sexta-feira, 27 de abril de 2012

"Um crescimento ilimitado num planeta finito é impossível", alerta Fritjof Capra - Globo News - Vídeos do programa Milênio - Catálogo de Vídeos

"Um crescimento ilimitado num planeta finito é impossível", alerta Fritjof Capra - Globo News - Vídeos do programa Milênio - Catálogo de Vídeos

Verdes e ruralistas põem governo na berlinda



Valor 27/04

Depois de meses de negociação, o novo Código Florestal aprovado anteontem pelo Congresso desperta a revolta dos ambientalistas e o alívio dos ruralistas, que conseguiram prevalecer sua posição e mudar o teor da legislação cuja origem é de 1934. Para o ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, o Código representa um retrocesso jamais visto, após muitas tentativas fracassadas. Ele afirma que, pela primeira vez, um governo cedeu, por omissão, e abriu a porteira para as demandas dos conservadores. Na opinião do número 2 do ministério quando a ex-senadora Marina Silva ocupava a Pasta, a culpa é da presidente Dilma Rousseff, que tem menos sensibilidade ambiental do que todos os seus antecessores na Presidência.

No entanto, para o economista André Meloni Nassar, diretor do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), a versão do novo Código Florestal é "muito boa". Ele duvida que a presidente Dilma Rousseff vete qualquer passagem do texto e, em que pese a "vitória política" alcançada com o documento aprovado na Câmara, o setor do agronegócio perdeu a batalha junto à opinião pública. "Todos usam agora o termo 'desmatador' para se referir a nós", alega.

Nassar já prevê outra batalha a ser travada pelo setor: a abertura de novas áreas para a expansão da produção, especialmente no cerrado. "Uma coisa é a Amazônia, que você abre terra, em geral, para ocupar com pastagem. Outra é o cerrado, que você abre para ocupar com agricultura de alta produção. Está comprovado que em muitas regiões isso traz desenvolvimento econômico", defende. A seguir, leia os principais trechos das entrevistas concedidas por Capobianco e Nassar ao Valor:

Valor: Como o senhor qualifica o Código Florestal aprovado pelo Congresso?

João Paulo Capobianco: Ele vai na contramão completa da história. Não resolve os problemas que ele em tese se dispôs a resolver, principalmente a questão da insegurança jurídica no campo e da compatibilização entre produção e conservação.

Valor: Ainda há pontos que podem causar insegurança jurídica?

Capobianco: Com certeza. Se você analisa as emendas do deputado Paulo Piau (PMDB-MG), ele agrava uma questão impressionante. Um exemplo claro disso é a recuperação de vegetação nativa nas margens de rios. O projeto cita exclusivamente a situação para os rios de até dez metros. A partir daí não há nenhuma definição. Você abre para uma interpretação subjetiva do que deve ser ou não recuperado. É um pequeno exemplo, mas ele se repete em vários momentos, como em relação à vegetação da área urbana. Há uma retirada da atribuição do poder público sem que se tenha colocado com clareza o que pode e o que não pode. O Código vai criar um vácuo.

Valor: É um retrocesso em relação ao código anterior?

Capobianco: É uma aberração. O relatório do deputado Paulo Piau começa retirando do Código Florestal o conceito definido em 1934, e mantido ao longo de todas essas décadas, de que o Código tem como fundamento central a proteção às florestas e as demais formas de vegetação nativa, em harmonia com a promoção do desenvolvimento econômico. Ele começa eliminando isso. Parece até uma brincadeira, mas não é. Já revela na primeira emenda a intenção do relator e não só dele, mas do Congresso, do resultado final.

Valor: O governo perdeu ou ele também pode ser responsabilizado pela aprovação?

Capobianco: Não, eu não acho que o governo perdeu. Quem perdeu foi a sociedade. O governo atuou o tempo todo na linha da flexibilização. O governo se omitiu. Dada a relevância e por ser um tema de grande abrangência e que diz respeito a interesses dos mais variados setores da sociedade, isso deveria ter sido uma iniciativa do Poder Executivo. Os deputados recuperaram um projeto, que já estava inclusive engavetado porque o autor original não tinha sido reeleito, e iniciaram a tramitação. Aí o governo, incluindo o Palácio do Planalto e o Ministério do Meio Ambiente, não atuou ao longo do processo de formulação do projeto. O projeto correu absolutamente livre, solto. A própria constituição da comissão responsável pelo projeto teve um desbalanço incrível, o que é histórico. É muito raro encontrar uma comissão tão desbalanceada para um lado dos deputados...

Valor: Ruralistas?

Capobianco: Esse termo ruralista é muito ruim, coloca sob a mesma etiqueta gente muito séria, com gente muito pouco séria. É genérico e não é correto.

Valor: Que termo seria melhor?

Capobianco: A banda conservadora do setor rural, que é a que está majoritariamente representada no Congresso.

Valor: Isso não justifica que ela tenha sido representada de acordo com seu tamanho na comissão? O resultado do Código não mostra que a correlação de forças na sociedade seria desigual?
Capobianco: Não, as pesquisas de opinião pública revelam o contrário. A própria composição do Congresso tem uma característica bastante conservadora já há muitas legislaturas.

Valor: Podemos dizer então que os interesses da banda ruralista conservadora são mais bem organizados que os dos ambientalistas?

Capobianco: Eu diria que o modelo eleitoral brasileiro leva a isso. As campanhas são cada vez mais caras. O modelo viabiliza aquele que é capaz de mobilizar mais recursos. E essa capacidade tem a ver com o setor privado e, portanto, há um círculo vicioso. Aquele que defende o interesse privado tem mais chance efetivamente de obter recursos para a sua campanha e, logo, muito mais chance de estar representado.

