quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
The Economist - Global greenhouse-gas emissions and current trends
Global greenhouse-gas emissions and current trends
AS TENS of thousands of politicians, diplomats, NGO-workers and journalists descend on Doha for the two-week feeding frenzy known as the UN’s annual climate-change summit, the latest report from the UN Environment Programme (UNEP) shows that matters climatic are going from bad to worse. Greenhouse-gas emissions are now about 50 gigatonnes of carbon equivalent (GtCO2e). That is 20% higher than they were in 2000 and, worryingly, 11% higher than where emissions need to be in 2020 in order to ensure global temperatures do not rise by more than 2 degrees Celsius (see light red range in chart). If emissions go on rising at their current rate, they will reach 58 GtCO2e in 2020, 14 GtCO2e more than they need to be then (current policy). In theory, this would not matter too much if greenhouse gases were cut more dramatically later (though costs would be higher). The trouble is that countries are not promising to make big enough cuts. UNEP has looked at the emission-reducing impact of the various promises countries have made since the Copenhagen climate-change conference in 2009. If countries implement their least ambitious pledges and allow lots of loopholes and lenient rules, this will make no real difference: emissions would be only 1 GtCO2e less than business as usual (case A). Even the implementation of the most ambitious pledges, subject to strict rules, would take countries less than half way to where they need to be to keep global temperatures from rising more than 2 degrees (case B). And emissions would still be rising in 2020.
Link: Hot and bothered:
sábado, 24 de novembro de 2012
Carbon Visuals
Carbon Visuals: Home
"Look at carbon differently. Making carbon visible by creating engaging images, animations and web tools."
terça-feira, 2 de outubro de 2012
Articular a inteligência com a miséria
Por Leonardo Boff - JB 01/10
A partir dos anos 50 do século passado foram se formando no Brasil, no seio das massas dos destituídos, movimentos sociais de natureza diversa mas todos nascidos de um sonho: refundar o Brasil, construindo uma nação autônoma e não mais uma grande empresa agregada e a serviço do capital mundial. Essa força social ganhou dimensões transformadoras quando se deu a aliança entre estes movimentos populares com os intelectuais que, não pertecendo às camadas oprimidas, optaram por elas, assumiram sua causa, apoiaram suas lutas e participaram de seu destino, às vezes trágico, porque marcado por perseguições, prisões, torturas, exílios e mortes, como vem mostrando a Comissão da Verdade.
Com isso a inteligentzia brasileira começou a pagar uma enorme dívida social para com o povo brasileiro. Mas essa aliança precisa ser sempre refeita e consolidada, especialmente agora, quando um de seus representantes chegou à Presidência e conseguiu avanços político-sociais nunca antes realizados. Sobre ele recai toda a carga do preconceito de classe. Daí a fúria com que vem sendo atacado com o objetivo de aniquilar sua liderança carismática e sua ressonância mundial.
Mais do que nunca, as universidades, onde se formam os intelectuais, não podem mais ser reduzidas a macroaparelhos de reprodução da sociedade discricionária e a fábricas formadoras de quadros para o funcionamento do sistema imperante. Na nossa história pátria foram sempre também um laboratório do pensamento contestatário e libertário. Isso constitui sua missão história permanente, que deve ser acelerada hoje, dado o agravamento da crise geral no mundo.
O desafio maior é consolidar os avanços sociais e populares alcançados. Por isso, a nova centralidade reside na construção da sociedade civil a partir da qual os anônimos e invisíveis deixam de ser o que são e passam a ser povo organizado. Sem este tipo de cidadania não existirá a base para um projeto de reinvenção do Brasil com democracia social, popular e cotidiana. Para alcançar esta meta histórica faz-se urgente o encontro da universidade com a sociedade.
Em primeiro lugar, importa criar e consolidar uma aliança entre a inteligência acadêmica com a miséria popular. Todas as universidades, especialmente após a reforma de seu estatuto por Humboldt em 1809 em Berlim, deram ao seu corpo os dois braços que até hoje as constituem: o braço humanístico, que vem das velhas universidades medievais, e o braço técnico-científico, que criou o atual mundo moderno. Elas se tornaram o lugar clássico da problematização da vida, do homem, de seu destino, da cultura e de Deus. As duas culturas – a humanística e a técnico-científica – mais e mais deixam de coexistir e se intercomunicam no sentido de tomar a sério a sua contribuição na gestação de um país com menos desigualdades e injustiças sociais.
As universidades são urgidas a assumir este desafio: as várias faculdades e institutos hão de buscar um enraizamento orgânico nas bases populares, nas periferias e nos setores ligados diretamente à produção dos meios da vida. Aqui pode se estabelecer uma fecunda troca de saberes, entre o saber popular e o saber acadêmico, pode se elaborar a definição de novas temáticas teóricas nascidas do confronto com a realidade popular e valorizar a riqueza de nosso povo na sua capacidade de encontrar saídas para os seus problemas.
Essa diligência permite um novo tipo de cidadania, baseada na concidadania: representantes da sociedade civil e das bases populares bem como da intelectualidade tomam iniciativas por si mesmos e submetem o Estado a um controle democrático, cobrando-lhe os serviços ao bem comum. Nestas iniciativas populares, seja na construção de casas em mutirão, seja na preocupação pela saúde, seja na forma de produção de alimentos, seja na contenção das encostas contra desabamentos e em mil outras frentes, os movimentos sociais sentem necessidade de um saber profissional. É onde a intelligentzia e a universidade podem e devem entrar, socializando o saber, propondo soluções originais e abrindo perspectivas, às vezes insuspeitadas, para quem é condenado a lutar só para sobreviver.
Deste ir e vir fecundo entre pensamento universitário e saber popular pode surgir um novo tipo de desenvolvimento adequado à cultura local e ao ecossistema regional. A partir desta prática, a universidade pública resgatará seu caráter público, será servidora da sociedade e não apenas daqueles privilegiados que conseguiram entrar nela. E a universidade privada realizará sua função social, já que em grande parte é refém dos interesses privados das classes proprietárias e feita chocadeira de sua reprodução social.
Desse casamento entre inteligentzia e miséria nascerá um povo libertado das opressões para viver num país mais justo, onde seja menos difícil o amor.
* Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é escritor. - lboff@leonardoboff.com
quarta-feira, 22 de agosto de 2012
terça-feira, 21 de agosto de 2012
sexta-feira, 17 de agosto de 2012
Como será o amanhã
Valor 17/08
Estamos em agosto de 2052 e você acorda com a mensagem de uma velha amiga, que envia documentos do passado: uma reportagem antiga, publicada em 2012, ainda no papel feito de árvores. Você se diverte vendo como, em meia dúzia de páginas, o jornalista do passado relata previsões sobre o mundo e o Brasil do futuro, feitas por economistas, empresários, cientistas e formuladores de políticas públicas. Um futuro que, para você, já é hoje.
Os eventos que não aconteceram nos últimos 40 anos fazem rir, tanto os catastróficos quanto os utópicos. De um lado, as guerras mundiais nucleares e biológicas, o colapso econômico e ambiental, o esgotamento das fontes de energia e alimentos. Do outro, a conectividade perfeita, a democracia triunfante em todos os países, o sucesso na luta contra a mudança climática. Os futurólogos, você pensa, têm uma estranha inclinação para pensar em extremos: ou todos os problemas são resolvidos ou todos conduzem ao desastre.
Mas à parte a ironia com os furos dos prognósticos, você se põe a comparar a sua realidade em 2052 com aquilo que era imaginado tanto tempo atrás. E enfim, voltando à sua vida de 2012, você reconhece que compartilha das preocupações expressas no texto: como a humanidade vai lidar com a poluição que ela cria? Como substituir a energia não renovável? Como produzir comida para todos, combater a miséria, controlar o lixo e garantir o bem-estar? Como vai ser a economia de um mundo cuja população envelheceu? As cidades, já poluídas, engarrafadas e monstruosas, vão ser habitáveis quando a taxa de urbanização do mundo chegar a 80%? Como vai estar o Brasil nesse quadro?
Perguntas como essas são tratadas em relatórios e cenários que, ainda em 2012, têm um horizonte de previsão de 40 anos. Jogando com tendências e indicadores já disponíveis, climatólogos, consultores, economistas e demógrafos tentam imaginar como será o amanhã e como ele pode ser preparado.
As maiores diferenças de hoje para os anos 2050 estão nas coisas simples. Tudo se encaminha para que as famílias tenham mais gerações, graças ao aumento da expectativa de vida. Terão, porém, menos jovens, porque mesmo no mundo em desenvolvimento, em pleno processo de urbanização, os casais se decidem por menos crianças. Ou seja, se você tem dois filhos, é grande a chance de vir a ter também dois netos. Ou menos. Mas também é possível apostar com um bom grau de segurança que você vai conhecer seus bisnetos.
"Temos pensado nisso em termos fiscais, mas muitas outras adaptações vão ser necessárias para lidar com o aumento de trabalhadores acima de 60 anos. O sistema educativo vai ter que contemplar a volta aos estudos na meia-idade e as cidades vão ter de ser reformadas, por exemplo", prevê o economista indiano Sanjeev Sanyal, estrategista-chefe do Deutsche Bank e autor do relatório "O Fim do Crescimento Populacional".
Isso não significa que o interesse pela vida familiar ou pela reprodução vá desaparecer. O paradigma da família de 2052 já é visível no seriado "The Modern Family", segundo a consultora Rebeca Dreicon, representante no Brasil da empresa britânica The Futures Company, especializada em cenários de futuro: irmãos com enorme diferença de idade, casais gays com filhos adotados, casais cinquentões que fazem inseminação artificial, incentivos públicos para famílias com crianças e outras possibilidades que ainda estão por criar compõem o universo íntimo de 2052.
Mais idosas e com menos filhos, as pessoas perdem o interesse pelo subúrbio e voltam a querer morar em cidades: esse será o destino de 80% da população no mundo, segundo as projeções. Para tanto, as metrópoles vão ter de se adaptar: os sistemas que fazem funcionar o centro urbano se integram, os bairros ganham infraestrutura para evitar excesso de deslocamentos e as redes de transporte público se tornam mais densas.
O público-alvo das projeções são empresas e governos que precisam antecipar as tendências do mercado e da população. Mas o público geral também procura saber como serão sua vida, sua casa, sua família e sua cidade no futuro. Em suma, seu mundo.
Assim como terá de lidar com novas condições demográficas, a economia mundial vai ter de dar respostas aos séculos de gestão irresponsável dos recursos naturais: muito tempo vai ser perdido no conserto de infraestrutura destruída por intempéries, elevando a taxa de investimento na economia dos atuais 24%, aproximadamente, para mais de 35% em 2050: não será investimento em crescimento, mas em manutenção, e esse aumento virá à custa do consumo, naturalmente. O tema é desenvolvido pelo climatólogo norueguês Jorgen Randers, professor da Norwegian School of Management, que publicou o livro "2052", com previsões demográficas, econômicas, políticas e climáticas. O livro é um relatório para o Clube de Roma, que reúne intelectuais de diversas áreas e já havia publicado, em 1972, um relatório com previsões para os 40 anos seguintes: "Os Limites do Crescimento". Randers foi um dos autores.
