terça-feira, 27 de dezembro de 2011
domingo, 25 de dezembro de 2011
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
Terra indígena é o próximo alvo dos ruralistas
Por Caio Junqueira De Brasília - Valor 08/12
Após a aprovação do Código Florestal no Senado e sua provável aprovação em tramitação na Câmara, para onde volta porque houve modificações do texto, a bancada ruralista no Congresso Nacional se mobiliza para mais um embate com ambientalistas. Trata-se da proposta de emenda constitucional (PEC) 215, que transfere do Executivo para o Legislativo a competência exclusiva para aprovar a demarcação das terras indígenas e ratificar as demarcações já homologadas. Também estende essa prerrogativa na demarcação de áreas de conservação ambiental e terras quilombolas.
A discussão sobre a PEC parou ontem e anteontem os trabalhos da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, onde a proposta atualmente tramita. Os ruralistas lotaram as sessões e conseguiram aprovar um requerimento de inclusão da PEC na pauta, que foi aprovado. Com ampla maioria, estava prestes a ser votado quando deputados do PT mobilizaram o ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo que, por sua vez, acionou o líder do governo na Casa, Cândido Vaccarezza, para tentar impedir a apreciação.
"Vim aqui a pedido do Ministério da Justiça para que esta votação não seja realizada hoje. Minha proposta é que discutamos a PEC ainda neste ano com o ministro e na primeira sessão da CCJ em 2012 ela seja votada. E se ela for aprovada, viabilizaremos a comissão especial para discuti-la", afirmou. Embora com alguma discordância, os ruralistas concordaram. Mas já elegeram a PEC como prioridade para 2012.
"Aprendemos com o Código Florestal que temos de enfrentar os problemas aqui, ser pró-ativos. Esse projeto ficou barrado aqui com muitas manobras, principalmente do PT e dos setores ligados à Igreja", afirmou ao Valor o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Moreira Mendes (PSD-RO).
Apresentada em 2000 pelo empresário rural e deputado Almir Sá (hoje no PR de Roraima), foi primeiro relatada pelo padre e atual deputado Luiz Couto (PT-PB), que pediu sua inadmissibilidade. Acabou não sendo votada e, em consequência, arquivada. Mas já na última legislatura os ruralistas pediram seu requerimento. Um novo relator, Geraldo Pudim (PMDB-RJ), foi designado, e apresentou parecer favorável à PEC. Só que novamente foi remetida ao arquivo, sem apreciação.
Em fevereiro foi mais uma vez desarquivada e em maio foi designado o novo relator, Osmar Serraglio (PMDB-PR), também vice-líder do governo. Em seu parecer, ele acabou por se manifestar pela admissibilidade da PEC 215 e de outras 11, sendo nove semelhantes a ela e duas que pretendem permitir ao Congresso que, além das terras indígenas, também seja responsável pela demarcação de terras quilombolas e de unidades de conservação ambiental.
Foi a senha para que os petistas na CCJ se revoltassem. "Eles querem avançar sobre novas terras e vêm com a justificativa de que tudo ocorre à revelia. Estão com raiva porque, no modelo atual, o Estado atribui para si essa responsabilidade de demarcar e homologar essas terras", afirmou Sibá Machado (PT-AC). "A PEC é inconstitucional porque fere o princípio da separação de poderes a partir do momento em que dá ao Congresso uma função que é do Executivo. Além disso viola direitos e garantias individuais", disse Alessandro Molon (PT-RJ).
Os ruralistas apontam aí uma reação "ideológica" do PT. "A CCJ não discute o mérito, só a admissibilidade. O mérito será discutido em uma comissão especial, por se tratar de emenda constitucional", disse Moreira Mendes. Ele afirmou também que "há uma criação indiscriminada de terras indígenas no país" e que "cada reserva indígena que se cria resolve-se o problema de meia dúzia de índios mas cria problemas a milhares de outras pessoas". Para o deputado Vilson Covatti (PP-RS), a demarcação de terras é feita hoje de forma unilateral. "Um antropólogo nomeado pela Funai é quem decide. Tem área escolhida que índio nunca habitou."
Ambientalistas farão pressão sobre Dilma
De Brasília
O retorno do Código Florestal à Câmara dos Deputados, uma vez que foi aprovado com modificações pelo Senado, na noite de terça-feira, deve reiniciar a disputa entre ruralistas e ambientalistas que marcou a tramitação do projeto no primeiro semestre deste ano. O motivo é que os ruralistas querem alterar pelo menos quatro artigos aprovados pelos senadores, enquanto os ambientalistas, em menor número, desistiram de atuar no Congresso e pretendem apresentar à presidente Dilma Rousseff suas sugestões de veto.
Ontem à tarde, enquanto aguardavam a chegada do texto aprovado no Senado, os principais expoentes da bancada ruralista se reuniam na sala da Comissão de Agricultura para traçar a estratégia. O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Moreira Mendes (PSD-RO), defendia que o texto seja aprovado na Câmara ainda neste mês e que sejam alterados quatro artigos.
A começar pelos oito princípios arrolados no primeiro artigo do projeto. "Toda lei deve começar com um enunciado, dizer para que se destina. Meu receio é que venha o Ministério Público e interprete a aplicação da lei de acordo com esses princípios", disse Mendes. Ele também defende que sejam retirados do texto duas emendas do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), uma que confere competência ao comitê de bacias para aumentar as Áreas de Preservação Ambiental (APPs) e outra que diz que APPs dentro de áreas de conservação não podem ser consolidadas. Segundo ele, a quarta emenda foi proposta pelo senador Blairo Maggi (PDT-MT) e determina que quem desmatou após 2008 tem que parar de utilizar a área e comprovar seu processo de recuperação.
Com ampla maioria na Casa, sua expectativa é de que consigam aprovar essas alterações. Ainda mais porque há um acordo sendo feito de que o novo relator do código na Câmara será um deputado do PMDB, bancada que concentra boa parte de ruralistas da Câmara. Os nomes citados são de Celso Maldaner (SC), Edinho Bez (SC), Paulo Piau (MG) e Valdir Colatto (SC).