Valor: Por outro lado, não há oficialmente um partido dos ruralistas enquanto, mal ou bem, existe o Partido Verde, que não pende a balança para o lado dos ambientalistas.

Capobianco: É, mas a questão ambiental não cabe em partidos. É uma temática transversal. Não vejo aí uma contradição. O que vejo é uma presença marcante de parlamentares conservadores no Congresso Nacional, que não atuam apenas nessa agenda do Código, mas em várias agendas, na tributária, fiscal. Não é só a agenda ambiental que encontra resistência.

Valor: O momento eleitoral não é crucial para se arrancar compromissos? Marina Silva (ex-PV, hoje sem partido) não deveria ter negociado essa agenda no segundo turno da disputa presidencial, quando tinha capital político, em vez de optar pela neutralidade?

Capobianco: Olha, eu acho que não foi um erro. Se tivéssemos apoiado o PT, por exemplo, estaríamos respondendo solidariamente pelo retrocesso na agenda socioambiental verificado neste último ano. Estamos assistindo a um período de refluxo muito intenso. As iniciativas de refluxo são muito antigas. Elas foram várias, em vários governos. E sempre tivemos uma resposta do Poder Executivo muito firme. O próprio Código foi alvo de uma tentativa de revisão entre 2000 e 2002 que iria levar a um resultado similar a este. E foi a ação do Poder Executivo, à época o presidente Fernando Henrique Cardoso, que invibializou e retirou o projeto de pauta. No governo Lula, também surgiram várias tentativas e todas elas foram trabalhadas pela base de apoio para que não proliferassem. O que assistimos neste governo é uma omissão completa.

Valor: Dilma presta menos atenção à questão ambiental do que seus antecessores?

Capobianco: Com certeza, ela tem uma sensibilidade para a questão ambiental muito menor que todos os antecessores. Temos o Ministério do Meio Ambiente com o menor perfil da história. Sempre tivemos operadores, ministros com alta capacidade de articulação com a sociedade e dentro do governo.

Valor: É culpa do desenvolvimentismo da presidente?

Capobianco: Eu diria que a presidente Dilma, entre o desenvolvimento acelerado e a conservação ambiental, ela não pensa na compatibilização. Suas ações recentes mostram claramente isso. Ela compartilha, inclusive, com o resultado da negociação do Código no Senado, que era um enorme retrocesso também.

 
'Vencemos a luta política, mas falta a opinião pública'



 
Valor: Qual a sua avaliação do texto aprovado na Câmara?

André Nassar: Do ponto de vista da necessidade de regularizar os produtores, permitir sua adequação às regras, o texto é muito bom. O grande objetivo dessa reforma foi regularizar os produtores, tirá-los da ilegalidade, e o novo Código dá essa oportunidade. E sem flexibilizar as regras de conservação futuras. Se você for abrir uma área no futuro, terá de respeitar as reservas legais, APP [áreas de preservação permanente], tudo igual. A mudança é que o código desobriga a restauração e recomposição florestal passada. Havia o objetivo de manter os instrumentos de proteção, mas flexibilizando e diminuindo as exigências sobre os produtores em termos de recuperação de áreas que deveriam ter floresta e, por alguma razão na história, não têm.

Valor: Os produtores também contribuíram no desmatamento.

Nassar: Aí você tem uma mistura. Em alguns locais não temos florestas por desocupações antigas, que o governo estimulava desmatar no passado. É preciso lembrar que se estão regularizando vários casos. Por isso não gosto da ideia de dizerem que os desmatadores foram anistiados.

Valor: Mas não foram?

Nassar: Não acho um conceito correto. É perfeitamente legítimo flexibilizar a regra para uma parte dessas pessoas, porque quando o sujeito abriu aquela área, a lei era outra. Com certeza serão anistiados produtores que desmataram depois de 1998, quando a lei de crimes ambientais foi promulgada, e que decidiram deliberadamente não respeitar a lei. Mas não tinha como usar aquela data, nem existia imagem de satélite [dessas áreas]. Então escolheram uma data mais atual [2008] em que já existiam instrumentos para monitorar. Entendo o argumento dos ambientalistas, mas não consigo ver solução alternativa.

Valor: O texto prevê a recomposição de 15 metros de vegetação nas margens de rio, o que os ambientalistas consideraram pouco.

Nassar: Seria um sinal muito ruim para a sociedade se não houvesse um compromisso em relação à conservação das APP, sobretudo das margens de rio. Embora a gente saiba que recuperar e reflorestar é um negócio caro, não faria sentido não ter nenhum grau de vegetação protegendo as margens.

Valor: A retirada da suspensão de crédito para quem não se registrar no Cadastro Ambiental Rural (CAR) em cinco anos não dá margem à ilegalidade?

Nassar: É uma perda, mas pode ser recuperada com outros instrumentos. Um banco pode dizer que não quer te financiar se você não tem o cadastro. Ele tem o direto de não financiar alguém que não se adequa à lei. Esses mecanismos podem ser implementados sem ser matéria de lei.

Valor: O mercado vai regular?

Nassar: Claro. Só não vai se adequar quem não quiser, porque todos os perfis de produtores poderão a seu tempo fazê-lo. O CAR vai virar critério de seleção. É como o cadastro do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]. Vamos supor que eu compre uma fazenda sua. Eu preciso certificar a nova titularidade no Incra, não apenas em cartório. Muitos produtores têm problemas no financiamento do crédito rural porque não estão regularizados do ponto de vista fundiário. E não há lei dizendo que a regularização fundiária é critério para receber crédito. É prática do mercado. Seria um engessamento grande manter a suspensão do crédito na lei.