Além de limpar a própria sujeira, a humanidade poderá explorá-la. Segundo Rebeca, a mineração do futuro não será feita em minas cada vez mais profundas e inacessíveis, e sim nos atuais lixões. "É incrível a quantidade de materiais valiosíssimos que tem nesses aparelhos eletrônicos que jogamos fora", ela comenta. "As empresas já estão de olho nisso."
Em 2050, será difícil determinar quando termina o trabalho e começa o descanso. O escritório poderá se tornar um lugar de passagem, porque a evolução da comunicação torna cada vez menos justificáveis os grandes deslocamentos. A aposentadoria será deixada cada vez para mais tarde, mas até lá o trabalho deverá ser menos intenso, segundo as projeções: a habilidade para gerenciar sistemas técnicos e entender diferentes aspectos de um processo levará vantagem sobre a capacidade de executar tarefas precisas.
As releituras do futuro começam pelo relatório do indiano Sanyal. O pico da população, em torno de 8,5 bilhões de pessoas, está previsto para 2040. Em seguida, a queda, resultado de uma taxa de fecundidade abaixo do índice de reposição, necessário para manter estável a população (acima de dois filhos por mulher). Sanyal se opõe às previsões hegemônicas, pelas quais a população tende a crescer indefinidamente. A Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo, projeta 9,3 bilhões de habitantes no mundo em 2050 e 10 bilhões em 2100. Sanyal afirma que essa projeção deixa de lado dados importantes. Já no fim do século XX, a população dos países ricos começava a envelhecer, estagnar e até cair: as pessoas viviam cada vez mais tempo, mas os jovens decidiam ter menos filhos. Em 2012, percebe-se o embrião desse fenômeno no mundo em desenvolvimento. A China atingiu 1,34 bilhão de habitantes em 2011, 20 milhões abaixo do projetado pela ONU em 2008.
Sanyal assinala que a taxa de crescimento da população mundial desacelera a um ritmo bem mais forte que o esperado. A taxa de fecundidade, já baixa desde a década de 1960 na Europa, cai abaixo do nível de reposição também na Coreia do Sul (1,2 filho por mulher), na Rússia (1,5) e no Brasil (1,7). A política de filho único na China e "preferências culturais por meninos", segundo Sanyal, reforçam a tendência, ao produzir um desequilíbrio na ocorrência dos gêneros: há 118,6 meninos para cada cem meninas na China. "A falta de mulheres vai provocar uma queda ainda mais forte na fertilidade, já que são elas, e não eles, que dão à luz", diz o economista.
O método central na elaboração de cenários para o futuro consiste em extrapolar tendências já visíveis. Como aponta Rebeca, o procedimento exige um esforço de imaginação para identificar as tensões que se produzem e vão se intensificar, as inovações que já batem à porta e as variações no equilíbrio de poder entre as nações. É o caso do relatório "Logistics 2050", publicado pela empresa de transportes Deutsche Post DHL, que descreve cinco possíveis mundos para o futuro.
No primeiro, caracterizado por "materialismo e consumo fora de controle", o comércio se expande, mas o planeta reage com desastres naturais mais extremos. No segundo, as cidades continuam se expandindo, mas se tornam mais eficientes e menos agressivas para o ambiente, graças à economia de colaboração e à tecnologia. No terceiro cenário, o desejo de personalização dos consumidores resulta em relações mais locais e menos globais, mas o aumento do consumo alimenta a mudança climática. No quarto, uma contínua crise econômica leva ao retorno do protecionismo, com conflitos em torno da matéria-prima. No último cenário, a repetição das crises ambientais provoca uma mudança de paradigma econômico que espelha as previsões de Randers: a humanidade passa a investir mais em proteção contra intempéries e menos em crescimento do produto.
Os dados demográficos do Brasil estão em linha com os mundiais, apontando para o fim do crescimento populacional dentro de duas décadas. A partir desse ponto, a situação será semelhante à europeia de hoje: esforços para equilibrar a previdência social enquanto a população economicamente ativa (PEA) decresce. Alguns demógrafos acreditam que, antes disso, o Brasil terá tempo para preparar esse cenário. Trata-se do período conhecido como "bônus demográfico", que designa, segundo o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um período em que a proporção da PEA (entre 15 e 64 anos) supera a "população dependente", isto é, crianças e idosos. No Brasil, o bônus deve durar até algum ponto entre 2035 e 2045. O período é considerado um bônus por possibilitar "que a demografia atue para incrementar o crescimento econômico e a melhoria das condições sociais".
Alves explica a velocidade da queda da taxa de fecundidade no Brasil evocando os processos de urbanização e industrialização no século XX. Também entram na conta o aumento dos níveis educacionais, a expansão da saúde pública, com ênfase na saúde reprodutiva, e a entrada da mulher no mercado de trabalho. Outros países em desenvolvimento, porém, viveram esse processo ainda mais rápido, como Coreia do Sul, Tailândia, Costa Rica e Irã.
Para o demógrafo, o bônus exige agilidade para ser bem fruído. "É preciso aproveitar o bônus investindo em educação, em saúde e no pleno emprego." O retrato do que vem depois do bônus já é visível na Europa, mas o continente chega a ele em condições melhores do que as que o Brasil deixa antever. "Na Grécia e na Espanha, os idosos têm cortes nas aposentadorias; quem está na PEA vai ter de trabalhar até idades mais adiantadas e os jovens não arrumam emprego", diz. "Será que o Brasil terá de passar por isso e ainda enfrentar os problemas de pobreza e violência?"
A questão do bônus também aparece nas palavras da economista Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). Para ela, o conceito de bônus é falho: pressupõe que haja, também, um ônus. No caso demográfico, seria um período em que a taxa de dependência seja alta: muitas crianças, muitos idosos, poucas pessoas em idade produtiva. "A demografia, por si só, não é responsável por eventos econômicos. A população nada mais é do que a vida das pessoas, é a finalidade das atividades humanas."
A economista, especializada no tema do envelhecimento da população brasileira, antecipa mudanças no modo de viver do país, à medida que a terceira idade passa a ser a idade mais populosa. "Para evitar problemas na previdência, é preciso investir na produtividade das pessoas mais idosas. E devemos eliminar o preconceito contra o trabalho do idoso", afirma, ressaltando que a tecnologia reduz a necessidade de esforço físico, que favorece os jovens. "Será preciso aumentar o direito de faltar ao trabalho e trabalhar de casa. Os idosos têm mais senso de responsabilidade."
Trabalhar até mais tarde na vida significa, também, acumular experiência e guardar conhecimento. O imperativo de trabalhar muito e ganhar bem logo nas primeiras décadas de vida produtiva é enfraquecido, em nome de uma relação mais fluida entre lazer e labor. "Antigamente, o bonito era trabalhar até morrer, para não ser 'o velho', encosto da família", diz Rebeca. "As pessoas vão ter menos filhos e uma vida financeira mais equilibrada. A tendência é cada vez mais buscar a qualidade de vida. A preocupação com o trabalho é menor quando as pessoas não precisam se preocupar em pagar a escola de dois ou três filhos."
Randers encontra mais uma razão para que o trabalho prossiga até idades mais avançadas: "Vivemos 20 anos a mais do que antigamente, mas continua levando só dois anos para morrer: ficávamos doentes com 62 e morríamos com 64, agora ficamos doentes com 82 e morremos com 84!"
Ana Camarano diz, também, que a transição demográfica faz parte de um longo processo, iniciado nos anos 1960. "Com as tecnologias contraceptivas e a entrada da mulher no mercado de trabalho, separou-se a sexualidade do casamento e o casamento da reprodução." Era a revolução sexual. Depois das tecnologias contraceptivas, chegam as reprodutivas: congelamento de óvulos, inseminação artificial, entre outras. Com isso, a tecnologia pode promover uma reversão da tendência de queda da fecundidade mundial. Além disso, governos também passam a favorecer a reprodução, com licenças-maternidade e paternidade mais extensas e flexíveis, como já ocorre na Escandinávia. "As mulheres tiveram um papel forte na redução populacional, em parte graças à tecnologia. E, graças à tecnologia, também podem vir a ter um papel fundamental na reversão da tendência de queda da fecundidade", argumenta a economista.
Randers alerta que as tentativas de controlar o aquecimento global poderão fazer efeito, mas não rápido o suficiente. Consequentemente, os esforços econômicos vão se dirigir cada vez mais para a recuperação de infraestrutura destruída por desastres naturais. Além disso, manter o crescimento econômico vai se tornar mais difícil à medida que a industrialização e a globalização se espalharem. E, apesar da tendência à redistribuição da riqueza em torno do globo, ainda haverá cerca de 3 bilhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza em 2052.
Cidades do futuro costumam ser imaginadas com carros voadores, lojas automáticas e edifícios lúgubres. Mas um olhar sobre tendências urbanas de 2012 oferecem um quadro menos impressionante. As pesquisas tecnológicas se encaminham para dispositivos de conexão entre os diferentes aparelhos de uma casa. Como resultado, uma pessoa poderá acionar um forno de micro-ondas na cozinha sem se levantar da cama. Um estudo sobre os "mundos pessoais" da The Futures Company prevê que "o acesso à informação e à comunicação deixa de ser amarrado a lugares próprios na casa". Na previsão, "os quartos das pessoas podem se tornar 'cômodos pessoais' em vez de quartos de dormir". Mas o estado constante de "semiconexão" pode gerar reações, porque "a ubiquidade das telas dentro da casa pode criar a sensação de que é difícil se afastar delas". À medida que as comunicações se aperfeiçoem, a possibilidade de trabalhar em casa produz incertezas quanto à distinção entre o trabalho e o descanso.
Para cada tendência, uma contratendência. "As pessoas reagem às mudanças cada uma à sua maneira", observa Rebeca. "Por exemplo, hoje existem grupos que praticam o 'nadismo': as pessoas se reúnem para não fazer absolutamente nada durante um dia inteiro." No estudo, prevê-se que a distribuição dos cômodos nas casas obedecerá a finalidades diferentes, na dicotomia entre conexão e desconexão: "Certas famílias poderão estabelecer salas aonde a tecnologia não chegue".
Fundindo a demografia com a tecnologia, surge a questão: quem serão os habitantes desses lares? Se as vidas serão mais longas, para pessoas com menos filhos ou sem filho nenhum, a aparência das cidades terá de mudar. "Já é possível observar uma transformação importante no fluxo de pessoas no mundo desenvolvido", diz Randers. "As pessoas recuperam o interesse pelas cidades, principalmente depois que as indústrias, com sua poluição e tráfego pesado, foram embora."
O adensamento das regiões centrais é uma aposta de gestores urbanos para as próximas décadas. O processo motivou o economista americano Edward Glaeser, da Universidade Harvard, a publicar um livro sobre o "triunfo da cidade" ("Os Centros Urbanos: A Maior Invenção da Humanidade", Campus, 2011). Como Glaeser, Sanyal considera que a era dos subúrbios ficou para trás. "Uma população de pessoas idosas e jovens solteiros prefere áreas urbanas densas", diz. "Quando as pessoas se juntam nessas áreas, a receita tributária e os preços dos imóveis sobem, incentivando o investimento. Pela mesma razão, os subúrbios distantes entrarão em declínio."
