segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Japão mostra que é possível viver sem tanta eletricidade



Peter Landers The Wall Street Journal, de Tóquio
01/08/2011

Quando o tsunami de 11 de março tirou de operação mais da metade das usinas nucleares que alimentam a região metropolitana de Tóquio, isso gerou uma das maiores experiências não planejadas já realizadas numa sociedade moderna: será que uma metrópole de 30 milhões de pessoas consegue funcionar depois de perder cerca de um quinto de seu suprimento elétrico?

Depois de um julho calorento no Japão, repleto de dias acima de 32 graus centígrados, a resposta preliminar já está disponível e ela é sim. Não apenas a Tokyo Electric Power Co. tem mantido as luzes acesas o verão inteiro até agora, como teve tanta capacidade extra na maioria dos dias que também poderia abastecer a cidade de Nova York.

O impacto econômico que muitos temiam que viria com os apagões não aconteceu. As bolsas japonesas se recuperaram para praticamente o nível de antes do terremoto, a economia voltou a crescer e algumas empresas foram até revigoradas pela demanda por produtos com consumo menor de eletricidade.

Poupar eletricidade se tornou uma religião nacional. Com muitos aparelhos de ar condicionado limitados a 27 graus centígrados, os empresários abandonaram os ternos habituais em favor de camisas de manga curta incentivadas pela campanha governamental "Super Cool Biz". As montadoras têm sido forçadas a operar nos finais de semana para não sugar eletricidade demais nos horários de pico durante a semana.

O consumo máximo de eletricidade da região de Tóquio tem sido 23% menor neste verão que no do ano passado.

O declínio do consumo elétrico está enfraquecendo o compromisso japonês de décadas com a energia nuclear, que até este ano fornecia quase 30% da eletricidade do país. Se o país conseguir passar pelas últimas semanas de verão com o suprimento elétrico reduzido, o acidente com a usina Fukushima Daiichi provavelmente vai transformar a política energética do Japão. Isso terá consequências mundiais, já que muitos países estão repensando a energia nuclear diante do pior desastre radioativo desde Chernobyl, em 1986.

Há uma sensação crescente de que o Japão vai depender cada vez menos das usinas nucleares e pode desligá-las inteiramente um dia, dizem políticos e muitos empresários. A Alemanha e a Suíça já anunciaram seus planos para fechar as usinas, enquanto os líderes dos Estados Unidos e da França, os dois países que mais usam energia nuclear, dizem que planejam manter seus reatores em funcionamento.

"No médio e longo prazo é desejável progredir para diminuir a energia nuclear com o fechamento de nossos reatores mais antigos e o incentivo a fontes renováveis", afirmou a Associação de Executivos do Japão num comunicado após sua reunião de julho.

Há quem queira ainda mais. "Acho que é melhor nem ter energia nuclear", disse Hiroshi Mikitani, o bilionário de 46 anos que comanda a empresa de comércio eletrônico Rakuten Inc., e também um dos maiores expoentes de uma nova geração de executivos japoneses. Mikitani disse que não é a favor de fechar todas as usinas nucleares de vez, mas que os acontecimentos do verão abalaram a confiança que os japoneses tinham na indústria nuclear.

O sucesso do Japão em evitar um apagão se deve tanto à oferta maior quanto à demanda menor. A Tokyo Electric Power, conhecida como Tepco, correu para reativar velhas termelétricas a gás e a carvão, interrompendo rapidamente os apagões programados que Tóquio enfrentou nos primeiros dias depois do terremoto. Enquanto isso, a campanha para poupar eletricidade reduziu em 10.000 megawatts a demanda da região de Tóquio nos horários de pico de vários dias.

Essas medidas têm suas desvantagens. As termelétricas emitem mais gases do efeito estufa e o Japão precisa importar o combustível para elas. Isso encarece o custo da eletricidade, embora a alta do iene diminua esse fardo.

E alguns idosos estão exagerando na economia de eletricidade e se arriscam a ter problemas de saúde associados ao excesso de calor. No Palácio Imperial, o imperador e a imperatriz, ambos quase com 80 anos, chegaram a usar apenas velas e lanternas à noite, segundo um porta-voz do palácio. Ambulâncias trouxeram 22.418 pessoas com problemas médicos ligados ao calor para os hospitais até 24 de julho, segundo a Agência de Gerenciamento de Incêndios e Desastres do Japão. Quase metade era de idosos e 43 pessoas morreram. O número de pacientes sofrendo com o calor é mais de 50% maior que o do ano passado, mas o total de mortes é um terço menor.

Os executivos das empresas de eletricidade e alguns líderes empresariais dizem que o esforço para poupar eletricidade, obrigatório para as grandes empresas na região de Tóquio, atrapalha a produção a gera incerteza. "Acho que é uma conclusão apressada dizer que não precisamos de usinas nucleares porque temos eletricidade suficiente", disse ao Wall Street Journal Zengo Aizawa, vice-presidente executivo da Tepco e um dos principais executivos do setor nuclear do país. "O Japão é um país que vive de produzir coisas, e a produção está sofrendo muito com isso."

Mesmo assim, para um corte tão grande no consumo de eletricidade, o prejuízo à economia parece relativamente pequeno.

O vice-presidente do banco central japonês, o Banco do Japão, Hirohide Yamaguchi, disse em 20 de julho que a escassez de eletricidade "não deve restringir a atividade econômica até o ponto que se esperava antes", e o BC prevê uma recuperação moderada nos próximos meses e crescimento de 2,9% ano que vem. A capital japonesa está funcionando praticamente como de costume, com filas nas lojas de eletrônicos e trens lotados para as áreas de recreação.

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