Valor: O senhor acredita que a presidente Dilma Rousseff vetará o novo Código ou partes dele?

Nassar: Acho que ela não vetará nada. Isso aconteceria se aquela questão da recuperação dos 15 metros de margem não estivesse na lei. Ela vetaria se não tivesse nada nesse sentido.

Valor: Para o setor do agronegócio, o novo Código está a contento?

Nassar: Ele resolve basicamente todos os problemas que inviabilizavam a regularização ambiental dos produtores. Não será fácil. Eles terão de fazer o cadastro, que custa dinheiro, em alguns casos vão ter que recompor APP... tem que ser pensado um esquema de recomposição que não seja draconiano, que não obrigue o cara a recompor tudo em cinco anos porque ele não vai conseguir. Além disso, algo muito questionado são os 80% de reserva legal da Amazônia, um limitador para o desenvolvimento da região, assumindo aqui que o setor agrícola gera desenvolvimento econômico. Agora há instrumentos legais para que essa reserva caia para 50%.

Valor: O Código tal como está não leva um carimbo de beneficiar principalmente os ruralistas?

Nassar: Se pensarmos em duas batalhas, uma política e outra de opinião pública, o setor agrícola venceu a batalha política. A reforma acomoda boa parte dos problemas que os produtores enfrentavam. Mas a batalha de opinião pública foi perdida, já que todos usam agora o termo 'desmatador' para se referir a nós.

Valor: E como o setor pode reverter essa percepção?

Nassar: Entrando nos programas de regularização. Agora, vamos supor que o setor agrícola se movimente para reduzir as faixas de APP. Reforçará a imagem negativa. As restrições para as áreas consolidadas estão resolvidas. Outra discussão, que deve ser feita mais a frente, é como lidar com os produtores que querem abrir mais áreas. No cerrado estão obtendo licenças para isso legalmente, mas talvez terão mais trabalho a partir de agora. O Código não se debruçou sobre a questão.

Valor: E é necessário abrir mais áreas?

Nassar: Eu não consigo ver a expansão da produção só em cima do que temos hoje. Grão, por exemplo, você não consegue crescer só em produtividade. O crescimento da demanda hoje é maior que o da produtividade. Há áreas ainda com cerrado disponível e viáveis à agricultura que podem ser abertas.

Valor: Os ambientalistas falam em batalhar por um projeto, de iniciativa popular, pelo desmatamento zero. Seria um complicador?

Nassar: Se tiver desmatamento zero no cerrado, ocorrerá um impacto grande na produção agrícola. Uma coisa é a Amazônia, que você abre terra, em geral, para ocupar com pastagem. Outra é o cerrado, que você abre para ocupar com agricultura de alta produção. Está comprovado que em muitas regiões isso traz desenvolvimento e crescimento econômico. É claro que esse modelo tem que mitigar os efeitos ambientais negativos, mas você não pode desprezar os efeitos econômicos positivos.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Descompassos limitam avanço da economia verde




Valor 25/04

O economista indiano Pavan Sukhdev é um especialista em economia verde, um dos eixos-chave da Rio+20. Foi dele a coordenação de dois estudos fundamentais sobre o assunto, o Green Economy Report, feito pelo Pnuma, o braço ambiental da ONU, e o TEEB, um projeto que dá valor aos ecossistemas e à biodiversidade. Pavan é um crítico da paralisia nas decisões que evitem o desastre climático e a perda imensa da biodiversidade, e joga suas farpas também em direção à comunidade empresarial. "O mundo corporativo de hoje não pode influenciar a economia de amanhã", diz.
A preocupação de Sukhdev gira em torno às contradições do que a sociedade precisa para enfrentar desigualdades sociais e desafios ambientais, e a agenda de curto prazo do mundo dos negócios. Esse descompasso barra avanços rumo à economia verde, no seu entendimento.

Sukhdev afirma que a transformação exigida para chegar à economia verde é diferente nos países desenvolvidos e no mundo em desenvolvimento. "O mundo desenvolvido precisa desmantelar a chamada 'economia marrom' para colocar a economia verde em seu lugar", explica. Isso significa acabar com os subsídios aos combustíveis fósseis, encontrar novos modelos de negócios e buscar alternativas que possam reduzir a pressão atual sobre os recursos naturais e o ambiente. "Isso pode ser feito com a tecnologia existente, mas como este movimento pode significar perdas de curto prazo, há resistência do setor privado."

"Um bom resultado da Rio+20 seria conseguir um acordo para reduzir substancialmente os subsídios aos combustíveis fósseis que giram em torno a US$ 550 bilhões ao ano em termos de preços", cita o economista sênior do Deutsche Bank, onde trabalhou durante 15 anos.

No mundo em desenvolvimento, o desafio é diferente. Ali os negócios ainda não estão estruturados sobre a chamada "economia marrom" e nos últimos 30 anos, muitos destes países vêm aumentando seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), crescendo com tecnologias mais limpas. "Mas eles têm que continuar nesse rumo e insistir, na Rio+20, para que os países desenvolvidos reestruturem seus modelos de negócios", continua. O prazo final é 2020. "De outra forma, todos sentirão as consequências, tanto no mundo desenvolvido como no em desenvolvimento."

O outro aspecto-chave da mudança exigida para se chegar à uma economia global mais limpa deve ocorrer no nível macro, dos governos e políticas, e no micro, das empresas e negócios, entende Sukhdev. Ele lembra que 70% da economia global estão na esfera do setor privado e que esse é o mesmo percentual dos empregos globais. "Em outras palavras, sem o setor privado não se consegue chegar à economia verde", diz. "Para fazer mudanças na economia é preciso fazer mudanças no nível das corporações também."