Entretanto, para o deputado Sarney Filho (PV-MA), líder do PV na Câmara, qualquer alteração no texto que sinalize maior prejuízo ao ambiente deverá ser vetado pela presidente Dilma Rousseff. "Se eles resolverem voltar ao projeto original, haverá veto, na hora, não tenho a menor dúvida", disse. Ele afirmou ainda que o partido deve ler um manifesto no momento da votação e se retirar do plenário. O que mostra que a estratégia agora está no Palácio do Planalto: é convencer Dilma a vetar os trechos que os ambientalistas consideram equivocados. "Não há muito o que fazer, somos minoria. Agora é colocar para a presidente a responsabilidade." (CJ)
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
Senado aprova texto-base do Código Florestal com concessões a ruralistas
Por Raquel Ulhôa | De Brasília - Valor 07/12
Após cerca de cinco horas de discussão e negociações finais entre o relator, Jorge Viana (PT-AC), e a bancada ruralista, o plenário do Senado aprovou às 22h, em votação simbólica, o substitutivo elaborado em conjunto com o senador Luiz Henrique (PMDB-SC). Houve pedido de verificação de nominal dos votos e o placar indicou 59 votos a favor e sete contra o parecer. Às 22h30 ainda faltava a votação dos destaques.
Ao longo do dia, houve intensa negociação no próprio plenário. Viana acolheu duas emendas do setor rural. Uma trata da proteção das bacias hidrográficas consideradas "críticas". Nesse caso, a consolidação das atividades rurais nessas áreas será decidida pelo Poder Executivo local, em vez do comitê de bacia competente.
A outra emenda, reivindicação da bancada ruralista, trata dos biomas apicuns e salgados - pertencente aos manguezais. A emenda manteve a permissão de criação de camarão e extração de sal nessas áreas até 22 de julho de 2008. A partir daí, será permitida as atividades em 10% na Amazônia e 35% nas demais regiões do país.
No discurso, Viana afirmou que o código proposto "não tem trela para desmatador", mas "estende a mão para o produtor que quer sair da ilegalidade". O substitutivo obriga a recomposição de mata ciliar na margem dos rios. A área a ser recomposta tem que ser de 15 metros em caso de curso d'água de até dez metros de largura e nos rios mais largos, tem que ser correspondente à metade da largura do rio (sendo no mínimo 30 metros e no máximo 100 metros). Como está sendo alterado, o projeto retornará à Câmara.
O texto, negociado com o Ministério do Meio Ambiente e os ruralistas, foi votado sem o ambiente conflituoso da sessão na Câmara dos Deputados.
Antes da discussão do código, houve um embate verbal entre o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e o líder do DEM, Demóstenes Torres (GO). O episódio começou quando o governo conseguiu aprovar - por 36 votos a favor e 19 contra- inversão da pauta de votações, colocando a proposta de emenda constitucional (PEC) da Desvinculação de Receitas da União (DRU) em primeiro lugar.
O líder do DEM cobrou de Sarney que, em vez do Código Florestal, fosse votado o projeto da regulamentação da Emenda Constitucional 29, que fixa percentuais mínimos que os governos têm de investir em saúde. Essa proposta tramita em regime de urgência, assim como o Código Florestal, e era o primeiro item da pauta. Demóstenes criticou a condução de Sarney, que estaria descumprindo acordo feito na semana passada. Acusou Sarney e governo de "burlarem de maneira torpe o entendimento que fizemos".
Irritado, Sarney pediu que a palavra "torpe" fosse retirada das notas taquigráficas e, ao descer da Mesa, aproximou-se de Demóstenes e, dedo em riste, cobrou desculpas. "Vossa excelência me deve desculpas. Me respeite", disse. Logo depois, o líder do DEM, ao microfone, pediu desculpas a Sarney.
Com a decisão da presidente Dilma Rousseff de não negociar aumento de recursos para a saúde em troca da votação da DRU, o governo vai propor hoje a retirada da urgência do projeto que trata da regulamentação da emenda da saúde. Vários senadores da base querem votar a favor da proposta original, que amplia o percentual que a União tem que investir no setor. O governo é contra. Por isso, a votação desse projeto deve ficar para o próximo ano.
Após cerca de cinco horas de discussão e negociações finais entre o relator, Jorge Viana (PT-AC), e a bancada ruralista, o plenário do Senado aprovou às 22h, em votação simbólica, o substitutivo elaborado em conjunto com o senador Luiz Henrique (PMDB-SC). Houve pedido de verificação de nominal dos votos e o placar indicou 59 votos a favor e sete contra o parecer. Às 22h30 ainda faltava a votação dos destaques.
Ao longo do dia, houve intensa negociação no próprio plenário. Viana acolheu duas emendas do setor rural. Uma trata da proteção das bacias hidrográficas consideradas "críticas". Nesse caso, a consolidação das atividades rurais nessas áreas será decidida pelo Poder Executivo local, em vez do comitê de bacia competente.
A outra emenda, reivindicação da bancada ruralista, trata dos biomas apicuns e salgados - pertencente aos manguezais. A emenda manteve a permissão de criação de camarão e extração de sal nessas áreas até 22 de julho de 2008. A partir daí, será permitida as atividades em 10% na Amazônia e 35% nas demais regiões do país.
No discurso, Viana afirmou que o código proposto "não tem trela para desmatador", mas "estende a mão para o produtor que quer sair da ilegalidade". O substitutivo obriga a recomposição de mata ciliar na margem dos rios. A área a ser recomposta tem que ser de 15 metros em caso de curso d'água de até dez metros de largura e nos rios mais largos, tem que ser correspondente à metade da largura do rio (sendo no mínimo 30 metros e no máximo 100 metros). Como está sendo alterado, o projeto retornará à Câmara.
O texto, negociado com o Ministério do Meio Ambiente e os ruralistas, foi votado sem o ambiente conflituoso da sessão na Câmara dos Deputados.
Antes da discussão do código, houve um embate verbal entre o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e o líder do DEM, Demóstenes Torres (GO). O episódio começou quando o governo conseguiu aprovar - por 36 votos a favor e 19 contra- inversão da pauta de votações, colocando a proposta de emenda constitucional (PEC) da Desvinculação de Receitas da União (DRU) em primeiro lugar.
O líder do DEM cobrou de Sarney que, em vez do Código Florestal, fosse votado o projeto da regulamentação da Emenda Constitucional 29, que fixa percentuais mínimos que os governos têm de investir em saúde. Essa proposta tramita em regime de urgência, assim como o Código Florestal, e era o primeiro item da pauta. Demóstenes criticou a condução de Sarney, que estaria descumprindo acordo feito na semana passada. Acusou Sarney e governo de "burlarem de maneira torpe o entendimento que fizemos".
Irritado, Sarney pediu que a palavra "torpe" fosse retirada das notas taquigráficas e, ao descer da Mesa, aproximou-se de Demóstenes e, dedo em riste, cobrou desculpas. "Vossa excelência me deve desculpas. Me respeite", disse. Logo depois, o líder do DEM, ao microfone, pediu desculpas a Sarney.
Com a decisão da presidente Dilma Rousseff de não negociar aumento de recursos para a saúde em troca da votação da DRU, o governo vai propor hoje a retirada da urgência do projeto que trata da regulamentação da emenda da saúde. Vários senadores da base querem votar a favor da proposta original, que amplia o percentual que a União tem que investir no setor. O governo é contra. Por isso, a votação desse projeto deve ficar para o próximo ano.