Exatamente por isso, a principal previsão para as cidades é a busca de eficiência sistêmica. A pesquisa "Mudos Públicos" da The Futures Company prevê que os sistemas sobrepostos que compõem as cidades (eletricidade, metrô, rede de esgoto, gás etc.) se integrem por meio de tecnologia digital. "É possível coletar cada vez mais dados urbanos em tempo real", diz o estudo, "o que nos permite alterar radicalmente a forma de entender, projetar e viver nas cidades". A ubiquidade da informação permitirá otimizar os deslocamentos, o uso de energia e água, a comunicação e outros fatores fundamentais da vida urbana.
Jorgen Randers aposta que esforços e inovações para tornar a produção e o consumo mais limpos e sustentáveis retardarão o aquecimento global. Mas os resultados virão tarde demais. Em 40 anos a média de temperatura do mundo estará 2° C acima de níveis pré-industriais. Esse é o nível que a conferência da ONU sobre o clima de Durban (2011) estimou como limite entre o aquecimento suportável e a catástrofe. "O capitalismo só age quando agir é mais lucrativo que se abster. Já as negociações levam muito tempo e nunca chegam a um resultado realmente satisfatório."
Talvez um grande desastre, ecológico ou social, pudesse reverter a perigosa tendência. Mas Randers se mantém cético. "Quando o furacão Katrina atingiu os EUA, imaginei que finalmente os americanos mudariam sua postura sobre a mudança climática. Nada aconteceu." No Japão, o acidente nuclear que se seguiu ao tsunami do ano passado desencadeou um processo de fechamento de usinas nucleares na Ásia e na Europa. "O Japão é um bom indicador para prever o futuro", afirma o climatólogo. "A população começou a decrescer e a economia com ela, mas a renda per capita não diminuiu. Ao contrário, cada japonês, hoje, é mais rico do que nunca, embora os economistas só consigam ver a estagnação econômica."
O caso japonês é evocado na tentativa de responder à pergunta: se a população não cresce, a economia deve crescer? Economistas e ecologistas preocupados com a degradação ambiental propõem políticas econômicas voltadas para a manutenção de uma economia de tamanho constante (o estado estacionário) ou cujo tamanho diminua em paralelo com a população, a partir das ideias do economista americano Herman Daly, entre outros.
Um alvo de Daly é o termo "crescimento sustentável". Para ele, esse é um "mau oximoro". Ele afirma que o crescimento econômico necessariamente incorpora uma proporção crescente do ecossistema, então é preciso repensar o desenvolvimento econômico para que seja um desenvolvimento sem crescimento. "Desenvolvimento sustentável é a adaptação cultural da sociedade quando ela se torna consciente da necessidade do crescimento nulo." Randers não usa o conceito de estado estacionário, mas calcula que o crescimento econômico vai diminuir. Os motivos são dois: o aumento não intencional na taxa de investimento e a dificuldade para expandir a produtividade do trabalho.
A taxa de investimento vai sofrer uma expansão, segundo o norueguês, simplesmente para consertar os prejuízos causados por catástrofes naturais cada vez mais frequentes: inundações, furacões, secas, nevascas. "Cada vez mais estradas e ferrovias vão ser carregadas por temporais e teremos de reconstruí-las. Vai faltar água em algumas regiões e vai ser preciso implantar, por exemplo, usinas de dessalinização. Eis o século XXI", aponta.
Já a produtividade avança cada vez mais devagar porque, segundo o climatólogo, a introdução de tecnologias não promove um crescimento tão extraordinário da produtividade da mão de obra quanto a transferência de trabalhadores da agricultura para a indústria e desta para os serviços. "Nesse estágio, começa a ser liberada renda para que as pessoas se dediquem a serviços sociais, artes, entretenimento e assim por diante. A produtividade começa a estagnar", nota Randers. Grande parte dos ganhos de produtividade no século XXI ocorre no mundo em desenvolvimento, mas o processo tem seu limite: Randers prevê ganhos acima de 2% até 2020, mas só 0,77% em 2050.
Ao terminar a leitura, você se põe a especular se era mais feliz em 2012 ou se está mais feliz em 2052. Mas não chega a uma conclusão. A indecisão ecoa uma declaração de Jorgen Randers: "As pessoas se adaptam facilmente a seu mundo, seja o arranha-céu, seja a fazenda de gado. Se as pessoas vão ser felizes em 2052? Provavelmente tão felizes e infelizes quanto são agora".
domingo, 5 de agosto de 2012
terça-feira, 31 de julho de 2012
segunda-feira, 30 de julho de 2012
Nosso verão de verdade climática
Por Jeffrey D. Sachs - Valor 30/07
Durante anos, os cientistas vêm alertando o mundo que o uso intenso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) ameaça o mundo com mudanças no clima. O aumento da concentração atmosférica de dióxido de carbono, um subproduto da queima de combustíveis fósseis, aquecem o planeta e alteram os padrões de chuvas e tempestades e elevam os níveis do mar. Agora, o impacto dessas mudanças podem ser sentidos em todos os quadrantes, apesar de poderosos lobbies empresariais e propagandistas de mídia, como Rupert Murdoch, tentarem negar a verdade.
Nas últimas semanas, os EUA entraram em seu pior período de seca nos tempos modernos. O Centro-Oeste e os Estados nas planícies, o celeiro do país, estão ardendo sob uma enorme onda de calor e mais da metade do país está em emergência devido à seca.
Do outro lado do mundo, Pequim foi atingida pelas piores chuvas já registradas e as inundações mataram muitas pessoas. O Japão, igualmente, está sofrendo chuvas torrenciais recordes. Duas das regiões áridas africanas - o Chifre da África, no leste do continente, e no Sahel no oeste - tiveram secas e fome devastadoras nos últimos dois anos: as chuvas não vieram, fazendo com que muitos milhares morressem, enquanto milhões passam fome.
Os cientistas atribuíram um nome à nossa era, Antropoceno, um termo construído a partir de uma antiga raiz grega para significar "época dominada pelos seres humanos" - um novo período da história da Terra em que a humanidade tornou-se a causa da escala mundial das mudanças ambientais. A humanidade afeta não só o clima da Terra, mas também a química dos oceanos, os habitats terrestres e marinhos de milhões de espécies, a qualidade do ar e da água, e os ciclos de água, nitrogênio, fósforo e outros componentes essenciais que sustentam a vida no planeta.
Por muitos anos, o risco de mudanças climáticas foi amplamente considerado como algo distante no futuro, um risco, talvez, com que se defrontariam nossos filhos ou seus filhos. Esse risco seria, naturalmente, motivo suficiente para agir. Mas agora compreendemos melhor que as mudanças climáticas também dizem respeito a nós, à geração atual.
Já entramos numa nova era muito perigosa. Se você é uma pessoa jovem, as mudanças climáticas e outros riscos de danos ambientais causados pela humanidade serão fatores importantes em sua vida.
Os cientistas enfatizam a diferença entre clima e tempo. Clima é o padrão geral de temperatura e precipitação pluviométrica em determinado lugar. Tempo é a temperatura e a precipitação em determinado lugar em determinado momento. Como diz o velho gracejo: "Clima é o que esperamos; tempo é o que temos".
Quando a temperatura é particularmente elevada, ou quando as chuvas são especialmente pesadas ou leves, os cientistas tentam determinar se as condições atípicas são resultado de longo prazo das alterações climáticas ou simplesmente refletem a variabilidade esperada. Então, será que a onda de calor atual nos EUA (que torna este o ano mais quente já registrado), a forte inundação em Pequim ou a seca no Sahel, um caso grave de mau tempo aleatório ou apenas o resultado de longo prazo de alterações climáticas induzidas pelo homem?
Durante muito tempo, os cientistas não eram capazes de responder a essa pergunta com precisão. Eles não tinham certeza se um particular desastre climático poderia ser atribuído a causas humanas, em vez de a uma variação natural. Eles não podiam sequer ter certeza de que poderiam detectar até mesmo se determinado evento era tão extremo a ponto de ficar fora da faixa normal.
Nos últimos anos, porém, uma nova ciência de "detecção e atribuição" (de causas) ao clima tem feito grandes avanços, tanto conceitual quanto empiricamente. Meios de detecção determinam se um evento extremo faz parte de flutuações meteorológicas usuais ou são um sintoma de mudanças mais profundas de longo prazo. Atribuição significa a capacidade de identificar as causas prováveis de um evento à atividade humana ou a outros fatores. A nova ciência da detecção e atribuição está aguçando nosso conhecimento - e também nos dando ainda mais motivo para preocupação.
Vários estudos no ano passado mostraram que os cientistas podem realmente detectar alterações climáticas de longo prazo na crescente frequência de eventos extremos - como ondas de calor, chuvas pesadas, secas severas, e fortes tempestades. Usando os modelos mais avançados para simulação do clima, os cientistas não estão apenas detectando alterações climáticas de longo prazo, mas estão também atribuindo ao menos alguns dos eventos extremos a causas humanas.
Os anos recentes trouxeram uma série chocante de eventos extremos em todo o planeta. Em muitos casos, fatores naturais de curta duração tiveram um papel, em vez da atividade humana. Durante 2011, por exemplo, condições criadas por La Niña prevaleceram no Oceano Pacífico. Isso significa que a água quente ficou particularmente concentrada perto do sudeste asiático, enquanto a água fria ficou concentrada perto do Peru. Essa condição temporária causou muitas mudanças de curto prazo nas chuvas e nos padrões de temperaturas, causando, por exemplo, fortes enchentes na Tailândia.
Contudo, mesmo após identificar cuidadosamente tais câmbios naturais de ano para ano, os cientistas também estão descobrindo que vários desastres recentes provavelmente também refletem mudanças climáticas causadas pelos humanos. Por exemplo, o aquecimento do Oceano Índico causado pelo homem provavelmente desempenhou um papel na severa seca no Chifre de África em 2011, que provocou escassez de alimentos, conflitos e fome, afetando milhões de pessoas pobres. A atual megasseca nos EUA reflete, provavelmente, uma mescla de causas naturais, como La Niña, e uma enorme onda de calor intensificada por mudança climática causada pelos humanos.
As provas são sólidas e acumulam-se rapidamente. A humanidade está se colocando em crescente perigo devido a mudanças no clima induzidas pelo homem. Como comunidade mundial, teremos de agir rapidamente e decisivamente no próximo quarto de século, abandonando uma economia baseada em combustíveis fósseis e abraçando novas e avançadas tecnologias de baixa produção de carbono de energia.