Aqui Sukhdev enxerga tensões. "O problema, hoje, é que os interesses das corporações estão derrotando o interesse público na economia verde", diz. "Neste momento, todas as empresas, em qualquer lugar do mundo, miram seus lucros como meta principal. Seus objetivos não estão alinhados com as preocupações da sociedade em melhorar a equidade social, reduzir a pobreza, reduzir os riscos relacionados à mudança do clima e à escassez de solos férteis e água limpa", ilustra. Este desequilíbrio tem "dimensões colossais", estima.

O conceito de economia verde surgiu no final dos anos 80 e vem caminhando gradualmente. O relatório do Pnuma lista alguns avanços. A China, por exemplo, tornou-se o maior mercado de aquecedores de água movidos a energia solar, com 2/3 da fatia global. Há mais de 40 mil sistemas do gênero instalados no país e que servem 10% dos chineses. O uso da energia solar para aquecer água é prioridade nos hospitais, escolas, restaurantes e piscinas chinesas. Há ganhos econômicos para os consumidores, redução na emissão de gases-estufa e de poluentes, e a criação de 600 mil empregos. Em Uganda, o incentivo às práticas de agricultura orgânica tem aumentado exportações e empregado mais agricultores. Em Bangladesh, painéis fotovoltaicos estão levando energia às populações rurais e capacitando 5 mil mulheres.
Alguns países, alinhados principalmente à Venezuela e Bolívia, temem que a economia verde sirva de pretexto para barreiras comerciais protecionistas. "Em inglês se diz que isso é como 'jogar o bebê fora junto com a água suja do banho'", diz Sukhdev. "Economia verde é o modelo certo porque é o único que reconhece os capitais humanos, sociais e naturais do mundo", defende.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

‘Taxar os ricos é crucial para modelo de desenvolvimento sustentável’, afirma economista

RIO — Aos 58 anos, o economista Jeffrey Sachs é uma referência internacional quando o assunto é desenvolvimento. Há mais de 20 anos dedicado à construção de políticas de combate à pobreza, ele dirigiu por quatro anos o projeto das Nações Unidas “Objetivos do Milênio”. Na última década, Sachs mergulhou no tema dos efeitos das mudanças climáticas sobre o desenvolvimento. Diretor do Earth Institute da Universidade Columbia, em Nova York, e conselheiro especial do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, o economista advoga que o nível e o padrão atuais de consumo são incompatíveis com o bem-estar no longo prazo e que são necessárias mudanças imediatas.


Sugere taxar ricos e grandes corporações e eliminar subsídios ao petróleo. Sachs vê na Rio+20 a oportunidade única de os líderes globais darem o primeiro passo, com a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em quatro vertentes: erradicação da pobreza extrema, sustentabilidade ambiental (nas áreas de energia, produção agrícola e urbanização), sociedades inclusivas e boa governança.

— Se isso for acordado, a Rio+20 será histórica. Se não tivermos nem os objetivos, continuaremos no caminho ruim — diz Sachs em entrevista ao GLOBO.

O GLOBO: O senhor defende que estamos à beira do colapso do nosso ecossistema. Por que isto ocorre e quais consequências já enfrentamos?

JEFFREY SACHS: A ideia-chave que todos devem entender é que entramos no Antropoceno. A atividade humana no planeta exige tanto do ambiente natural que alterou dramaticamente os principais sistemas da Terra. Fizemos isso inadvertidamente, como subproduto do crescimento da economia e da população. Temos sete bilhões de pessoas, e outro bilhão chegando até 2024, produzindo, em média, US$ 10 mil, uma atividade econômica global de US$ 70 trilhões. Isso é tão grande que está desordenando o clima, acabando com a reserva de água, destruindo habitats, poluindo grandes cidades. O mundo está avançando na agenda do crescimento, o que é compreensível, mas sem prestar atenção à ameaça que isso representa. Por isso a Rio+20 é tão essencial.

Por que é tão difícil para os governos e a sociedade reconhecerem que vivemos uma crise e trabalharem em soluções? Falta liderança?

SACHS: Todo mundo vê sua situação econômica, olha para o grupo que está logo acima e pensa: por que não posso ser assim? Isso leva a uma cadeia de desejo e pressão global, e é o impulso mais profundo à política em todos os lugares, que é aumentar as condições materiais. E, incrivelmente, até as pessoas mais ricas estão desesperadas para ficarem mais ricas. Isso parece estar estruturalmente encrustado em nossa mentalidade e na dos políticos. Não conheço um sistema político que não coloque a expansão do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e riquezas produzidas em um país) no centro dos objetivos da nação.

Temos o Butão.

SACHS: É extraordinário que um país tenha parado e dito: vamos pensar no real objetivo do nosso desenvolvimento; não é dinheiro, é o bem-estar do ser humano, vamos pensar em como maximizar a Felicidade Nacional Bruta. Mas o Butão está sozinho, os únicos outros países que caminham nesta direção de alguma forma são as socialdemocracias escandinavas. Para todo o resto, o objetivo central recai sobre crescimento econômico.

E há interesses corporativos.

SACHS: Muitas das maiores empresas fazem extração de recursos naturais. As petrolíferas são as companhias mais poderosas do mundo e gastaram muito dinheiro e esforço para minimizar as ameças das mudanças climáticas. Os políticos ficam divididos entre as pressões da população, que quer mais regulação, e das corporações, que pressionam por menos. Então temos um sério déficit global de consciência e política nesses assuntos (de sustentabilidade).

Como mudar os valores da sociedade?