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
Chevron enfrenta problemas para cimentar poço
Por Cláudia Schüffner | Do Rio - Valor 5/12
Além de ter a licença de perfuração cassada sob acusação de negligência e um poço interditado depois do vazamento em Frade, que vai reduzir em 7 mil barris diários a produção da área, a Chevron está enfrentando problemas técnicos no programa de "abandono" do poço. O abandono é a cimentação dos 2.145 metros de área perfurada através da colocação de tampões de cimento alternadamente.
Procurada desde a quarta-feira, a empresa americana não respondeu às perguntas sobre os procedimentos adotados até agora. Informou apenas que instalou o segundo tampão e no dia 1º de dezembro foi realizado outro teste para avaliar a cimentação, cujos resultados estão sendo interpretados. Só então a empresa vai passar para a próxima etapa.
A Chevron não informa quantos tampões estão previstos nem os prazos com os quais trabalha para encerrar a cimentação do poço. Fontes da indústria explicaram que em condições normais, o abandono de um poço na bacia de Campos é feito entre uma semana e 15 dias. É uma tecnologia dominada, mas a Chevron completou 20 dias de tentativas na sexta-feira - contados a partir do dia 13, quando apresentou o primeiro projeto aprovado em regime de urgência pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).
A lâmina d'água, que no caso do poço de Frade é de 1.184 metros, não é um fator tão importante no abandono como a profundidade do poço a partir do leito marinho. Quanto mais profundo, mais tempo leva. Considerando que claramente a Chevron está tendo problemas, a estimativa é que processo demore 30 dias, no mínimo.
O embaraço causado pela sequência de falhas operacionais da quarta maior empresa de petróleo no mundo ao operar na bacia de Campos também vem constrangendo outras companhias que operam no país. Na quinta-feira a ANP informou que um poço foi fechado porque a Chevron não notificou a presença de gás sulfídrico, como prevê o manual de segurança operacional da agência. "Qualquer um sabe que é necessário notificar a ANP e tomar as providências. É impressionante o que a Chevron está fazendo", disse um experiente executivo.
A avaliação é de que a inabilidade da companhia, principalmente com autoridades, coloca a indústria sob redobrada vigilância, o que é fato. Uma autoridade vai mais além ao avaliar que a Chevron fez "uma série de lambanças" no país. Já uma parte dos analistas ficou com a impressão de que há uma exagerada reação, que tem fundamento político.
Ricardo Corrêa, da Ativa Corretora, observa que a sociedade não tem meios para julgar o que aconteceu. "Mas é aí que entra a governança, a transparência das informações por parte da Chevron e também do governo. Eu gostaria de ter condições de fazer um julgamento. Se o incidente foi grave, talvez o mais importante seja o fato de os instrumentos financeiros de punição serem restritos e mal desenhados", afirma o analista.
Até agora a Chevron demonstrou pouco conhecimento sobre a regulamentação brasileira para operar no setor. Isso já vai custar uma das três multas que serão aplicadas pela ANP. Uma delas por não cumprir o plano de abandono aprovado pela agência.
O próprio presidente da Chevron para a África e América Latina, Ali Moshiri, não parece informado sobre requerimentos para importação de equipamentos. Ao justificar a decisão de mudar o primeiro projeto de abandono porque a empresa precisou de um cortador especial para a coluna de perfuração não disponível no país, ele afirmou que pode trazer equipamentos de qualquer parte do mundo rapidamente.
E questionou entendimento da ANP de que eles deveriam estar no Brasil no momento em que a perfuração começou. Moshiri citou a distância de seis horas entre Angola, na África, e o Brasil como exemplo de rapidez de acesso a equipamentos. A frase mostra desconhecimento dos procedimentos alfandegários. Um oficial da 7ª Região Fiscal da Receita Federal estima que um equipamento de grande porte demora de três a sete dias para entrar no país, desde que o processo inicial não tenha pendências. "Existe uma série de trâmites, tanto em casos de bens como de pessoas, como em qualquer país do mundo", disse. Em caso de emergência "com grave dano ao ambiente e ao contribuinte" como no caso de um vazamento de petróleo no mar, explicou, "o prazo pode ser menor, desde que se prove a emergência".
Os trâmites alfandegários variam de acordo com o regime de importação: para o equipamento que vai ficar no país é preciso uma Declaração de Importação (DI) no aeroporto ou no porto. Já sob o Regime Aduaneiro Especial de Exportação e Importação (Repetro), para bens sem similar nacional, o é preciso apresentar um Ato Declaratório da Divisão de Controle Aduaneiro (Diana). É o que mais demora, pois representa renúncia fiscal do país. O terceiro regime é a Admissão Temporária, para equipamentos que não vão ser importados nem nacionalizados.
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
Réquiem para o Código Florestal
Por José Eli da Veiga - Valor 25/11
Quem ganha ou perde com a lei que revogará o Código Florestal? O balanço já pode ser feito com base no extenso e intricado projeto que resultou de trâmite-relâmpago em quatro comissões do Senado. Talvez ajude os senadores dispostos a mitigar em plenário seus impactos mais nocivos.
Quem mais ganha são os bovinocultores, pois adquirem o direito de não devolver cobertura vegetal aos 44 milhões de hectares de áreas sensíveis em beiras de rio, encostas, topos de morro e nascentes, que foram invadidas por degradantes pastagens. Um crime de lesa humanidade, pois a ocorrência de pastos nessas áreas de preservação permanente (APP) desrespeita um dos mais básicos fundamentos das ciências agrárias e da economia socioambiental.
São infinitamente menos graves as implicações da análoga "consolidação" de atividades agrícolas ou florestais nos demais 11 milhões de hectares subtraídos às APP, pois na maioria dos casos ela não comprometerá as principais funções ecossistêmicas da manutenção de vegetação nativa, além de também não promover assoreamentos ou erosões. Por isso, as benesses aos tradicionais arrozeiros gaúchos, produtores catarinenses de maçã, cafeicultores mineiros, etc., não serão concedidas em detrimento do interesse nacional, público ou social. Não chega a haver conflito.
Na mesma toada, praticamente ninguém sairá perdendo com os dispositivos do projeto que facilitam as compensações das reservas legais (RL). Além de acabarem com a irracionalidade de impedir a exploração de terras de alta aptidão agrícola, também evitam as desvantagens da dispersão desses tesouros de biodiversidade em fragmentos isolados. Ao instituir a Cota de Reserva Ambiental e incentivar compensações em condomínios, o novo programa "PRA" estimulará o surgimento de mercados estaduais de compensações, atendendo tanto os interesses dos que devem respeitar as normas da "RL", quanto os interesses da coletividade.