A opinião pública mundial está pronta para ouvir essa mensagem e agir com base nela. Mas, por toda parte, os políticos mostram-se tímidos, especialmente porque as companhias petrolíferas e carboníferas são tão politicamente poderosas. O bem-estar humano, e até mesmo sua sobrevivência, dependerão de as evidências científicas e o know-how tecnológico triunfarem sobre ganância míope, timidez política e o fluxo contínuo de propaganda empresarial anticientífica. (Tradução de Sergio Blum)
Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra, da Columbia University. É assessor especial do secretário-geral da ONU no tema das Metas de Desenvolvimento do Milênio. Copyright: Project Syndicate, 2012.
sábado, 28 de julho de 2012
Página 22 - Jardins olímpicos de 2012
Jardins olímpicos de 2012 « Página 22
Os jogos olímpicos de Londres estão para começar e os organizadores de um projeto chamado Capital Growth esperam atrair as atenções que se voltam para a capital britânica. O projeto quer criar 2012 espaços para o cultivo de alimentos em Londres até o final de 2012 e enviar ao mundo a mensagem sobre um sistema alimentar mais sustentável. Desde o início em 2009 até agora foram estabelecidos 1777 jardins ao redor da cidade, com o trabalho de mais de 60 mil voluntários.
Os jogos olímpicos de Londres estão para começar e os organizadores de um projeto chamado Capital Growth esperam atrair as atenções que se voltam para a capital britânica. O projeto quer criar 2012 espaços para o cultivo de alimentos em Londres até o final de 2012 e enviar ao mundo a mensagem sobre um sistema alimentar mais sustentável. Desde o início em 2009 até agora foram estabelecidos 1777 jardins ao redor da cidade, com o trabalho de mais de 60 mil voluntários.
quarta-feira, 25 de julho de 2012
Ricardo Abramovay: As ameaças da nova geopolítica do petróleo
Ricardo Abramovay: As ameaças da nova geopolítica do petróleo
Os efeitos dessa revitalização do petróleo são de longo prazo: cada dólar investido em energias fósseis (não só na extração, mas também na armazenagem e na distribuição) encarece os investimentos em fontes renováveis. Isto não apenas para o petróleo e o gás, mas para o conjunto da indústria petroquímica. Por mais promissoras que sejam as inovações tecnológicas voltadas à exploração do petróleo em locais e circunstâncias inimagináveis há alguns anos, elas trazem o inevitável inconveniente de fortalecer as estruturas materiais e institucionais da economia baseada em combustíveis fósseis. Quanto à captura e à armazenagem do carbono, o jornalista neozelandês Gordon Campbell lembra que, até aqui, trata-se de uma técnica que foi pouco além da prancheta dos engenheiros.
O segundo problema do revigoramento recente da exploração de combustíveis fósseis está em seus custos energéticos. Nenhum dos defensores da tese do pico do petróleo imagina que o precioso líquido negro vá desaparecer das profundezas do planeta. A questão está nos custos de sua exploração. Estes custos devem ser medidos não apenas em termos econômicos, mas também energéticos, com base na pergunta: quanta energia se gasta para obter uma unidade de energia sob a forma de petróleo? Em 1930, a resposta era de um para cem. Os poços eram tão férteis que, com técnicas energeticamente pouco dispendiosas, obtinha-se muito petróleo.
O pico do petróleo consiste, em grande parte, no fato de que esses rendimentos vão caindo com o passar do tempo. A média mundial hoje gira em torno de dez unidades de energia para cada uma que se investe na extração de petróleo. E, mesmo com as técnicas revolucionárias aplicadas no fraturamento hidráulico norte-americano, as médias das jazidas mais promissoras está muito aquém disso: no local mais emblemático dessas novas formas de exploração, no Estado de Dakota do Norte, a média é de apenas quatro unidades de energia para cada uma investida na sua obtenção. Nas areias asfálticas do Estado de Alberta, no Canadá, a proporção é de apenas três para um.
Quando se somam a estes custos energéticos aqueles embutidos na armazenagem e na captura do carbono (condição básica para que o aumento da oferta não agrave ainda mais o aquecimento global), o resultado é inequívoco: há um contraste evidente entre o entusiasmo que este novo ciclo dos combustíveis fósseis desperta em governos e investidores e a ineficiência energética em que ele se apoia. O mais recente boom do petróleo pode contribuir para a segurança energética dos Estados Unidos. Mas certamente não ajuda a aumentar as chances de compatibilizar a expansão do sistema econômico global com a manutenção dos serviços ecossistêmicos dos quais as sociedades humanas dependem.
terça-feira, 24 de julho de 2012
Crise terminal de nosso modo de viver? « Leonardo Boff
Crise terminal de nosso modo de viver? « Leonardo Boff
Há que reconhecer que estamos dentro de um círculo vicioso do qual não sabemos como sair. Devemos produzir para atender o consumo e criar postos de trabalho. Quanto mais consumimos, mais empobrecemos a natureza. Mas chegará o momento em que ela não aguentará mais. Por outro lado, se pararmos de consumir, fecham-se fábricas, cria-se desemprego, surge fome e miséria e estoura a convulsão social. Para onde vamos? Quem o saberá exatamente?
Há que reconhecer que estamos dentro de um círculo vicioso do qual não sabemos como sair. Devemos produzir para atender o consumo e criar postos de trabalho. Quanto mais consumimos, mais empobrecemos a natureza. Mas chegará o momento em que ela não aguentará mais. Por outro lado, se pararmos de consumir, fecham-se fábricas, cria-se desemprego, surge fome e miséria e estoura a convulsão social. Para onde vamos? Quem o saberá exatamente?
segunda-feira, 23 de julho de 2012
sábado, 14 de julho de 2012
quinta-feira, 5 de julho de 2012
quarta-feira, 27 de junho de 2012
Rio + 20 = zero
Por Orlando Amado
Como aumentar os poderes e orçamentos para o PNUMA, sigla em português do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (em inglês, United Nations Environment Programme – UNEP), para a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) e outros órgãos governamentais, e seus aliados e parceiros - outras entidades das ONU, organizações internacionais, organizações ligadas aos governos nacionais, organizações não governamentais e os chiitas "grupos de pressão verde"; como justificar novos impostos sobre transações financeiras internacionais (para assegurar o financiamento perpétuo e independente para a ONU e UNEP) e mais mandatos e dinheiro para as "limpas, verdes e renováveis energias" ?
Preparem toda uma estratégia internacional montada no ecoterrorismo do aquecimento global antropogênico (recentes observações científicas provam que o CO2 na atmosfera e o metano emitido pelas vaquinhas não mudam o clima global); reunam temas para discussões insôssas, insípidas e inodoras, como por exemplo, sobre a “ameaça de extinção de até metade das espécies até o ano de 2100” (tese de cunho alarmista sem nenhuma base factual, do astrônomo James Hansen); cerquem-se de cientistas ultrapassados (os mesmos que trabalhavam para a Guerra Fria são os que hoje defendem o perigo do desenvolvimento insustentável); ocultem que existem grandes interesses em salvaguardar os recursos naturais do planeta (é como se dissessem: os pobres precisam planejar seu crescimento populacional, gastar menos recursos naturais, porque nós, os ricos, precisamos deles); convidem milhares de políticos, burocratas e histéricos ativistas ambientais; alimentem uma fabulosa logística midiática ávida por audiência (rede Globo e outros veículos disseminadores de falsas verdades); arranjem uma infinidade de argumentos para justificar essa reedição, 20 anos depois, da fracassada "Cúpula da Terra", a original "Rio 92"; armem um grande lobby formado por autoridades sedentas por “índices de aprovação popular”, grandes redes de de empresas aéreas, hotéis e fornecedores de tudo o que é necessário para um megaevento e… pronto, está montada a Rio+20. Provavelmente, nesse ritmo, haverá a Rio+40.
Orlando Amado de Freitas Filho é servidor aposentado BCB BA
segunda-feira, 25 de junho de 2012
sexta-feira, 22 de junho de 2012
terça-feira, 19 de junho de 2012
Três passos para chegar lá
Por Nick Clegg - Valor 19/06
A Eco-92 foi um momento decisivo e dela resultaram ações reais e globais - incluindo a criação da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas e a Convenção sobre Diversidade Biológica. Mas o que aconteceu desde então? Com a chegada da Rio+20 - onde estarei chefiando a delegação do Reino Unido - precisamos nos questionar sobre o quão longe chegamos e o que mais precisamos fazer.
De muitas formas, o mundo avançou a passos largos. Em cada região do mundo em desenvolvimento, a porcentagem de pessoas vivendo com menos de US$ 1,24 por dia diminuiu. Temos visto melhorias significativas no acesso a educação, água e assistência médica também.
Ainda assim, o mundo não avançou tanto quanto os delegados da primeira conferência no Rio esperavam. Alguns dos indicadores ambientais mostram sinais preocupantes. As taxas de perda da biodiversidade aumentaram. Em relação ao crescimento econômico, a riqueza continua concentrada e os benefícios ainda não foram universalmente sentidos. Aproximadamente 1,4 bilhão de pessoas ainda vivem em condições de pobreza extrema.
E, com o crescimento dramático da população mundial, nossos desafios só irão crescer. A resposta tem que ser o desenvolvimento sustentável. E, por isso, um dos temas mais importantes da Rio+20 é a criação de uma economia verde. Erradicando a pobreza, protegendo o meio ambiente, atingindo nossas necessidades futuras e garantindo que a prosperidade seja sentida por todos. Da nossa parte, o Reino Unido irá pressionar parceiros internacionais em três pontos prioritários: assinatura dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que levem a ações; o PIB plus, e o estímulo para o setor de negócios faça sua parte com a elaboração de relatórios de sustentabilidade corporativa.
Primeiramente, a Rio+20 deve acordar o desenvolvimento dos ODS. Estes devem ser poucos em número e focados em ajudar as pessoas a sair da pobreza. Eles precisam se fixar em acordos e compromissos relacionados à distribuição de água e segurança alimentar, bem como expandir massivamente o acesso à energia sustentável. Depois da Conferência no Rio, o secretário-geral da ONU irá designar um Painel de Alto Nível para desenvolver um arcabouço pós-2015 para o desenvolvimento sustentável. Esse painel será co-presidido pelo primeiro ministro, David Cameron. Queremos objetivos que eliminem a pobreza mundial e que a agenda do Rio trabalhe em estreita colaboração com eles.
Outra prioridade é o PIB plus. As limitações do PIB como única medida de progresso foram reconhecidas há muito tempo. Um país pode crescer financeiramente e ainda assim destruir simultaneamente o capital natural do qual depende sua prosperidade futura. Precisamos ir além de um modelo no qual o progresso é medido unicamente com base nos ganhos financeiros de curto prazo, rumo a uma medida que avalie a qualidade do crescimento. Isso significa criar indicadores de desenvolvimento, os quais, por exemplo, considerem o valor da floresta em pé e da água limpa. A Avaliação Nacional do Ecossistema do Reino Unido calculou o valor que os pântanos representam para nossa economia, no que se refere à melhoria da qualidade da água, em £ 1,5 bilhão. O Reino Unido está abrindo novos caminhos, no sentido de incluir o capital natural nas contas nacionais. O Governo de Coalizão se comprometeu em ter isso pronto até 2020 - estamos pedindo que os outros façam o mesmo.