SACHS: Estou tentando começar com o topo da cadeia, os mais ricos. Porque se você começa pelos pobres, dizendo “ah, não queira tanto”, é injusto e indesculpável. Mas se milionários e bilionários agem de forma usurpadora (de recursos), não há desculpa. Estudos mostram que diretores-executivos de grandes companhias costumam não ter os valores sociais que se esperaria deles, como responsabilidade e honestidade. Há muito narcisismo e ganância, e isso polui os valores da sociedade como um todo. Por isso eu apoiei o movimento Ocupe Wall Street, porque ele aponta para a questão certa. Terá um grande efeito se os ricos começarem a dizer: “temos corresponsabilidade com o resto da sociedade, temos que liderar a promoção de métodos sustentáveis de consumo e produção.”

O que é preciso para interrompermos o curso atual e entrarmos em uma era de desenvolvimento sustentável?

SACHS: Energia é o sangue de uma economia, sem o qual ela não funciona. Mas se a energia está sendo obtida do petróleo, do carvão e do gás natural, estamos arruinando o planeta. Então precisamos de uma transição global para um sistema energético de baixo carbono. Isso levará entre 40 a 50 anos provavelmente, mas é algo que requer ação imediata. A segunda tarefa é o fornecimento sustentável de comida. A produção atual de comida não é sustentável nem suficiente para alimentar mais um bilhão de pessoas. Se pudermos solucionar esses dois problemas, solucionaremos grande parte do desafio da sustentabilidade. Um terceiro desafio é ter sistemas urbanos sustentáveis. O Brasil tem grandes cidades, como São Paulo e Rio, e a China tem mais de cem cidades com um milhão ou mais de pessoas. Essas megacidades são os centros da nossa produtividade, do nosso conhecimento. Mas muitas são profundamente poluídas, com grandes favelas e condições precárias de vida. Felizmente, quando se analisa o que pode ser feito — energia solar e eólica, uso de sementes mais eficazes por agricultores pobres —, há muitas soluções. Não nos falta tecnologia. Uma vez que os valores e a objetividade política existam, podemos usar ciência e boa administração para alcançar resultados.

Apesar de existir a tecnologia, não nos falta dinheiro para implementar planos como esse, sobretudo após a crise?

SACHS: Eu começaria com a taxação dos ricos e das grandes corporações — lembre-se que grande parte dos ganhos de renda nos últimos 25 anos foi apropriada pelos muito ricos. Nos EUA, o 1% no topo leva para casa hoje o equivalente a 23% da renda domiciliar do país. Eles estão vivendo em mansões e têm frequentemente duas, três, quatro casas. Muitos vivem num padrão ostensivo de consumo. Também há muitos subsídios à indústria petrolífera, em comparação ao que há para energia renovável, se é que há algum neste caso. Não é uma surpresa, porque a nova economia não tem poder político.

O senhor é otimista com a possibilidade de fazermos a transição para esse novo modelo de desenvolvimento?

SACHS: A indústria petrolífera é o mais poderoso lobby nos EUA e no mundo. Trata-se de uma dura batalha, e não estamos ganhando. Não acho que haja alguém muito otimista, pois as coisas não vão bem. O clima já está mudando e já perdemos muitas oportunidades. Temos algumas iniciativas, mas frágeis. A Rio 92 foi um grande sucesso do ponto de vista da legislação internacional, com três tratados sensacionais em mudança climática, biodiversidade e desertificação, mas nenhum dos acordos foi posto em prática.

Por que é tão difícil colocar os acordos em prática?

SACHS: A legislação internacional é um instrumento muito fraco, mas é o único que temos. Não temos um regime de sanções. Tratados são obrigações que os Estados Unidos, por exemplo, simplesmente ignoram quase completamente. Desde a Rio 92, que aconteceu há duas décadas, (os tratados) estiveram nas mãos de advogados, que argumentam sobre o significado de cada palavra. Não estiveram nas mãos de engenheiros, que realmente fazem algo sobre essas questões. Uma das maneiras pelas quais eu espero acabar com este gargalo é tirar esse assunto, na próxima fase (de mudança de padrões), das mãos dos advogados e tentar colocá-lo nas mãos de uma rede global de cientistas e institutos que proponham soluções práticas para o que Brasil e EUA devem fazer. Se a opinião pública se animar com essa abordagem prática, talvez possamos fazer os políticos assumirem responsabilidade. Esta é uma área na qual vou trabalhar nos próximos três anos quase em tempo integral.

O senhor acredita que podem sair acordos concretos da Rio+20?

SACHS: Eu espero que os líderes firmem acordo em um grande tema: o mundo precisa de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs). Eles seriam implementados a partir do fim dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs, em 2015). Se isso for acordado, a Rio+20 será histórica. Se não tivermos nem os objetivos, continuaremos no caminho ruim.

Quais seriam os principais ODSs?

SACHS: Provavelmente, os líderes mundiais vão, na Rio+20, celebrar acordo sobre a necessidade dos objetivos. Depois disso teremos um ano de discussões para estabelecer quais são os objetivos, e a adoção das metas seria ratificada no âmbito das Nações Unidas em 2013. Na minha opinião, os ODSs deveriam ter quatro pilares. O primeiro seria concluir a erradicação da pobreza extrema. Diríamos que os ODMs foram tão bem-sucedidos que devemos ir até o final, para garantir que todos no mundo tenham uma vida decente. O segundo seria um conjunto de metas para sustentabilidade ambiental: um sistema energético de baixo carbono, fornecimento sustentável de comida e urbanização sustentável. O terceiro pilar seria sociedades inclusivas, mais igualitárias, sem deixar mulheres, pobres, minorias e regiões para trás. O quarto seria boa governança. Governos de todos os níveis, das comunidades locais à comunidade global, na ONU, devem se comprometer com o alcance do desenvolvimento sustentável. Muitas pessoas sentem que é um pouco ingênuo apenas declarar esses objetivos. Mas a minha experiência diz que declará-los já faz diferença. Vejo os ODSs como complementares aos tratados. Os objetivos são para a sociedade, não para os advogados. Isso é importante porque a sociedade pode se mobilizar e dizer “não gostamos muito dos nossos políticos, não somos advogados, não sabemos o que esta ou aquela palavra significa, mas nos importamos com as vidas de todos e queremos que esses objetivos se concretizem”. E esta é uma força muito mais poderosa do que fazer valer tratados. Por isso precisamos engajar a sociedade civil global nos ODSs.