Todavia, vai em direção oposta o tratamento "vip" oferecido a todos os proprietários de imóveis com área de até quatro módulos fiscais, em vez de restringir tais regalias apenas a esses pequenos empreendedores que se matam para garantir a educação dos filhos com a esquálida remuneração do árduo trabalho de sitiante. Grande parte dos imóveis com área de até quatro módulos fiscais são bucólicas chácaras de recreio de privilegiadas famílias urbanas. Com certeza, muitos dos membros do Congresso passam alguns de seus fins de semana em propriedades desse tipo, mesmo que não lhes pertençam, por serem de parentes ou amigos. O viés chega a ser escandaloso, pois tais imóveis nada têm a ver com aquilo que muitos parlamentares adoram chamar de "setor produtivo".
Também serão muito beneficiados todos os que cometeram desmatamentos ilegais no intervalo de dez anos entre o início da regulamentação da Lei de Crimes Ambientais e o odiado decreto do ex-presidente Lula, de 22 de julho de 2008, sobre infrações ambientais. Qual a razão da escolha dessa data, em vez de setembro de 1999, para demarcar a separação entre as normas atinentes ao chamado passivo ambiental das que o projeto propõe para o presente e o futuro? Quem são os diretamente interessados nesse expediente que joga o projeto na imoralidade? Por que a base parlamentar do governo Dilma temeria rejeitar tão asquerosa prerrogativa aos devastadores?
No geral, também sairão bem favorecidos os setores e ramos mais propensos à "absorção da proposta neocolonizadora da China", como diz Carlos Lessa, ou que defendem o "Brasil da Fama" (fazenda, mineração e maquiladoras), como diz Marcio Pochmann. É um projeto que atropela simultaneamente a política climática (PNMC), o Plano Brasil Maior, e o Documento de Contribuição Brasileira à Conferência Rio+20, pois se opõe - em gênero, número e grau - ao "Brasil do Vaco" (valor agregado e conhecimento). Aliás, chega mesmo a autorizar a Camex a adotar medidas de restrição às importações, contrariando o empenho da presidenta em impedir que pretextos ambientais levem a Rio+20 a legitimar mais obstáculos ao comércio internacional.
Apesar disso tudo, o Código Florestal terá um digno e respeitoso funeral se o plenário do Senado adotar apenas três simples, mas incisivas, intervenções cirúrgicas. Primeiro, excluir pastagens de todos os perdões oferecidos aos desmatamentos de APPs. Segundo, admitir tratamento preferencial apenas à agricultura familiar legalmente reconhecida, com repúdio a qualquer discriminação baseada em área de imóvel, seja ela medida em módulos fiscais ou em qualquer outra unidade. Terceiro, substituir o rancoroso símbolo político de 22 de julho de 2008 por uma data que ao menos faça algum sentido jurídico.
Se, ao contrário, a maioria se inclinar pela manutenção dessas três aberrações, a lei que revogará o Código Florestal será mais um grande estímulo à exportação barata dos recursos naturais concentrados na carne bovina. A exata negação do que reza o sétimo dos oito "princípios" que abrem o projeto: "fomentar a inovação em todas as suas vertentes".
José Eli da Veiga, professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ),
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
Feitos para não durar: oportunidades jogadas fora
Por João Amato Neto - Valor 23/11
Meses atrás notei que o rádio do meu sistema de som automotivo não estava funcionando. Após uma cansativa peregrinação, que durou algumas semanas e muitas oficinas de reparo (incluindo a da revendedora autorizada do veículo), fui convencido a desistir da ideia de recuperação daquele aparelho, de vida finada então, posto que não se encontrava o componente que havia sido danificado.
Outro fato marcante ocorreu-me quando da aquisição de uma televisão de tela plana. Questionado a respeito das garantias que deveriam acompanhar o aparelho, o atendente da loja surpreendeu-me com sua sinceridade: "Hoje em dia os aparelhos de TV já são projetados para não durar muito e, se houver algum defeito, pode jogar no lixo e comprar outro".
Há alguns anos foi o caso do aparelho de celular. Fui a uma loja autorizada da operadora dos serviços de telefonia questionar o valor da conta mensal dos serviços que, a meu ver, estava excessivamente elevado. Mais uma surpresa: o vendedor explicou-me que eu poderia optar por um plano mais econômico e ao mesmo tempo me ofereceu um novo aparelho com algumas novas funcionalidades - para as quais, aliás, eu não tinha qualquer necessidade. Mas, em função das "explicações técnicas" do vendedor, fui convencido a aceitar a promoção, pois aquele meu aparelho muito antigo (eu o havia comprado há dois anos!) tornar-se-ia logo obsoleto.
E o que dizer da produção de automóveis e aparelhos da linha branca (geladeiras, máquinas de lavar, forno de micro-ondas)? Não fogem à regra. Todos estes exemplos não devem ser entendidos como fenômenos isolados da prática empresarial, mas sim manifestações de uma filosofia de produção e consumo cuja mola propulsora é a obsolescência planejada, inserida na própria concepção e projeto dos produtos. A lógica é simples: encurtar a vida útil dos produtos para acelerar o ciclo "produção-consumo-descarte". Para isso as empresas planejam um portfólio de lançamentos, provocando de forma deliberada certo canibalismo dos seus próprios produtos, com a consequente substituição por novos modelos. Se essa lógica foi predominante sob o paradigma de produção em massa (fordismo) e ainda se mantém sob o paradigma da produção enxuta (toyotismo), o que dizer dos novos desafios dos modelos de produção e consumo sob a lógica da sustentabilidade, a emergente filosofia da gestão e da produção e a mais séria das vantagens competitivas.
Eis um aspecto que acredito de fundamental importância para o futuro da sociedade e que se origina de uma filosofia básica que norteia as estratégias empresariais de grandes corporações, principalmente as do setor de bens de consumo. Obsolescência planejada não é um termo novo, muito menos uma realidade sem precedentes. Em 1990, passei um mês de pesquisas e estudos no Japão, ainda centro das atenções e pujante berço de um "milagre" econômico cujo santo era a indústria eletroeletrônica. Berço também da Toyota, cuja planta fomos - uma equipe de vários países- visitar, para conhecer de perto as inovadoras formas de gestão lá implementadas: a base do paradigma de produção ágil, enxuta e flexível.
Mas não foi necessário organizar uma visita técnica para conhecer uma realidade talvez igualmente rica e para a qual a gestão e a produção pouco costumam olhar: o lixo. No lixo japonês, já há mais de duas décadas, componentes microeletrônicos e computadores dividiam o espaço com embalagens e outros materiais.