Obviamente, está claro que somente ações governamentais não serão suficientes. A Rio+20 precisa integrar o setor de negócios, ajudando a desenvolver uma economia mais verde pela forma como negociamos, inovamos e investimos. Por isso, não estamos apenas pedindo aos Governos que se comprometam com o PIB plus. Precisamos que os negócios tenham essa mesma linha de pensamento. Queremos que a declaração do Rio crie um arcabouço global que fará com que essa agenda realmente vá adiante, traga uma ampla gama de iniciativas e faça com que o relatório de sustentabilidade das empresas seja uma norma - e não uma exceção.
No Reino Unido as empresas estão mudando a forma como fazem seus negócios, colocando a sustentabilidade no centro de suas atividades e relatando seu progresso. Apreciamos as iniciativas de negócios como as da Aviva que está na liderança dos relatórios de sustentabilidade. Precisamos que pessoas saibam dessas iniciativas no Rio, e sigam o exemplo.
Eu apoio o setor de negócios britânico fazendo mais nessa área, especialmente em países onde a água, comida e energia não são suficientes - criando assim oportunidades de negócios que sejam verdadeiramente sustentáveis e boas para o desenvolvimento. A iniciativa Energia Sustentável para Todos (SE4All) é um bom exemplo e o secretário-geral Ban Ki Moon deve ser parabenizado por isso. Em uma recente reunião, em Londres, do painel do SE4All promovida por mim, anunciei que o Reino Unido irá apoiar essa Parceria Público-Privada global em £ 25 milhões. Caso um forte plano de ação seja desenvolvido, esperamos poder dobrar essa quantia.
Três prioridades. Três ideias claras do que queremos atingir. Três passos para o desenvolvimento sustentável: crescimento verde do qual depende a prosperidade real. O Reino Unido deixa claro: precisamos mostrar liderança, precisamos ser ambiciosos. Para os países desenvolvidos, assim como para os que estão se desenvolvendo. Para essa geração, e para todas que seguirem.
Nick Clegg é vice-primeiro-ministro do Reino Unido desde 2009 e lidera a delegação britânica na Conferência das Nações Unidas - Rio+20
sexta-feira, 15 de junho de 2012
Parar de crescer - ideias do matemático e filósofo Tim Jackson
Valor 15/06
É preciso mudar o paradigma do desenvolvimento e aprender a prosperar sem crescer. Essas são as ideias do matemático e filósofo Tim Jackson. Para ele, é necessário levar em conta os limites do planeta. Professor de sustentabilidade da Universidade de Surrey, Reino Unido, Jackson está na linha de frente das propostas que visam alternativas ao PIB para medir o desenvolvimento de uma sociedade.
Valor: Quais as expectativas para a Rio+20?
Tim Jackson: Minha esperança e expectativa para a conferência é que se reconheça que desde a conferência de 1992 não houve tanto progresso quanto deveria em desenvolvimento sustentável. Uma das razões para isso é o sistema econômico que temos. E espero que o foco na economia verde na Rio+20 leve a algumas mudanças positivas no sistema econômico.
Valor: Que tipo de mudanças?
Jackson: A economia verde deve reconhecer algumas coisas. Uma é que ainda há desigualdades entre os países ricos e pobres. Com isso, não é possível pensar simplesmente em crescimento econômico indefinidamente. Em algum ponto há limites ecológicos e parecemos já estar bem perto deles. A economia verde deve integrar essa ideia de limites na forma como organizamos a economia. É preciso pensar sobre ar limpo, acesso a recursos naturais, na qualidade de vida dos pobres e no sistema econômico que ainda conduz um crescimento insustentável, principalmente nas economias ricas.
Valor: Ao falar em cortar o consumo, o sr. fala nos países ricos?
Jackson: Sim. Para mim, a responsabilidade é dos países ricos. Economia verde não é dizer para os países pobres que não há mais espaço para o desenvolvimento. Mas dizer aos países ricos que eles precisam de um novo modelo econômico porque em termos ecológicos e sociais não podemos deixar que continuem enriquecendo sem se importar com o que acontece ao planeta e aos mais pobres.
Valor: O que são padrões sustentáveis de consumo?
Jackson: A ideia é nos concentrarmos no que importa para as pessoas para ter qualidade de vida. Então é preciso discutir o que é qualidade de vida, que, claro, consiste em habitação, alimentação e outras coisas básicas. Mas vai além disso, é também sobre questões sociais e psicológicas.
Quando falamos sobre a direção que o consumo sustentável deve tomar, falamos na mudança da ênfase em coisas materiais para a ênfase nos serviços que realmente importam para nós, como educação, assistência social e lazer. A ideia é construir a economia em torno desses serviços, não sobre bens materiais. Não é dizer que devemos estabelecer padrões de consumo ou ter mais regulação, é sobre investir no tipo de economia que oferece serviços e melhora a qualidade de vida das pessoas dentro dos limites da ecologia. Precisamos integrar esses limites dentro da atividade econômica. Em alguma hora isso vai significar um aumento nos preços dos recursos. Ou seja, o uso do mecanismo do preço para incorporar os danos causados ao planeta nos preços que as pessoas pagam pelos bens. Mas a ideia não é focar na estratégia punitiva, mas construir comunidades com mais oportunidades para educação, acesso a recriação e lazer.
Valor: E a classe média nos países em desenvolvimento? Estamos começando a consumir mais.
Jackson: Há uma armadilha aí. Minha mensagem não é direcionada às classes médias no Brasil ou na Índia. Não é meu papel falar sobre isso. Meu papel como cidadão responsável de um país rico é dizer que as nações ricas precisam mudar o sistema. O debate que os países em desenvolvimento como Brasil, Índia e China têm que promover internamente é se essa busca por consumo material é sustentável para eles. Isso vai elevar a qualidade de vida dos pobres? Será viável no longo prazo, quando houver restrições ambientais?
Valor: Como prosperar sem crescer?
Jackson: Existe uma diferença entre crescimento econômico e prosperidade. Existe uma diferença entre ter bens materiais e bem estar. Há várias respostas a essa questão, a primeira é filosófica, questionar o que é qualidade de vida. É sobre as necessidades básicas? Sobre minha habilidade de sentir bem em minha comunidade? Claro, mas também sobre ter segurança no futuro. O que a crise financeira fez foi vender uma falsa sensação de segurança, a esperança que ter mais bens faria nossa vida melhor. Agora sabemos que não é verdade. Então temos que criar essa sensação de esperança de outra forma. Mas além disso precisamos ter um senso de segurança financeira. A grande questão que fica é como as economias podem funcionar sem o paradigma do crescimento do consumo. A verdade é que ainda não sabemos. Há cerca de 100 anos as séries econômicas se baseiam na ideia que estabilidade depende do aumento do crescimento. Agora é urgente desenvolver séries em que seja possível pensar em estabilidade econômica e financeira sem depender de crescimento.
Valor: E o que podemos medir ao invés do PIB?
Jackson: Todo tipo de coisa. Alguns dizem que devemos medir a felicidade das pessoas ou a situação da saúde e educação. São aspectos importantes, mas ainda acredito que o PIB é algo importante, porque calcula o que produzimos e o que gastamos na economia. Mas o PIB não é apenas uma medida de progresso. Sabemos que quando o PIB cai coisas ruins acontecem, mas também sabemos que quando sobe coisas ruins também acontecem. Sabemos que eu um sistema onde a estabilidade depende do crescimento do PIB também se cria uma dinâmica negativa, a dinâmica da crise financeira. Então também devemos medir a qualidade das nossas vidas no sentido de progresso social, educacional e político. E há medidas sobre todas essas possibilidades. Mas não devemos descartar o PIB.
Valor: O Brasil começará a medir o PIB Verde, mas pelo consumo de água, não pelo saneamento básico, em que não temos bons números. Um índice como esse pode ser usado como propaganda pelos governos?
Jackson: Claro que pode. A criação do PIB foi um consenso. O que for desenvolvido para fazer comparações internacionais precisa passar por esse mesmo processo de negociação, a definição do que é significativo para medir um PIB Verde ou outro índice de renda sustentável. O Butão conseguiu muita publicidade sobre o FIB [Felicidade Interna Bruta]. Mas criou uma ideia excitante que questiona o conceito convencional de desenvolvimento e o significado de prosperidade. E mostra não apenas aspectos materiais, mas sociais. Um pequeno país com uma grande ideia que convenceu até as Nações Unidas a pensar diferente.
É preciso mudar o paradigma do desenvolvimento e aprender a prosperar sem crescer. Essas são as ideias do matemático e filósofo Tim Jackson. Para ele, é necessário levar em conta os limites do planeta. Professor de sustentabilidade da Universidade de Surrey, Reino Unido, Jackson está na linha de frente das propostas que visam alternativas ao PIB para medir o desenvolvimento de uma sociedade.
Valor: Quais as expectativas para a Rio+20?
Tim Jackson: Minha esperança e expectativa para a conferência é que se reconheça que desde a conferência de 1992 não houve tanto progresso quanto deveria em desenvolvimento sustentável. Uma das razões para isso é o sistema econômico que temos. E espero que o foco na economia verde na Rio+20 leve a algumas mudanças positivas no sistema econômico.
Valor: Que tipo de mudanças?
Jackson: A economia verde deve reconhecer algumas coisas. Uma é que ainda há desigualdades entre os países ricos e pobres. Com isso, não é possível pensar simplesmente em crescimento econômico indefinidamente. Em algum ponto há limites ecológicos e parecemos já estar bem perto deles. A economia verde deve integrar essa ideia de limites na forma como organizamos a economia. É preciso pensar sobre ar limpo, acesso a recursos naturais, na qualidade de vida dos pobres e no sistema econômico que ainda conduz um crescimento insustentável, principalmente nas economias ricas.
Valor: Ao falar em cortar o consumo, o sr. fala nos países ricos?
Jackson: Sim. Para mim, a responsabilidade é dos países ricos. Economia verde não é dizer para os países pobres que não há mais espaço para o desenvolvimento. Mas dizer aos países ricos que eles precisam de um novo modelo econômico porque em termos ecológicos e sociais não podemos deixar que continuem enriquecendo sem se importar com o que acontece ao planeta e aos mais pobres.
Valor: O que são padrões sustentáveis de consumo?
Jackson: A ideia é nos concentrarmos no que importa para as pessoas para ter qualidade de vida. Então é preciso discutir o que é qualidade de vida, que, claro, consiste em habitação, alimentação e outras coisas básicas. Mas vai além disso, é também sobre questões sociais e psicológicas.
Quando falamos sobre a direção que o consumo sustentável deve tomar, falamos na mudança da ênfase em coisas materiais para a ênfase nos serviços que realmente importam para nós, como educação, assistência social e lazer. A ideia é construir a economia em torno desses serviços, não sobre bens materiais. Não é dizer que devemos estabelecer padrões de consumo ou ter mais regulação, é sobre investir no tipo de economia que oferece serviços e melhora a qualidade de vida das pessoas dentro dos limites da ecologia. Precisamos integrar esses limites dentro da atividade econômica. Em alguma hora isso vai significar um aumento nos preços dos recursos. Ou seja, o uso do mecanismo do preço para incorporar os danos causados ao planeta nos preços que as pessoas pagam pelos bens. Mas a ideia não é focar na estratégia punitiva, mas construir comunidades com mais oportunidades para educação, acesso a recriação e lazer.