O senhor crê que a Rio+20 é uma boa oportunidade para esta mobilização?

SACHS: Acredito, pois é a única oportunidade que teremos de sermos bem-sucedidos!

E o Brasil, com sua nova classe média consumindo cada vez mais e suas vastas fontes de recursos naturais, qual contribuição pode dar para mudarmos o padrão atual de desenvolvimento?

SACHS: O Brasil tem essa imensa realidade, que é ser uma crescente potência da economia mundial, ter larga participação em assuntos como comida, minerais e energia e liderança em tecnologias de ponta, como a fabricação de aeronaves. O Brasil é, inevitavelmente, um ator importante. E tem uma característica única de ter tudo isso acontecendo em um lugar único em nosso planeta, de incrível biodiversidade, belezas naturais e vulnerabilidades. De uma certa forma, o Brasil é a epítome do desafio do desenvolvimento sustentável. Isso é inescapável para o país, que cada vez mais entende que, se o mundo não fizer sua parte, nem o trabalho interno poderá salvar o Brasil. Por ser esse país tão grande, importante e único, o Brasil tem a responsabilidade da liderança (global). Ao ser anfitrião das duas conferências ambientais mais importantes em duas gerações, a oportunidade está dada e é agora.

* Esta entrevista foi antecipada no vespertino para tablet Globo a Mais


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/rio20/taxar-os-ricos-crucial-para-modelo-de-desenvolvimento-sustentavel-afirma-economista-4683736#ixzz1sU2F0EdO

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Uma Teoria Bem Humorada sobre a formação da Terra

Espaço Aberto: Uma Teoria Bem Humorada sobre a formação da Terra

Holanda já recicla 80% do lixo

Três décadas de políticas claras praticamente eliminaram aterros sanitários e incineradores. Brasil desafiado a implementar Plando de Nacional de Resíduos Sólidos




Por Estevam Elli Muniz, na Rede Brasil Atual



Na Holanda, 80% dos resíduos sólidos são reciclados, 16%, incinerados, e somente 4% destinados a aterros sanitários. Desde 1970, o governo holandês e empresários investem em soluções ambientais eficientes para um país que tem condições geográficas impróprias para o desperdício do lixo. € 250 são cobrados, por ano, de cada residência para que tenham um sistema de coleta e destinação eficaz. Há uma associação nacional que auxilia as municipalidades, responsáveis diretas pela remoção dos resíduos. E tanto o governo como os produtores são encarregados de dar destinação adequada do lixo.

O relato foi apresentado na terça-feira (10), na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), onde foi realizado o seminário “Gerenciamento de Resíduos Sólidos: A Experiência Holandesa”.O evento teve a presença da ministra de Infraestrutura e Meio Ambiente da Holanda, Melanie Schultz van Haegen-Maas Geesteranus, juntamente com representantes da NL Agency, agência do Ministério de Assuntos Econômicos, Agricultura e Inovação dos Países Baixos (Holanda). A comitiva teve ainda integrantes da NVRD, uma associação nacional holandesa que auxilia as municipalidades na administração dos resíduos, além de executivos de diversas empresas daquele país que desenvolvem trabalhos com aproveitamento de resíduos.

As características geográficas da Holanda e o tamanho de seu território impulsionaram a criação de alternativas para o aproveitamento do material descartado. Cerca de 30% da área total da Holanda está abaixo do nível do mar. Portanto, a escavação da terra para a criação de aterros é inviável em boa parte do território. Além disso, por ser um país pequeno, os espaços disponíveis tornaram-se cada vez menores desde o início do século passado. Naturalmente, os custos associados aos aterros foram subindo progressivamente.

“Os aterros sanitários deveriam ser menos atrativos e mais caros”, disse Herman Huisman, executivo da NL Agency, como sugestão para o Brasil. O encarecimento desses espaços não deu outra opção às cidades a não ser optar pela reciclagem e pela incineração. Cada vez mais, há contêineres subterrâneos para abrigar os resíduos, de acordo com Maarten Goorhuis, da NVRD.

Mas o governo holandês também elevou os impostos para os aterros sanitários. “Como municipalidade, você seria sábio se organizasse sistemas de reciclagem. Nós tornamos o desperdício de lixo relativamente caro, então a coleta separada e a reciclagem é mais barata”, diz Goorhuis em entrevista.

Como no Brasil, cabe aos municípios holandeses desenvolver um sistema de coleta de lixo. Por lá, há uma taxa aplicada em diferentes faixas pela coleta do lixo. “Os preços podem ser estabelecidos por peso, por tamanho, por frequencia da coleta ou pela combinação desses fatores”, explica Goorhuis. Mas, nacionalmente, cobra-se 250€, anualmente, por residência.

O governo nacional certifica-se que os resíduos não sejam levados a lugares indesejáveis, e também há uma política de destinação de resíduos biológicos, mas são os municípios que elaboram de fato uma política de coleta. “O que você vê é que as municipalidades usam mais ou menos os mesmos sistemas, construindo mais pelas experiências do que por uma política nacional”, diz ele. Uma boa legislação, entretanto, de acordo com Goorhuis, é fundamental.