De lá para cá, porém, o Japão viria a se destacar como exemplo mundial na gestão do lixo. Por intermédio da Japan International Cooperation Agency (Jica), hoje o país lidera um programa internacional de várias frentes, abrangendo o desenvolvimento institucional e a formação de pessoas, criando entre as diversas ilhas do Pacífico uma rede de cooperação para a troca de experiências: casos como o de Shibushi, cidade localizada em Kagoshima, no sul do Japão, cujo aterro, em 1998, recebia 14 mil toneladas de lixo e, nove anos depois, albergava pouco mais de 2 mil toneladas, sendo as demais 8 mil recicladas, com uma redução de quase 4 mil toneladas de lixo (reciclado e não reciclado) entre 1998 e 2007.
De fato, esquecidos e soterrados sob os modelos convencionais do sistema "produção-consumo-descarte", os resíduos são, sob muitos aspectos, mais graves à vida humana do que a própria escassez de recursos naturais. Por isso, na estratégia dos 3 Rs (reduzir, reusar e, enfim, reciclar), surge um quarto: a remanufatura, indústria que já movimenta mais de US$ 14 bilhões nos Estados Unidos.
A gestão da produção e a economia, que sempre pensaram, de uma forma linear, na cadeia produtiva, até a chegada dos bens e serviços aos consumidores, precisam agora correr para garantir a passagem de volta. E nessa visão do bumerangue econômico, os problemas crescem na proporção da demanda de soluções inovadoras. Cenário que chama à oferta de novos serviços, abrindo espaço para o empreendedorismo sustentável.
Em especial, a remanufatura de vários produtos - mecânicos e eletrônicos, por exemplo - já pode ser considerada um campo de negócio rentável. Na realidade, são muitos os casos de empresas na Europa e América do Norte que estão obtendo lucros significativos com a venda de produtos e componentes remanufaturados, tais como telefones celulares e peças de automóveis, principalmente em mercados de países emergentes.
No Brasil, a Lei 12.305/10, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, sinaliza para os novos nichos de negócios a serem explorados na geração de soluções ambientais, como a logística reversa. A produção não é mais entendida como uma linha, mas como um ciclo, curva na qual o produto que chega ao consumidor tem que voltar às empresas para que lhe deem a destinação ambientalmente adequada. O lixo, afinal, passa a ter valor. E a produção, da linha à curva, chega à rede: novas empresas que podem especializar-se nesse setor e serem contratadas pelas grandes para cooperarem nesse desafio.
Produtos e negócios para não durarem podem apressar-se. A sustentabilidade veio para ficar.
João Amato Neto é professor titular e chefe do Departamento de Engenharia de Produção da Poli/USP e organizador do livro "Sustentabilidade & Produção: Teoria e Prática para uma Gestão Sustentável".
terça-feira, 22 de novembro de 2011
CHEVRON - Houve erros de cálculo na perfuração, admite companhia
Valor 22/11
A Chevron Brasil admitiu ontem dois erros de cálculo na perfuração que resultou no vazamento do poço no campo de Frade, na bacia de Campos. Segundo George Buck, principal executivo da empresa americana no Brasil, a Chevron subestimou a pressão do reservatório, que era mais alta do que o previsto, e superestimou a resistência da rocha, que se rompeu, criando as fissuras por onde o óleo vazou, a 1,8 km de distância do poço, já na área de Roncador, da Petrobras.
Fontes da indústria levantaram a hipótese de que o acidente possa ter sido provocado por descuido ou tentativa de economizar tempo e dinheiro. Isso porque a Chevron poderia ter levado a tubulação do revestimento até uma profundidade maior. O poço por onde o petróleo vazou tinha 2.279 metros, mas só foi revestido em 567 metros.
O acidente que causou fraturou da rocha indica que a Chevron poderia ter sido mais conservadora e levado a tubulação mais fundo, para reforçar a rocha. "A Chevron assumiu um risco enorme", disse um executivo do setor. Outro experiente técnico tem opinião parecida: "O revestimento provavelmente deveria ir até mais embaixo".
Ontem, durante uma entrevista tensa, em que Buck ameaçou por duas vezes se retirar da sala, o executivo informou que as fissuras na rocha não foram identificadas na sísmica feita no ano passado, o que leva a crer que elas podem ter sido provocadas pela movimentação para controlar o problema que surgiu durante a perfuração.
Existem três evidências que explicam o acidente, segundo Buck, das quais duas já são conhecidas pela Chevron. Houve um "kick" (expressão técnica para a subida indevida de óleo, gás ou água pelo poço) e um escape de óleo pela rocha. A Chevron ainda não está segura de como essa saída de óleo pela rocha aconteceu.
"Perfuramos o reservatório e a pressão encontrada foi maior que a prevista. A segunda evidência [de erro] é que a rocha era mais fraca do que avaliamos. A terceira é que o óleo encontrou um caminho até a superfície. Ainda não entendemos como", disse Buck. A Chevron estima em 2,4 mil barris (381,6 mil litros) o volume de óleo derramado no campo de Frade desde 7 de novembro, quando aconteceu o acidente.
Segen Estefen, diretor de tecnologia e inovação da Coppe-UFRJ, defende a formação de uma comissão independente e técnica para acompanhar eventuais vazamentos futuros de petróleo no mar territorial brasileiro. "O Brasil não pode viver com sobressaltos, devido a vazamentos de petróleo que poderão ocorrer no Brasil nas próximas duas décadas", afirmou. A comissão, que seria formada pela ANP, Marinha e Ibama, com assessoria da Coppe, poderia fazer monitoramento periódico das bacias via imagens de satélite.
Ontem, o secretário do Ambiente do Rio, Carlos Minc, disse que vai ingressar com ação civil pública contra a Chevron por danos à biodiversidade marinha, ecossistema costeiro e bens difusos. A multa pode chegar a R$ 100 milhões.
A Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e a Secretaria Estadual do Ambiente vão determinar à Chevron e à Transocean - dona da sonda de perfuração - uma auditoria de padrão internacional em todas as instalações delas no Rio. O objetivo é fiscalizar a capacidade das empresas de colocar os planos de emergência em ação.
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
Disputa territorial
Valor 17/11
Com votação prevista para dia 22 na Comissão do Meio Ambiente (CMA) do Senado, o projeto de reforma do Código Florestal entra no momento de decisão. Após ter sido aprovado em setembro na Comissão de Constituição e Justiça e, no início de novembro, nas de Agricultura e de Ciência e Tecnologia, o texto do projeto de lei complementar (PLC 30/2011) deve sofrer ajustes pelo relator Jorge Viana (PT-AC), para ser apresentado à CMA. Depois, segue para a votação no plenário do Senado e volta para a Câmara dos Deputados para exame das mudanças feitas pelos senadores, antes de seguir para a sanção ou veto presidencial. A perspectiva no Congresso é de que todo o trâmite possa ser concluído até o final do ano.
