, Bahia. Hoje, eles estão organizados e capacitados para o mercado de reciclagem. "A iniciativa está legitimando e qualificando a atividade dos catadores para fins de inclusão social, transformando lixo em trabalho digno para muitas pessoas", comenta Gabriela.
Atualmente, a cooperativa tem 234 associados, para quem a renda é distribuída de forma igualitária. No exercício de 2010, a renda média mensal de cada cooperado foi de R$ 540.
O centro de triagem da Caec tem capacidade de processar e armazenar materiais recicláveis como papel, plástico, metal e vidro, além de realizar uma primeira fase da reciclagem de plástico. "O nosso objetivo é fomentar o protagonismo dos catadores, visando alcançar a auto-sustentabilidade do empreendimento", afirma. (A.F.)
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