Valor: E a classe média nos países em desenvolvimento? Estamos começando a consumir mais.
Jackson: Há uma armadilha aí. Minha mensagem não é direcionada às classes médias no Brasil ou na Índia. Não é meu papel falar sobre isso. Meu papel como cidadão responsável de um país rico é dizer que as nações ricas precisam mudar o sistema. O debate que os países em desenvolvimento como Brasil, Índia e China têm que promover internamente é se essa busca por consumo material é sustentável para eles. Isso vai elevar a qualidade de vida dos pobres? Será viável no longo prazo, quando houver restrições ambientais?
Valor: Como prosperar sem crescer?
Jackson: Existe uma diferença entre crescimento econômico e prosperidade. Existe uma diferença entre ter bens materiais e bem estar. Há várias respostas a essa questão, a primeira é filosófica, questionar o que é qualidade de vida. É sobre as necessidades básicas? Sobre minha habilidade de sentir bem em minha comunidade? Claro, mas também sobre ter segurança no futuro. O que a crise financeira fez foi vender uma falsa sensação de segurança, a esperança que ter mais bens faria nossa vida melhor. Agora sabemos que não é verdade. Então temos que criar essa sensação de esperança de outra forma. Mas além disso precisamos ter um senso de segurança financeira. A grande questão que fica é como as economias podem funcionar sem o paradigma do crescimento do consumo. A verdade é que ainda não sabemos. Há cerca de 100 anos as séries econômicas se baseiam na ideia que estabilidade depende do aumento do crescimento. Agora é urgente desenvolver séries em que seja possível pensar em estabilidade econômica e financeira sem depender de crescimento.
Valor: E o que podemos medir ao invés do PIB?
Jackson: Todo tipo de coisa. Alguns dizem que devemos medir a felicidade das pessoas ou a situação da saúde e educação. São aspectos importantes, mas ainda acredito que o PIB é algo importante, porque calcula o que produzimos e o que gastamos na economia. Mas o PIB não é apenas uma medida de progresso. Sabemos que quando o PIB cai coisas ruins acontecem, mas também sabemos que quando sobe coisas ruins também acontecem. Sabemos que eu um sistema onde a estabilidade depende do crescimento do PIB também se cria uma dinâmica negativa, a dinâmica da crise financeira. Então também devemos medir a qualidade das nossas vidas no sentido de progresso social, educacional e político. E há medidas sobre todas essas possibilidades. Mas não devemos descartar o PIB.
Valor: O Brasil começará a medir o PIB Verde, mas pelo consumo de água, não pelo saneamento básico, em que não temos bons números. Um índice como esse pode ser usado como propaganda pelos governos?
Jackson: Claro que pode. A criação do PIB foi um consenso. O que for desenvolvido para fazer comparações internacionais precisa passar por esse mesmo processo de negociação, a definição do que é significativo para medir um PIB Verde ou outro índice de renda sustentável. O Butão conseguiu muita publicidade sobre o FIB [Felicidade Interna Bruta]. Mas criou uma ideia excitante que questiona o conceito convencional de desenvolvimento e o significado de prosperidade. E mostra não apenas aspectos materiais, mas sociais. Um pequeno país com uma grande ideia que convenceu até as Nações Unidas a pensar diferente.
terça-feira, 12 de junho de 2012
O meio ambiente volta ao Rio
Por Catarina de Albuquerque - Valor 12/06
Os olhos do mundo estão postos no Rio de Janeiro. E as nossas esperanças também. Vinte anos após a histórica Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a comunidade internacional volta a reunir-se. Políticos, negociadores e diplomatas irão encontrar-se para rever e (esperemos) fortalecer os seus compromissos políticos em favor do desenvolvimento sustentável tendo em conta os novos desafios do século XXI.
As decisões que forem tomadas irão afetar cada uma das 7 bilhões de pessoas na Terra: para o bem ou para o mal. Mas será que no Rio de Janeiro os negociadores vão se lembrar do pai cigano que encontrei na Eslovênia, cuja filha abandonou a escola por cheirar mal, simplesmente porque a família não tinha água em casa? Vão se lembrar da menina que conheci no Senegal, que me disse que não podia ir à escola quando estava menstruada porque lá não havia banheiro para meninas? Vão se lembrar da senhora que conheci no Uruguai que me explicou ser obrigada a esvaziar o conteúdo da sua fossa séptica com as próprias mãos por não ter dinheiro para contratar profissionais que o fazem de forma mecanizada?
Eu vou. E também me lembro constantemente que todos os dias 1,1 bilhão de pessoas são obrigadas a defecar a céu aberto, sem privacidade nem dignidade, e que, a cada 20 segundos, uma criança morre devido a doenças relacionadas com a má qualidade da água e falta de saneamento.
Há 20 anos, a famosa Agenda 21 contemplava como um dos objetivos para a eliminação da pobreza proporcionar água e saneamento aos mais pobres. Desde então houve importantes desenvolvimentos nessa matéria e são vários os documentos políticos internacionais referindo-se à água e ao saneamento como um objetivo central para o desenvolvimento humano. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) têm a ambição de reduzir à metade o número de pessoas sem acesso à agua e saneamento.
No entanto, apesar do progresso realizado nessa matéria, sabemos que o mesmo não tem beneficiado aqueles que devem ser a nossa prioridade: os mais pobres e os excluídos. Nas visitas que realizo mundo afora, enquanto Relatora Especial da Organização das Nações Unidas (ONU), tenho infelizmente constatado que apesar de terem acesso à água ou saneamento, várias pessoas não podem utilizar esses serviços porque são muito caros, estão longe demais ou não são seguros. Lembro-me claramente de um grupo de mulheres africanas dizendo-me "As contas da água nos estão matando"! Ou de imigrantes mexicanas na Califórnia explicando-me que a água de seus poços contaminados as estava literalmente destruindo aos poucos. Estas situações devem mudar urgentemente!
Em 2010, a Assembleia Geral da ONU reconheceu a água e o saneamento como direito humano. Isso quer dizer que existe a vontade política de ir mais longe. Existe a consciência de que temos o dever de garantir água e saneamento para todos, dar prioridade aos mais pobres e marginalizados e ainda que esses serviços sejam seguros, tenham um preço acessível e se encontrem próximos (ou dentro) das casas das pessoas a quem queremos atender.
A Conferência do Rio+20 tem a chance histórica de se tornar relevante para todas as pessoas, em especial para aquelas pessoas a quem me referi e que não têm se beneficiado do progresso realizado nas últimas décadas em matéria de acesso à água e ao saneamento e que ainda morrem todos os dias simplesmente porque a água que bebem não é segura.
Como é que Rio+20 pode conseguir alcançar esse objetivo? Tendo presentes no Brasil e no Rio de Janeiro as vozes das pessoas que são sistematicamente esquecidas ou mesmo ignoradas nas conferências internacionais. Colocando os direitos humanos e seus princípios na coluna vertebral da declaração final da Conferência. Lembrando as histórias que aqui referi. Não renegociando nem pondo em causa aquilo que foi decidido há dois anos pela ONU: a água e o saneamento são direitos humanos, e todos - incluindo os mais desfavorecidos - devem se beneficiar deles. Ponto final.
Por que isso me parece muito importante? Porque os direitos humanos são o passaporte e garantia para que as políticas sejam desenhadas e implementadas de forma a darem prioridade aos mais excluídos. No caso da água e saneamento, os direitos humanos exigem ainda que o acesso aos mesmos seja para todos, que os serviços sejam de qualidade e seguros, e que tenham um preço acessível. Não se esqueçam desses direitos e dessas pessoas. Eu não os esqueço.
Catarina de Albuquerque é a primeira relatora especial da ONU para a água potável e saneamento, tendo sido nomeada pelo Conselho de Direitos Humanos em 2008. Foi agraciada com a Ordem de Mérito pelo presidente da República de Portugal e recebeu a medalha de ouro de Direitos Humanos da Assembleia da República portuguesa. Site: www.ohchr.org/srwaterandsanitation
terça-feira, 5 de junho de 2012
sexta-feira, 1 de junho de 2012
Caminhos para o Rio
Por Wilhelm Meier - Valor 01/06
Vamos falar sobre o Rio. Tanto o Brasil quanto a Suíça traçaram um longo caminho desde a primeira Cúpula realizada no Rio há 20 anos, com avanços na redução da pobreza e no desenvolvimento sustentável. Nesse caminho, a Rio+20 é uma oportunidade para fortalecer a cooperação internacional no campo da sustentabilidade ambiental. O momento não poderia ser mais urgente para reunir a comunidade global e definir caminhos para um futuro mais próspero.
Na primeira Cúpula das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992, (Eco-92), muitos dos riscos ambientais foram previstos. A caminho da Rio+20, esses riscos foram confirmados e outros maiores identificados. Vinte anos depois, a ciência demonstra claramente, com base em diversos relatos das Nações Unidas, de ONGs, de especialistas e de grupos ambientais, a premência de mudanças na nossa relação com o planeta. Como cientista de formação, não posso deixar de ficar impressionado com o alto custo de nosso impacto ambiental sobre a Terra, tais como a perda de biodiversidade e das florestas e, consequentemente, do que elas oferecem. Os custos econômicos da mudança climática são bem conhecidos.
Estamos muito além dos limites ecológicos de resiliência da Terra. A situação de nosso meio ambiente no início do século XXI, segundo um relatório recente das Nações Unidas, é de maior fragilidade dos ecossistemas e volatilidade da segurança alimentar, associadas às mudanças climáticas. Danos irreversíveis, portanto, devem ser contidos. Um outro recente relatório do WWF, indica que estamos usando 50% a mais de recursos do que nosso planeta pode fornecer. Portanto, o consumo humano exigiria pelo menos duas Terras para sustentar a vida de 9 bilhões de pessoas até 2030, se continuarmos neste ritmo. Uma economia verde é baseada no uso de menos recursos naturais e energia, e em um reduzido impacto ambiental. Assim, temos que criar incentivos para um processo produtivo mais limpo e para as tecnologias verdes.
A Suíça, como o Brasil, está empenhada em trabalhar para conquistas ambiciosas na Rio+20 que fortaleçam o compromisso político do desenvolvimento sustentável. Para a Suíça a conferência deve também produzir resultados substanciais no campo da Economia Verde, na forma de comprometimento de princípios, bem como medidas tangíveis, inclusive no estabelecimento e na implementação de planos de ação nacionais. Nós propomos o fortalecimento da governança das Nações Unidas para monitorar o progresso do desenvolvimento sustentável, com a formação do Conselho para o Desenvolvimento Sustentável e o revigoramento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). A Suíça também espera que a conferência estabeleça objetivos de desenvolvimento sustentável. Além disso, a redução do risco de desastres e a promoção da resiliência a desastres naturais devem ser enfrentadas com urgência renovada, no contexto do desenvolvimento sustentável - um aspecto que os brasileiros conhecem bem com as graves inundações anuais.