Até chegar aqui, o projeto que altera a lei ambiental em vigor desde 1965 - e que tem sua origem num decreto de 1934 do presidente Getúlio Vargas - passou por mais de um ano de debates acalorados, com muitas polarizações entre congressistas representantes do agronegócio e ambientalistas, além de outros grupos da sociedade civil. Não à toa, uma vez que o texto original da reforma, consolidado no relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), hoje ministro do Esporte, e que foi aprovado na Câmara dos Deputados no fim de maio, propôs mudanças significativas na mais importante legislação ambiental do país. Essas mudanças serão debatidas hoje no seminário "Código Florestal - Proteção ambiental e produção agrícola", que o Valor promove em São Paulo.
Por estabelecer as normas para a proteção da vegetação, uso da terra e dos ambientes naturais, o código envolve um grande número de interesses, econômicos, ambientais e sociais, muitas vezes conflitantes. Consenso entre os participantes do debate tem sido difícil, salvo na questão de que a reforma é necessária para que o código seja aperfeiçoado e adequado à nova realidade brasileira. Realidade que não pode deixar de considerar os 537 milhões de hectares de áreas com predomínio de vegetação natural existentes no país, boa parte delas sujeitas a impactos dessas alterações.
Nas mudanças do texto aprovado na Câmara dos Deputados, alguns pontos se tornaram polêmicos e pautam as discussões ainda no Senado. Entre elas as que dizem respeito à redução das áreas de preservação permanente (APPs) e de reserva legal (RL), estabelecidas pelo código em vigor.
Segundo a proposta, as APPs, áreas de vegetação nativa protegidas para conservação ao longo de rios e outros cursos d'água, nascentes, encostas e topos de morro sofreriam redução. No ponto mais polêmico está a diminuição da exigência de matas ciliares de 30 metros para 15 metros, no caso de rios de até 10 metros de largura, quando houver ocupação dessa área. Nesses casos, os proprietários são obrigados a recompor a área desmatada. Novas emendas que serão avaliadas na CMA ainda podem flexibilizar a obrigatoriedade de recomposição da área desmatada em propriedades pequenas e médias. Segundo estudo da equipe do professor Gerd Sparovek, da USP/Esalq, as APPs somariam hoje 103 milhoes de hectares, com um déficit de vegetação natural de 44 milhoes de hectares.
No caso da reserva legal, área da propriedade que deve ser mantida com sua vegetação original, mas onde são permitidas atividades de manejo sustentável, foram mantidos os percentuais que variam de acordo com a região (80% na Amazônia; no Cerrado, 35% e 20% nas demais regiões). No entanto, o projeto permite que o cálculo da reserva legal inclua a área de APP preservada ou em recomposição. Além disso, estabelece que imóveis rurais de até quatro módulos fiscais - medida que varia de 20 a 440 hectares, dependendo da região do país - ficam desobrigados de recompor o que foi desmatado antes de julho de 2008. Segundo dados do Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o total da área que pode ficar isenta de recuperação é superior a 29,5 milhões de hectares.
Também são polêmicas as alternativas de compensação de área de reserva legal no mesmo bioma e a delegação aos Estados da competência de legislar sobre o ambiente. Mas nenhum item causa tanto barulho quanto o que isenta proprietários rurais de multas previstas na Lei de Crimes Ambientais por uso irregular de áreas protegidas até julho de 2008. A própria presidente Dilma Roussef prometeu vetar a possibilidade de anistia a desmatadores.
Para o senador Jorge Viana, relator do projeto junto à CMA, e que trabalha em conjunto como o senador Luiz Henrique (PMDB-SC), relator nas comissões de Agricultura e Ciência e Tecnologia, os pontos polêmicos merecerão análise. "As questões que dizem respeito às APPs e à reserva legal são motivadoras para a revisão do código", diz. Ele diz que a questão das punições aos desmatadores na proposta aprovada na Câmara ainda gera insegurança jurídica ao não deixar claro como será resolvido o desmatamento já ocorrido. "Vamos corrigir esse problema do passivo ambiental", diz, mencionando a inclusão de mecanismos como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Programa de Regularização Ambiental para a recomposição de áreas desmatadas irregularmente.
Viana pretende incluir no relatório a questão do uso do solo urbano, que não foi discutida na Câmara. Segundo ele, em várias cidades a população corre riscos por conta de ocupações indevidas nas margens de rios e encostas. "São situações que exigem mudança no trato do uso do solo das cidades e no código de proteção dos mananciais de água."
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
Chevron enfrenta vazamento no campo de Frade
Por Cláudia Schüffner e Rafael Rosas | Do Rio - Valor 11/11
O primeiro vazamento de petróleo no alto-mar do Brasil depois do acidente de Macondo, no Golfo do México, foi protagonizado pela americana Chevron. A companhia passou a tarde tentando debelar o vazamento de meio barril de petróleo por hora na bacia de Campos, na área ao redor do campo de Frade. À noite, a Chevron calculava que 60 barris de óleo tinham chegado à superfície, sem detalhar os procedimentos que estavam sendo adotados para estancar o vazamento no fundo do mar. O poço fica a 370 quilômetros a nordeste da costa do Rio de Janeiro, em uma profundidade de 1.200 metros.
A Agência Nacional do Petróleo (ANP) informou que o acidente ocorreu na quarta-feira. Houve um descontrole da saída de gás (kick no jargão técnico) durante o procedimento de injeção do fluido de perfuração.
O trabalho estava sendo feito por técnicos da plataforma semissubmersível Sedco706, da Transocean. O equipamento para prevenção de explosões (BOP na sigla em inglês) funcionou mas a manobra com o conjunto de válvulas para "matar" o poço parece ter ativado uma falha na estrutura geológica.
Segundo a Chevron, os detalhes do vazamento foram observados por um veículo submarino operado à distância (ROV), que identificou que o óleo é proveniente de uma falha na superfície do fundo do mar, próxima ao Campo Frade. À noite, a empresa disse apenas que as investigações sobre as causas prosseguiam.
Magda Chambriard, diretora da ANP, informou que a Chevron espera cimentar o poço em 24 horas. Segundo a autoridade, a empresa acionou seu plano de emergência individual, que é obrigatório para se operar no Brasil. Apesar do acidente ter acontecido quarta-feira, a companhia só informou sobre o problema em sua página na internet nos Estados Unidos.
No Brasil, o primeiro alerta foi do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro), ainda na quarta. Ontem só quem teve a informação e pediu detalhes recebeu uma nota curta durante todo o dia e que foi atualizada por volta das 20h.
