segunda-feira, 19 de setembro de 2011
Morte pelo couro
Valor 19/09
O último filé que Emanuele Carminati Molina comeu representa o custo do couro. O presidente do conselho de administração da Valextra, a fabricante italiana de bolsas de mão e malas de luxo, diz que o couro de vaca imaculado do qual sua companhia depende está se tornando uma commodity ainda mais preciosa: o preço do couro de bezerro, o rei dos couros de luxo, aumentou 21% no primeiro semestre de 2011, sobre a alta de 43% do ano passado, segundo o UNIC, sindicato dos curtumes da Itália.
"Há menos couro de qualidade superior em circulação, e ele está custando muito mais", afirma Carminati Molina. "Isso tem um impacto sobre os preços de todos os produtos."
De quem é a culpa? Até agora ninguém descobriu uma trama dos especuladores com couro. Trata-se apenas das tradicionais forças da oferta e demanda em ação. Compradores de Paris a Ulan Bator estão ficando mais perspicazes por causa da crise financeira. Aqueles dispostos a gastar milhares de dólares em uma bolsa de mão, agora preferem o couro animal em vez da lona e outros materiais, o que está levando marcas de artigos de luxo como Louis Vuitton e a Gucci a acrescentar mais couro em suas coleções, aumentando a demanda. "Em todas as partes do mundo, a clientela não está se deixando ludibriar" pelos preços que não reflitam o valor do dinheiro, afirma Christian Salez, principal-executivo da companhia belga de artigos de luxo Delvaux.
Ao mesmo tempo, os consumidores que prestam atenção em suas carteiras (e seus quadris), estão comendo menos carne bovina. A produção de gado de corte caiu 20% na Itália e 13% na França entre 1995 e 2010, segundo estimativas da agência de estatísticas da União Europeia.
A queda do consumo de carne bovina no continente europeu vem restringindo a disponibilidade das peles de qualidade superior, aquelas que não apresentam cicatrizes e outros defeitos, diz Carminati Molina. Ao mesmo tempo, América Latina, Índia e China - que respondem pela maioria da produção de couro fora da Europa - aumentaram os impostos sobre as exportações de peles.
A Hermès International, a companhia francesa que vende as bolsas Birkin por US$ 7.500, não vê uma reversão dessa tendência no curto prazo. O presidente-executivo Patrick Thomas diz estar se preparando para "aumentos significativos" nos preços do couro em 2012, em resposta ao aumento da demanda. As vendas da Hermès cresceram 22% no primeiro semestre de 2011. "A China está comprando mais e mais", afirma Thomas.
A CLSA Asia-Pacific Markets, uma unidade do banco Crédit Agricole, afirma que as vendas de artigos de luxo na nação mais populosa do mundo deverão crescer oito vezes, para US$ 105 bilhões, até 2020, na medida em que novos ricos se esforçam para alardear seu sucesso.
A Louis Vuitton, cujos acessórios de lona laminada adornada com monogramas são bastante procurados - e copiados - começou a vender mais artigos de couro no ano passado. Ela lançou a coleção Monogram Empreinte, com bolsas grandes de couro de bezerro vendidas a US$ 2.720, e veiculou anúncios exibindo seus trabalhos em couro. A estratégia ajudará a aumentar as margens, afirma a corretora Exane BNP Paribas.
A Gucci está tomando uma direção parecida. Excluindo calçados, os artigos de couro respondem por 57% das vendas da marca italiana, e essa participação está aumentando, segundo disse a analistas em julho Jean-François Palus, o diretor financeiro da PPR, a controladora da Gucci.
A margem de lucro da Gucci cresceu 2,7 pontos percentuais no primeiro semestre, para 29,9%, uma vez que ela vendeu mais artigos de couro e outras peles preciosas, disse ele. A companhia obtém a maior parte do couro de bezerro que usa junto a criadores franceses.
A Delvaux, que fabrica mais de três quartos de seus produtos em couro de bezerro, também está reorganizando sua estratégia. A companhia transferiu a produção de alguns itens para o Vietnã. "É a única maneira" de proteger as margens e não ter de comprometer a escolha do couro ou a habilidade artesanal, afirma Salez.
A Valextra está lançando uma versão atualizada de sua clássica mala de couro Avietta, que envolve uma mistura de náilon, poliéster e Kevlar (fibra sintética da DuPont). A companhia está vendendo essas malas a US$ 5.400 e diz que elas são à prova d'água, não enferrujam e são resistentes a escoriações. Mesmo assim, Carminati Molina admite que nada se compara ao couro: o material "nos garante sensações e emoções, algo que os tecidos não conseguem proporcionar".
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