A responsabilidade compartilhada também contribuiu para os bons resultados da Holanda. “Para os tipos de resíduos cuja reciclagem não é mais barata que o desperdício, nós introduzimos a responsabilidade compartilhada para assegurar que, ainda que o mercado não tome cuidado com a reciclagem, os produtores o farão”, afirma.

No Brasil, em 2010 foi implantada a Política Nacional dos Resíduos Sólidos, a PNRS. Ela aplica o princípio da responsabilidade compartilhada entre as três esferas de governo, cidadãos e iniciativa privada. Até 2014, os municípios terão de se adaptar a ela. Com ela, não só o governo, mas os produtores e os consumidores serão responsáveis pela destinação do lixo, também.

Para Huisman, da NL Agency, o prazo da PNRS estabelecido pelo governo brasileiro é ousado. “O tempo é bastante limitado para que vocês possam atingir os altos objetivos estabelecidos pela lei. É uma tarefa bastante difícil. Todas as cidades e Estados deverão ter elaborado um plano de resíduos sólidos neste verão, uma transição bastante audaciosa”, comentou.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Código florestal em roleta russa



Por José Eli da Veiga - Valor 17/04

Há três motivos para que o jogo da roleta russa seja ótima metáfora para caracterizar a revogação do quase-cinquentão "Novo Código Florestal": um precedente, o processo decisório, e, sobretudo, as consequências, que em grande parte sobrarão para os agricultores.

O precedente não deveria ser tão desconhecido. Há cinco anos os legisladores da Rússia ignoraram os pareceres científicos contrários ao relaxamento das regras de conservação que até então haviam garantido a proteção das florestas de seus imensos biomas. Lá como aqui, o presidencialismo de coalizão não deu bola para a séria advertência dos pesquisadores: reduzir a cobertura florestal iria perturbar o ciclo hidrológico, aumentando secas drásticas e a frequência de outros eventos climáticos extremos.

A imprudente nova lei foi promulgada sem vetos pelo presidente Vladimir Putin. Então, por incrível que pareça, bastaram cinco anos para que o país fosse assolado por inédita onda de incêndios, que tornou o ar de Moscou quase irrespirável, gerando pânico sobre a possibilidade de imenso incêndio metropolitano. Simultaneamente foram afetadas as colheitas, com perda de um quinto na de trigo.

Tão ou mais importante é registrar que não foram necessários mais do que esses cinco anos para que a mídia russa passasse a tratar de "profetas" os cientistas que haviam alertado para os riscos de retrocessos na preservação florestal. Narrativa mais detalhada sobre tão arrepiante presságio fecha o ótimo ensaio do jornalista Leão Serva para o livreto Análise, publicado em março pelo WWF-Brasil: "Congresso brasileiro vai anistiar redução de florestas em pleno século XXI?"

Em quanto tempo também serão consideradas proféticas as manifestações conjuntas da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) sobre os temerários retrocessos aprovados pela Câmara em 24 de maio, e pelo Senado em 6 de dezembro? Quanto tempo será exigido para que se tornem profecias os conteúdos do livro "Código Florestal e a Ciência; Contribuições para o Diálogo" e de sua brochura complementar "O que nossos legisladores ainda precisam saber"?

Ou será que, para o bem de todos e felicidade geral da nação, essa sombra do exemplo russo poderia ajudar a presidente Dilma Rousseff a evitar erro tão grave e primário quanto o de Putin?

O segundo motivo para a metáfora da roleta russa está nos procedimentos do processo decisório que levará à revogação do Código. Com realce para o principal expediente anti-democrático que está sendo usado por representantes da especulação fundiária na Câmara contra seus pares, que ofende a opinião pública: só apresentar o relatório a ser votado às vésperas da decisão. Existirá algum outro parlamento que aceite ser constrangido a se pronunciar sobre matéria tão complexa sem que tenha havido tempo para cuidadoso exame do texto que será submetido à votação?

Foi exatamente o que ocorreu na Câmara em 24 de maio, quando muitos deputados votaram a favor de projeto que agora chamam de "monstrengo". E não foi diferente no Senado em 6 de dezembro, quando um equivocado rolo compressor impediu que se desse a devida atenção a três preocupações básicas e de bom-senso: a) não consolidar invasões de áreas de preservação permanente (APP) por simulacros de pastagens; b) não passar por cima da Lei de Crimes Ambientais (9.605 de 12/02/1998), c) nem ignorar a Lei da Agricultura Familiar (11.326 de 24/07/2006).

Catastrófico agravante será a confirmação do furo da "Folha de S. Paulo" de sábado (14 de abril): o indulto aos desmatamentos de APP de beira-rio poderia abranger todos os imóveis rurais de até 15 módulos. Como eles ocupam cerca de metade da área total dos imóveis rurais, seriam uns 280 milhões de hectares, dos quais apenas 80 milhões estão com agricultores familiares.

O terceiro e mais dramático motivo para se evocar a roleta russa tem a ver com as consequências práticas da revogação do "Novo Código Florestal de 1965" por lei cujo principal efeito será um amplo e irrestrito respaldo aos especuladores fundiários. Se o grosso dos produtores agrícolas está dando entusiástico apoio à demagogia de pretensas lideranças ruralistas é porque considera os fiscais do Ibama muito piores que satanás. Esses incautos agricultores estão supondo que a aprovação do novo monstrengo os livrará das dores de cabeça sobre o que fazer em APP, ou sobre o respeito à reserva legal (RL). Ledo engano. Se conhecessem o substitutivo do Senado, assim como algumas das emendas que serão propostas pelo misterioso relatório à Câmara, perceberiam que não haverá advogados suficientes para que tentem se defender de sanções por eventuais suspeitas de irregularidades.