O campo de Frade é o oitavo maior produtor do país individualmente. Em setembro ele produziu 74,768 mil barris de óleo e 899,35 mil metros cúbicos de gás. Na lista de 20 maiores produtores do país, apenas três campos não são operados pela Petrobras. Além de Frade estão na lista Ostra (Shell) e Peregrino (Statoil).
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
Brasil começa a "turbinar" a Rio+20
Valor 10/11
Durante alguns dias de junho do ano que vem, no Riocentro, políticos de mais de 190 países estarão procurando revitalizar o combalido sistema multilateral das Nações Unidas com a pauta do desenvolvimento sustentável. Do lado de fora, mais concentrados no aterro do Flamengo, milhares de estudantes, índios, empresários, ambientalistas, agricultores, sindicalistas, mulheres, cientistas e todos que cabem no guarda-chuva "sociedade civil", não são governo central e têm algo a reivindicar, estarão fazendo suas manifestações sociais, ambientais e econômicas. Muitos colocarão em xeque a capacidade do sistema multilateral de resolver os problemas globais. Estará em curso a Rio+20.
A data, se depender da vontade do governo Dilma Rousseff, será mudada para o fim de junho, logo depois do encontro do G-20 no México. Foi uma decisão estratégica que a presidente tornou pública na França, na semana passada, no último encontro do grupo. Seria difícil para qualquer líder de peso vir duas vezes à América Latina em um intervalo tão curto - e a disputa com a reunião das 20 economias mais fortes do mundo poderia ser uma batalha perdida.
Para piorar, a data original da cúpula (4,5 e 6 de junho) coincidia com os 60 anos da ascensão da rainha Elizabeth ao trono, o que tornaria inviável não só a vinda do primeiro-ministro britânico David Cameron, como, possivelmente, de vários outros líderes europeus. Como outra estrela, o presidente Barack Obama, também estará em campanha pela presidência e a agenda do evento não inclui nenhum tratado internacional para ser assinado sob holofotes, a melhor estratégia era adiar a data. Em 28 de novembro, o bureau da Rio+20 nas Nações Unidas, uma espécie de conselho formado por 12 pessoas de países que representam as diferentes regiões do mundo, decidirá sobre o pedido brasileiro. Tudo indica que será aceito.
"É conveniente para todos", diz o administrador Aron Belinky, 48 anos, integrante do comitê facilitador da sociedade civil para a Rio+20. "A mudança é interessante porque elimina o conflito de datas com o jubileu da rainha e cria uma pressão moral para que os chefes de Estado venham ao Rio", diz. Além disso, aponta, como estava no calendário anterior, a reunião do G-20 poderia esvaziar a conferência do Rio. "Mesmo tendo agendas diferentes, há uma conexão política que não pode ser ignorada", avalia Belinky, coordenador de processos internacionais da ONG Vitae Civilis. "Agora as coisas se invertem: quem estiver no encontro do G-20 deverá levar em conta que logo depois haverá uma grande reunião no Rio, com mobilização massiva da sociedade civil global. O G-20 passa a ter que pensar na agenda da Rio+20 em termos bem mais sérios e concretos."
O consultor especializado em sustentabilidade cita outra boa notícia que veio da reunião do G-20 em Cannes. A presidente Dilma manifestou seu apoio à criação de uma taxa sobre transações financeiras internacionais (FTT, na sigla em inglês). A iniciativa é antiga (já foi conhecida como taxa Tobin), tem como defensor o presidente francês Nicolas Sarkozy, e seria uma espécie de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) internacional. No fim, não passou, bloqueada por Obama e por Cameron. Mas a sinalização foi importante. "A FTT tem potencial para ser um grande divisor de águas na governança global", avalia Belinky. Ou seja, seria uma forma de encontrar recursos financeiros para fazer frente também às necessidades ambientais e sociais.
A presidente Dilma teria condicionado seu apoio à proposta do "programa de proteção social global", uma ideia inspirada no Bolsa Família. "Essa dobradinha entre programa social e FTT, junto com empregos verdes e decentes, é a plataforma do movimento sindical global para a Rio+20", aponta Belinky.
Essa espécie de Bolsa Família internacional é a primeira das oito propostas que compõem o documento de 37 páginas que traz o que o Brasil quer e defende para a Rio+20. Trata-se de uma compilação de sugestões recolhidas na sociedade civil e governo durante o ano. Países, empresas e ONGs tinham até 1º de novembro para enviar suas propostas às Nações Unidas. Até ontem, no site oficial da ONU estavam listadas as propostas de 69 países. Como os diversos grupos mundiais da sociedade podiam mandar também suas ideias, o número total de propostas chegava a 630. Na página há um aviso de que os documentos estão sendo gradativamente incluídos no site. É disso tudo que sairá o documento final da conferência.
O próximo passo é uma compilação de tudo. Em 15 e 16 de dezembro, os negociadores dos países se reúnem para analisar as contribuições recebidas. Começam a trabalhar na estrutura e no conteúdo do documento. Esse será o produto final da conferência, algo como uma Carta do Rio ou Declaração Final da Rio+20. Em janeiro deve ficar pronto o primeiro rascunho do texto que será negociado entre todos os países. Serão quatro rodadas de negociação, todas em Nova York. O esforço culmina no Rio, entre 13 e 15 de junho, no último evento preparatório antes da Rio+20.
"Ninguém imagina que da Rio+20 sairá um tratado que salvará o mundo", diz Belinky. "Mas é uma reunião que pode juntar uma série de temas importantes, que hoje são tratados de forma desarticulada". Ele prossegue: "É, por exemplo, uma oportunidade de se discutir para onde a economia deve nos dirigir." A ferramenta para isso é o debate em torno da economia verde.
"A sociedade civil olha a Rio+20 não só seguindo os que os governos irão discutir, mas como um momento de convergência de várias agendas que não estão sendo debatidas", prossegue. O Rio será palco de centenas de eventos em junho. Vários irão questionar a eficácia do sistema multilateral, que está em xeque. "Há uma desconfiança em relação ao sistema multilateral. Muitas reuniões da ONU sequer conseguem chegar a um acordo e isso gera descrédito."
O público, estimado em 50 mil pessoas pela ONU e pelo governo brasileiro, será heterogêneo. Haverá eventos promovidos pelos empresários. Um dos grupos, por exemplo, é o que está reunido na Business Action for Sustainable Development (BASD). O Instituto Ethos aglutinou outras instituições e enviou sua proposta. Outra iniciativa são os Diálogos Nacionais sobre Economia Verde, a versão brasileira de uma articulação internacional, a Green Economy Coalition. Há os movimentos sociais, indígenas e ambientalistas, jovens e mulheres, acadêmicos. "Hoje existem muitos debates globais que dizem respeito à sociedade como um todo, mas estão sendo discutidos separadamente", diz o consultor. "A Rio+20 é o momento de se discutir tudo isso junto e de se criar a base para algo."