O Brasil, como país anfitrião da Rio+20, tem um papel crucial e sabe muito bem que uma visão clara é imperativa para obter resultados concretos. A Suíça está ao lado do Brasil nessa tarefa - temos uma agenda comum em várias áreas.
A Suíça, assim como o Brasil, está se concentrando no transporte público como um dos elementos-chave para a sustentabilidade. Ela possui uma das mais densas redes de transporte público na Europa. Para aumentar o uso dos trens, construímos dois túneis (Lötschberg e Gotthard) através dos Alpes, que criaram um eixo Norte-Sul através da Europa, promovendo um transporte mais sustentável. Em geral, a Suíça está fazendo tudo o que é possível para tirar os carros das ruas e usar meios de transporte menos poluentes, tornando mais atraente o uso do transporte público.
Por outro lado, o Brasil está assumindo o desafio e concentra-se em várias melhorias nos seus sistemas de transporte e de infraestrutura, em particular no contexto da Copa do Mundo e da Olimpíada. Nessa conjuntura de expansão da economia brasileira, as autoridades brasileiras estão reunindo ciência, educação e inovação para aumentar a sustentabilidade ambiental.
Neste aspecto, o Brasil e a Suíça têm uma agenda positiva. Estamos trabalhando para incentivar a consciência ambiental, aliada à capacidade de inovação, e apoiar o setor de tecnologia limpa. Segundo Doris Leuthard, ministra do Meio Ambiente da Suíça, parcerias nos setores tecnológicos entre o Brasil e a Suíça podem atingir um rápido desenvolvimento. É aqui que os nossos setores privados entram em cena para integrar a infraestrutura verde. Um exemplo é o "Stade de Suisse", de Wankdorf em Berna, que foi reconstruído com tecnologia limpa, com o uso de painéis solares na sua cobertura, para os jogos de futebol da UEFA em 2008.
Para colocar a economia verde em prática, a nossa Terra merece - e precisa - de toda a nossa criatividade, nosso poder e nossa vontade de inovação. O Instituto Federal Suíço de Ciência e Tecnologia Aquática (Eawag) tem um projeto, apoiado pela Fundação Bill e Melinda Gates, para melhorar o saneamento na África do Sul, e também recuperar os nutrientes da urina - como azoto, potássio, fósforo e enxofre - usados como fertilizantes. Esta é uma área com boas perspectivas para a cooperação trilateral com o Brasil.
Outro exemplo, a fundação suíça, SENS Internacional, juntamente com seu parceiro, Indústria Fox, em Cabreúva, São Paulo, criaram a primeira fábrica de reciclagem de geladeiras e congeladores na América do Sul, onde os gases CFCs são removidos e destruídos.
Em junho, os caminhos da sustentabilidade vão passar mais uma vez pelo Rio. Para enfrentar os desafios do desenvolvimento sustentável, temos os dados científicos e sabemos o que deve ser feito. Agora, só necessitamos de vontade política para alcançarmos políticas proativas e uma implementação ambiciosa da agenda ambiental. Esse foi o espírito que conquistou tantos resultados na Eco-92. Esperamos levar adiante esse espírito para criar "o futuro que nós queremos." Ao sairmos do Rio temos que deixar para nossas crianças o maior legado de todos os tempos.
Wilhelm Meier é embaixador da Suíça no Brasil
terça-feira, 15 de maio de 2012
Rio+20 e o Código Florestal
Por Antonio Delfim Netto
Aparentemente, o primeiro a sugerir que o aumento da concentração de dióxido de carbono (o famoso CO2) poderia ser responsável pelo aumento da temperatura terrestre, foi o químico sueco Svante Arrthenius num artigo publicado em 1896. Nos últimos 116 anos sua hipótese tem sido discutida e escrutinizada de todas as formas, sem que se tenha chegado a uma conclusão definitiva. Há, também, sérias dúvidas sobre a origem do aquecimento: se produto da evolução natural do sistema físico cíclico que controla a Terra ou se produto da atividade humana (efeito antropogênico).
A discussão escapou da área "científica", onde tudo se resolve pela procura de "evidências controladas que podem ser repetidas", para o campo da "ideologia", estimulada por suas consequências sobre a atividade privada que procura a "maximização do lucro". Da mesma forma que a indústria de cigarros induz a construção de evidências "científicas" que seu produto não é um fator estimulador do câncer no pulmão, ou pelo menos, que "há dúvida razoável" sobre essa causalidade, setores altamente geradores de CO2 (energia a carvão ou petróleo), que produzem externalidade negativa cuja correção exige uma intervenção da sociedade através de um estado regulador forte, tentam criar, pelo menos, controvérsias.
No nível das conversas diplomáticas, a ONU estimulou a conferência sobre o clima em Estocolmo em 1972, que tem sido regularmente repetida em cada década 1982 (Nairóbi); 1992 (Rio); 2002 (Joanesburgo, Rio+10) e 2012 (Rio+20). Em 1997 nada menos do que 160 nações aderiram ao Protocolo de Kyoto, rapidamente desmoralizado por críticas de toda natureza.
Os resultados práticos de tais reuniões têm sido pífios. Entre 1880 e 2010 a temperatura média da Terra revelou grande variação, mas a sua tendência tem sido a de crescimento. Aumentou em torno de 0,0042 grau centígrado ao ano entre 1880 e 1980 e acelerou-se para nada menos do que 0,0135 entre 1980 e 2010. Nos últimos 130 anos o aquecimento da Terra foi de quase 1%, mas é difícil discernir se devido aos movimentos "naturais" ou do efeito antropogênico. Se considerarmos o pequeno espaço de tempo decorrido, é muito provável que o grosso do efeito seja mesmo derivado do aumento da atividade industrial do homem.
Isso impõe uma grande responsabilidade à Rio+20, da qual se deve esperar compromissos firmes para a mudança "verde" na produção de combustíveis e no esforço recobrado em tecnologias que reduzem a quantidade de energia por unidade de PIB. Apenas para dar um exemplo, a China, que desde 2006 é a maior poluidora internacional (é muito rica em carvão), consome 2,5 vezes a energia por unidade de PIB com relação à média mundial e 4,5 vezes a consumida pelos países da OCDE. Apesar de todo seu esforço antipoluidor, sendo a maior consumidora de energia por unidade do PIB, sendo o aumento de sua energia produzida pelo carvão e tendo a maior taxa de crescimento do PIB, é pouco provável que mesmo com um esforço gigantesco ela venha a contribuir significativamente para o objetivo de 2050. O mesmo acontece com os EUA.
A situação é ainda mais complicada quando consideramos que 16 cientistas publicaram no início deste ano um manifesto sob o título "Não há necessidade de pânico sobre o aquecimento global" ("The Wall Street Journal", 26/1/2012) afirmando que não há "evidência incontroversa que esteja havendo um aquecimento global" e que "não há prova que o CO2 seja um poluente". Sugerem que podemos esperar mais 50 anos para ver como as coisas ficam! E como se faltasse "ruído", o ganhador do prêmio Nobel de Física, professor Ivar Giarver, democrata, apoiador de Obama, pediu desligamento, em setembro de 2011, da prestigiosa American Physical Society (APS), por não concordar com uma resolução onde ela afirmou o contrário do que está dito acima. Isso mostra o nível de paixão despertado por uma questão que deveria ser resolvida com fria objetividade apelando, pelo menos, para o princípio da precaução, diante das terríveis consequências do aumento do aquecimento terrestre se ele vier acontecer. Mais dramático, ainda, foi o recente reconhecimento do célebre catastrofista James Lovelock (o criador da hipótese Gaia: a Terra é um organismo vivo) que o clima contrariou, desde 2000, todas as suas previsões e que "é necessário mais estudos para entender o futuro do planeta".
O mesmo fenômeno, num nível diferente, explica a enorme disputa que cercou o Código Florestal aprovado no Congresso. Um discurso de surdos. O lado mais vocal supostamente apoiado numa "ciência" duvidosa defendeu interesses difusos e nem sempre honestos como os patrocinados por algumas ONGs. O outro, com mais poder político no Congresso defendeu, sem sutilezas, seus interesses econômicos concretos. O Código tem pouco a ver com o aquecimento global e a tentativa de misturá-lo com a Rio+20 não ajudará em nada. Ele tem tudo a ver com o uso inteligente de nossos recursos naturais para continuarmos a construir uma economia sustentável e economicamente eficiente, mas não tem nada a ver com a anistia sugerida a quem, deliberada e maliciosamente, infringiu a lei vigente.
O Brasil não fará má figura na Rio+20 devido aos seus esforços. Nela estará representado pela competente e pragmática ministra Izabella Teixeira, mas há sérias dúvidas sobre seus resultados.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
sexta-feira, 27 de abril de 2012
Verdes e ruralistas põem governo na berlinda
Valor 27/04
Depois de meses de negociação, o novo Código Florestal aprovado anteontem pelo Congresso desperta a revolta dos ambientalistas e o alívio dos ruralistas, que conseguiram prevalecer sua posição e mudar o teor da legislação cuja origem é de 1934. Para o ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, o Código representa um retrocesso jamais visto, após muitas tentativas fracassadas. Ele afirma que, pela primeira vez, um governo cedeu, por omissão, e abriu a porteira para as demandas dos conservadores. Na opinião do número 2 do ministério quando a ex-senadora Marina Silva ocupava a Pasta, a culpa é da presidente Dilma Rousseff, que tem menos sensibilidade ambiental do que todos os seus antecessores na Presidência.
No entanto, para o economista André Meloni Nassar, diretor do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), a versão do novo Código Florestal é "muito boa". Ele duvida que a presidente Dilma Rousseff vete qualquer passagem do texto e, em que pese a "vitória política" alcançada com o documento aprovado na Câmara, o setor do agronegócio perdeu a batalha junto à opinião pública. "Todos usam agora o termo 'desmatador' para se referir a nós", alega.
Nassar já prevê outra batalha a ser travada pelo setor: a abertura de novas áreas para a expansão da produção, especialmente no cerrado. "Uma coisa é a Amazônia, que você abre terra, em geral, para ocupar com pastagem. Outra é o cerrado, que você abre para ocupar com agricultura de alta produção. Está comprovado que em muitas regiões isso traz desenvolvimento econômico", defende. A seguir, leia os principais trechos das entrevistas concedidas por Capobianco e Nassar ao Valor:
Valor: Como o senhor qualifica o Código Florestal aprovado pelo Congresso?
João Paulo Capobianco: Ele vai na contramão completa da história. Não resolve os problemas que ele em tese se dispôs a resolver, principalmente a questão da insegurança jurídica no campo e da compatibilização entre produção e conservação.
Valor: Ainda há pontos que podem causar insegurança jurídica?
Capobianco: Com certeza. Se você analisa as emendas do deputado Paulo Piau (PMDB-MG), ele agrava uma questão impressionante. Um exemplo claro disso é a recuperação de vegetação nativa nas margens de rios. O projeto cita exclusivamente a situação para os rios de até dez metros. A partir daí não há nenhuma definição. Você abre para uma interpretação subjetiva do que deve ser ou não recuperado. É um pequeno exemplo, mas ele se repete em vários momentos, como em relação à vegetação da área urbana. Há uma retirada da atribuição do poder público sem que se tenha colocado com clareza o que pode e o que não pode. O Código vai criar um vácuo.