Em suma: a incrível ironia da história é que os verdadeiros agricultores já deveriam estar torcendo para que seja bem arguida junto ao STF a inconstitucionalidade desse novo mostrengo que os deputados federais estão prestes a aprovar, mais uma vez de olhos vendados. Alguns de nariz tapado.



José Eli da Veiga, professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ)

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Rio+20 e a governança ambiental global



Por Alcindo Gonçalves - Valor 11/04

Cresce a expectativa em torno da Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que acontecerá em junho no Rio de Janeiro. Diante da importância que o meio ambiente assumiu na agenda internacional, decisões relevantes são esperadas, de maneira a promover, de modo significativo, o desenvolvimento sustentável no planeta.

Um dos temas que vem provocando interesse e controvérsia no documento base da Rio+20 diz respeito à governança dos temas ambientais na estrutura da ONU. Há consenso sobre sua prioridade nas discussões; subsistem, entretanto, dúvidas e divergências quanto ao formato que ela deve assumir. De um lado, países europeus defendem a criação de uma organização internacional, a Organização Mundial do Meio Ambiental (OMMA) que, nos moldes de outras entidades (Organização Mundial do Comércio, Organização Mundial da Saúde), substituiria o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), criado em 1972, na Conferência de Estocolmo. Segundo seus defensores, tal ação fortaleceria politicamente o organismo, aumentaria seu orçamento e tornaria suas decisões muito mais efetivas no âmbito internacional. Em posição oposta, estão aqueles que rejeitam mais um órgão burocrático, que poderia interferir em políticas internas e até encobrir ações protecionistas de países ricos.

Mas, afinal, o que de fato significa governança ambiental global? Trata-se de uma expressão repetida com frequência nos últimos tempos, mas nem sempre compreendida em sua devida dimensão. Grosso modo, poder-se-ia defini-la como a arquitetura do sistema de gestão internacional do meio ambiente. A palavra arquitetura é bem expressiva, na medida em que traduz o desenho da organização e o projeto de administração dos problemas relativos ao meio ambiente, especialmente no que diz respeito à forma com que eles serão tratados.

Governança é, porém, mais do que um simples conjunto de formatos de gestão. Na realidade, ela se desdobra em quatro planos, que a definem de modo muito mais preciso. Em primeiro lugar, é preciso não perder de vista, quando se menciona a governança global, seu caráter instrumental. Ela é meio e processo capaz de produzir resultados eficazes. É ferramenta importante para a solução de problemas globais, ao mesmo tempo em que sua efetivação desencadeia processos (muitas vezes longos e complexos) através dos quais as questões envolvidas são tratadas. Nessa linha, a Comissão sobre Governança Global, criada pela ONU no começo dos anos 1990, definiu governança como "a totalidade das maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições, públicas e privadas, administram seus problemas comuns".

Governança só existe com participação ampliada em todos os processos (diagnósticos e estudos preliminares, articulação de interesses, discussão dos problemas, análise das alternativas, tomada de decisões, implementação e monitoramento/controle). Nesse segundo importante ponto, fica evidente que a governança se distingue dos mecanismos clássicos do Direito Internacional (onde apenas sujeitos de direito, como os Estados nacionais ou as Organizações Internacionais, participam). A efetiva Governança Ambiental Global exige, portanto, a presença e o envolvimento ativo de Estados e organismos internacionais ao lado da sociedade civil, representada pelas organizações não governamentais (ONGs), empresas transnacionais e a comunidade científica.

Enquanto as ações governamentais são baseadas na coerção, na obrigação de cumprir, os fundamentos da governança estão no consenso e na cooperação. Esse é o terceiro aspecto que caracteriza os processos que envolvem os diferentes atores na efetivação da Governança Ambiental Global. Mesmo em face de divergências (como entre países ricos e em desenvolvimento na questão das mudanças climáticas e redução da emissão de gases de efeito estufa, ou nas disputas entre empresas e ONGs), o objetivo central é sempre construir pontos comuns capazes de trazer avanços, em muitos casos para superar a anarquia do sistema internacional ou minimizar dilemas de ação coletiva, onde alguns buscam evitar os custos de cooperar sem deixar de usufruir dos benefícios.
Finalmente, não há governança sem um conjunto de instituições internacionais, ou seja, de princípios, regras e normas, formais ou informais, que buscam dar conta dos problemas, balizar comportamentos e estabelecer metas para controle e limitação de ações predatórias ou ameaçadoras ao meio ambiente.

Pôr em pé o edifício da Governança Ambiental Global é tarefa inadiável da agenda internacional. Sem ela, é impossível imaginar a possibilidade de avanço na proteção do meio ambiente e no desenvolvimento sustentável. A Organização Mundial do Meio Ambiente pode ser um elemento importante para sua construção. Não é, porém, o único caminho. Nesse sentido, a posição da diplomacia brasileira é interessante e realista. Critica a criação de uma agência ambiental mundial, como ressaltou o embaixador André Corrêa do Lago em entrevista ao Valor (16/2/2012), mas aponta uma alternativa: uma agência internacional sobre desenvolvimento sustentável, para tratar de modo equilibrado e simultâneo problemas econômicos, ambientais e sociais.

Meio ambiente não é um problema isolado, que diz respeito exclusivamente a questões de poluição, biodiversidade ou mudanças climáticas. Por meio da ideia do desenvolvimento sustentável, o ambiente articula-se com as várias dimensões: cultural, política, econômica e social. E, durante a Rio+20, é preciso não esquecer, em nenhum momento, que a Governança Ambiental Global é o meio essencial para sua promoção.



Alcindo Gonçalves é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e coordenador do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu da Universidade Católica de Santos.