Valor: É um retrocesso em relação ao código anterior?
Capobianco: É uma aberração. O relatório do deputado Paulo Piau começa retirando do Código Florestal o conceito definido em 1934, e mantido ao longo de todas essas décadas, de que o Código tem como fundamento central a proteção às florestas e as demais formas de vegetação nativa, em harmonia com a promoção do desenvolvimento econômico. Ele começa eliminando isso. Parece até uma brincadeira, mas não é. Já revela na primeira emenda a intenção do relator e não só dele, mas do Congresso, do resultado final.
Valor: O governo perdeu ou ele também pode ser responsabilizado pela aprovação?
Capobianco: Não, eu não acho que o governo perdeu. Quem perdeu foi a sociedade. O governo atuou o tempo todo na linha da flexibilização. O governo se omitiu. Dada a relevância e por ser um tema de grande abrangência e que diz respeito a interesses dos mais variados setores da sociedade, isso deveria ter sido uma iniciativa do Poder Executivo. Os deputados recuperaram um projeto, que já estava inclusive engavetado porque o autor original não tinha sido reeleito, e iniciaram a tramitação. Aí o governo, incluindo o Palácio do Planalto e o Ministério do Meio Ambiente, não atuou ao longo do processo de formulação do projeto. O projeto correu absolutamente livre, solto. A própria constituição da comissão responsável pelo projeto teve um desbalanço incrível, o que é histórico. É muito raro encontrar uma comissão tão desbalanceada para um lado dos deputados...
Valor: Ruralistas?
Capobianco: Esse termo ruralista é muito ruim, coloca sob a mesma etiqueta gente muito séria, com gente muito pouco séria. É genérico e não é correto.
Valor: Que termo seria melhor?
Capobianco: A banda conservadora do setor rural, que é a que está majoritariamente representada no Congresso.
Valor: Isso não justifica que ela tenha sido representada de acordo com seu tamanho na comissão? O resultado do Código não mostra que a correlação de forças na sociedade seria desigual?
Capobianco: Não, as pesquisas de opinião pública revelam o contrário. A própria composição do Congresso tem uma característica bastante conservadora já há muitas legislaturas.
Valor: Podemos dizer então que os interesses da banda ruralista conservadora são mais bem organizados que os dos ambientalistas?
Capobianco: Eu diria que o modelo eleitoral brasileiro leva a isso. As campanhas são cada vez mais caras. O modelo viabiliza aquele que é capaz de mobilizar mais recursos. E essa capacidade tem a ver com o setor privado e, portanto, há um círculo vicioso. Aquele que defende o interesse privado tem mais chance efetivamente de obter recursos para a sua campanha e, logo, muito mais chance de estar representado.
Valor: Por outro lado, não há oficialmente um partido dos ruralistas enquanto, mal ou bem, existe o Partido Verde, que não pende a balança para o lado dos ambientalistas.
Capobianco: É, mas a questão ambiental não cabe em partidos. É uma temática transversal. Não vejo aí uma contradição. O que vejo é uma presença marcante de parlamentares conservadores no Congresso Nacional, que não atuam apenas nessa agenda do Código, mas em várias agendas, na tributária, fiscal. Não é só a agenda ambiental que encontra resistência.
Valor: O momento eleitoral não é crucial para se arrancar compromissos? Marina Silva (ex-PV, hoje sem partido) não deveria ter negociado essa agenda no segundo turno da disputa presidencial, quando tinha capital político, em vez de optar pela neutralidade?
Capobianco: Olha, eu acho que não foi um erro. Se tivéssemos apoiado o PT, por exemplo, estaríamos respondendo solidariamente pelo retrocesso na agenda socioambiental verificado neste último ano. Estamos assistindo a um período de refluxo muito intenso. As iniciativas de refluxo são muito antigas. Elas foram várias, em vários governos. E sempre tivemos uma resposta do Poder Executivo muito firme. O próprio Código foi alvo de uma tentativa de revisão entre 2000 e 2002 que iria levar a um resultado similar a este. E foi a ação do Poder Executivo, à época o presidente Fernando Henrique Cardoso, que invibializou e retirou o projeto de pauta. No governo Lula, também surgiram várias tentativas e todas elas foram trabalhadas pela base de apoio para que não proliferassem. O que assistimos neste governo é uma omissão completa.
Valor: Dilma presta menos atenção à questão ambiental do que seus antecessores?
Capobianco: Com certeza, ela tem uma sensibilidade para a questão ambiental muito menor que todos os antecessores. Temos o Ministério do Meio Ambiente com o menor perfil da história. Sempre tivemos operadores, ministros com alta capacidade de articulação com a sociedade e dentro do governo.
Valor: É culpa do desenvolvimentismo da presidente?
Capobianco: Eu diria que a presidente Dilma, entre o desenvolvimento acelerado e a conservação ambiental, ela não pensa na compatibilização. Suas ações recentes mostram claramente isso. Ela compartilha, inclusive, com o resultado da negociação do Código no Senado, que era um enorme retrocesso também.
'Vencemos a luta política, mas falta a opinião pública'
Valor: Qual a sua avaliação do texto aprovado na Câmara?
André Nassar: Do ponto de vista da necessidade de regularizar os produtores, permitir sua adequação às regras, o texto é muito bom. O grande objetivo dessa reforma foi regularizar os produtores, tirá-los da ilegalidade, e o novo Código dá essa oportunidade. E sem flexibilizar as regras de conservação futuras. Se você for abrir uma área no futuro, terá de respeitar as reservas legais, APP [áreas de preservação permanente], tudo igual. A mudança é que o código desobriga a restauração e recomposição florestal passada. Havia o objetivo de manter os instrumentos de proteção, mas flexibilizando e diminuindo as exigências sobre os produtores em termos de recuperação de áreas que deveriam ter floresta e, por alguma razão na história, não têm.
Valor: Os produtores também contribuíram no desmatamento.
Nassar: Aí você tem uma mistura. Em alguns locais não temos florestas por desocupações antigas, que o governo estimulava desmatar no passado. É preciso lembrar que se estão regularizando vários casos. Por isso não gosto da ideia de dizerem que os desmatadores foram anistiados.
Valor: Mas não foram?
Nassar: Não acho um conceito correto. É perfeitamente legítimo flexibilizar a regra para uma parte dessas pessoas, porque quando o sujeito abriu aquela área, a lei era outra. Com certeza serão anistiados produtores que desmataram depois de 1998, quando a lei de crimes ambientais foi promulgada, e que decidiram deliberadamente não respeitar a lei. Mas não tinha como usar aquela data, nem existia imagem de satélite [dessas áreas]. Então escolheram uma data mais atual [2008] em que já existiam instrumentos para monitorar. Entendo o argumento dos ambientalistas, mas não consigo ver solução alternativa.
Valor: O texto prevê a recomposição de 15 metros de vegetação nas margens de rio, o que os ambientalistas consideraram pouco.
Nassar: Seria um sinal muito ruim para a sociedade se não houvesse um compromisso em relação à conservação das APP, sobretudo das margens de rio. Embora a gente saiba que recuperar e reflorestar é um negócio caro, não faria sentido não ter nenhum grau de vegetação protegendo as margens.
Valor: A retirada da suspensão de crédito para quem não se registrar no Cadastro Ambiental Rural (CAR) em cinco anos não dá margem à ilegalidade?
Nassar: É uma perda, mas pode ser recuperada com outros instrumentos. Um banco pode dizer que não quer te financiar se você não tem o cadastro. Ele tem o direto de não financiar alguém que não se adequa à lei. Esses mecanismos podem ser implementados sem ser matéria de lei.
Valor: O mercado vai regular?
Nassar: Claro. Só não vai se adequar quem não quiser, porque todos os perfis de produtores poderão a seu tempo fazê-lo. O CAR vai virar critério de seleção. É como o cadastro do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]. Vamos supor que eu compre uma fazenda sua. Eu preciso certificar a nova titularidade no Incra, não apenas em cartório. Muitos produtores têm problemas no financiamento do crédito rural porque não estão regularizados do ponto de vista fundiário. E não há lei dizendo que a regularização fundiária é critério para receber crédito. É prática do mercado. Seria um engessamento grande manter a suspensão do crédito na lei.
Valor: O senhor acredita que a presidente Dilma Rousseff vetará o novo Código ou partes dele?
Nassar: Acho que ela não vetará nada. Isso aconteceria se aquela questão da recuperação dos 15 metros de margem não estivesse na lei. Ela vetaria se não tivesse nada nesse sentido.
Valor: Para o setor do agronegócio, o novo Código está a contento?
Nassar: Ele resolve basicamente todos os problemas que inviabilizavam a regularização ambiental dos produtores. Não será fácil. Eles terão de fazer o cadastro, que custa dinheiro, em alguns casos vão ter que recompor APP... tem que ser pensado um esquema de recomposição que não seja draconiano, que não obrigue o cara a recompor tudo em cinco anos porque ele não vai conseguir. Além disso, algo muito questionado são os 80% de reserva legal da Amazônia, um limitador para o desenvolvimento da região, assumindo aqui que o setor agrícola gera desenvolvimento econômico. Agora há instrumentos legais para que essa reserva caia para 50%.
Valor: O Código tal como está não leva um carimbo de beneficiar principalmente os ruralistas?
Nassar: Se pensarmos em duas batalhas, uma política e outra de opinião pública, o setor agrícola venceu a batalha política. A reforma acomoda boa parte dos problemas que os produtores enfrentavam. Mas a batalha de opinião pública foi perdida, já que todos usam agora o termo 'desmatador' para se referir a nós.
Valor: E como o setor pode reverter essa percepção?
Nassar: Entrando nos programas de regularização. Agora, vamos supor que o setor agrícola se movimente para reduzir as faixas de APP. Reforçará a imagem negativa. As restrições para as áreas consolidadas estão resolvidas. Outra discussão, que deve ser feita mais a frente, é como lidar com os produtores que querem abrir mais áreas. No cerrado estão obtendo licenças para isso legalmente, mas talvez terão mais trabalho a partir de agora. O Código não se debruçou sobre a questão.
Valor: E é necessário abrir mais áreas?
Nassar: Eu não consigo ver a expansão da produção só em cima do que temos hoje. Grão, por exemplo, você não consegue crescer só em produtividade. O crescimento da demanda hoje é maior que o da produtividade. Há áreas ainda com cerrado disponível e viáveis à agricultura que podem ser abertas.
Valor: Os ambientalistas falam em batalhar por um projeto, de iniciativa popular, pelo desmatamento zero. Seria um complicador?
Nassar: Se tiver desmatamento zero no cerrado, ocorrerá um impacto grande na produção agrícola. Uma coisa é a Amazônia, que você abre terra, em geral, para ocupar com pastagem. Outra é o cerrado, que você abre para ocupar com agricultura de alta produção. Está comprovado que em muitas regiões isso traz desenvolvimento e crescimento econômico. É claro que esse modelo tem que mitigar os efeitos ambientais negativos, mas você não pode desprezar os efeitos econômicos positivos.
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