Na sua opinião, as propostas brasileiras têm aspectos "muito tímidos e até retrógrados" e outros "ótimos pontos de partida". Nos negativos, ele cita o tópico sobre a responsabilidade social das empresas. "Porque fala o contrário da noção de que a responsabilidade social das empresas pode ser uma maneira de se ampliar as melhores práticas para as cadeias de produção do mundo todo", cita. Na sua opinião, o texto tem um problema difuso, embutido em todo o documento, "que é a falta de questionamento ao modelo desenvolvimentista e que reflete a aposta prioritária em grandes obras ou no consumo de massa, por exemplo". Na proposta que fala no acesso a fontes adequadas de energia, diz Belinky, o documento não cita fontes renováveis ou sustentáveis. "O que significa adequadas? É uma posição dúbia."
Entre os positivos, a ideia de propor uma convenção internacional que verse sobre a transparência das informações ambientais. Outra boa proposta, na visão de Belinky, é a que busca melhorar a participação da sociedade civil no processo de decisão da ONU. Uma terceira, a que pretende estimular a criação de novos indicadores para medir o desenvolvimento dos países.
Do lado oficial, a diplomacia brasileira deu um jeito de esticar o programa. A Eco 92 durou 12 dias e a Rio+20, no calendário da ONU, terá apenas três dias. O governo brasileiro transformou a ocasião em algo que levará dez dias. Começa com o evento preparatório. Depois, de 16 a 19 de maio, a ideia é discutir oito grandes temas relacionados à sustentabilidade, que podem ser água, energia e segurança alimentar, por exemplo. É esta fase que coincide com a reunião do G-20. Finalmente virá a cúpula, em 20, 21 e 22 de junho.
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
Código Florestal avança sob protestos e único voto contrário
Valor 09/11
A segurança do Senado deve ser reforçada hoje para a votação das emendas destacadas ao substitutivo do senador Luiz Henrique (PMDB-SC), cujo texto básico foi aprovado ontem pelos dois colegiados, em votação nominal, por 27 votos a um. A única a votar contra foi Marinor Brito (PSOL-PA). A deliberação de ontem ocorreu em reunião tensa, com manifestações de ruralistas e ambientalistas. Os dois lados querem mudanças no texto. Ao final, houve confronto entre a polícia legislativa do Senado e estudantes, que protestavam contra o projeto.
A votação dos destaques (propostas de alteração do texto) foi marcada para nova reunião das duas comissões, a partir de 8h30 desta quarta-feira. Este é o primeiro relatório de mérito do Código Florestal no Senado. Após a aprovação na CCT e na CRA, a proposta será submetida à Comissão do Meio Ambiente (CMA) - a última, antes da votação no plenário.
Pela primeira vez desde que o projeto chegou ao Senado, a Casa foi palco de confronto entre ruralistas e ambientalistas, que marcou a tramitação na Câmara. Representantes dos dois lados lotaram o plenário e exibiram cartazes vermelhos (ambientalistas) ou brancos com os dizeres, em verde: "Um voto pelo Brasil" (ruralistas). Houve bate-boca, vaias, aplausos e gritos. Na saída, estudantes concentrados em frente à porta causavam constrangimentos a senadores e foram contidos - à força- pela polícia legislativa.
Em nome dos ruralistas, a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), criticou a exigência de recomposição das faixas marginais em 15 metros, contados da calha do leito regular, nos casos de áreas rurais consolidadas em APP nas margens de cursos d'água até dez metros de largura. "Excluir a produção rural de toda margem não é bom senso", disse. Segundo ela, essa regra vai prejudicar milhares de pequenos e médios agricultores.
Marinor Brito, do lado dos ambientalistas, tentou adiar a votação, mas não teve apoio dos colegas. Ambientalistas são contra o dispositivo - incluído na Câmara e mantido por Luiz Henrique- que autoriza a continuidade das atividades agrossilvopastoris, de ecoturismo e turismo rural em APP, desde que consolidadas até julho de 2008.
Luiz Henrique disse que o texto está "longe" de representar suas convicções sobre o assunto. "Mas representa o que consegui construir após negociação com deputados e governo, para que a proposta tenha respaldo da Câmara [para onde o texto volta, porque está sendo alterado] e da Presidência da República", afirmou.
Apresentada pelo pemedebista em reunião no dia 25 de outubro, a proposta divide o projeto aprovado na Câmara, relatada pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), atual ministro do Esporte, em duas partes: a permanente, para regular o direito ambiental para o futuro, e a transitória, que busca regularizar o passivo - ou seja, o que foi ilegalmente feito nas propriedades rurais até 22 de julho de 2008.
O projeto inclui artigo que deixa claro ser essa lei a última chance de regularização de desmatamento. Pelo texto, não haverá "nenhum direito à regularização de futuras intervenções ou supressões de vegetação nativa, além dos previstos nesta lei". Outra alteração feita pelo pemedebista em relação ao texto aprovado na Câmara foi a transformação dos manguezais em bem a ser protegido nas áreas permanentes, incluindo apicuns e salgados.
O substitutivo mantém a autorização para a continuidade de atividades agrossilvopastoris, ecoturismo e turismo rural em APPs consolidadas até 22 de julho de 2008, como já estava previsto pela Câmara.
O substitutivo de Luiz Henrique determina que o governo federal crie, em 180 dias, um Programa de Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente, que poderá destinar recursos para a pesquisa científica e tecnológica e a extensão rural relacionadas à melhoria da qualidade ambiental. O programa também poderá prever crédito agrícola com taxas de juros menores e prazos maiores que os demais, além de seguro agrícola em melhores condições, entre outras medidas.
Nas disposições transitórias, Luiz Henrique mantém os Programas de Regularização Ambiental para resolver o passivo ambiental, que terão normas gerais definidas pela União e específicas, pelos Estados e Distrito Federal. Quem estiver em situação irregular quanto à área de preservação permanente e reserva legal poderá aderir ao PRA, com o compromisso de recomposição das áreas desmatadas irregularmente. Serão suspensas sanções a infrações cometidas antes de julho de 2008.
Nas disposições finais, o pemedebista colocou artigo prevendo que a União, Estados e o Distrito Federal elaborem em conjunto o Inventário Florestal Nacional, "para subsidiar a análise da existência qualidade das florestas do país, em imóveis privadas e terras públicas".
Além da votação pela CCT e pela CRA, haverá mais uma análise de mérito sobre o Código Florestal antes de ir a plenário, na Comissão do Meio Ambiente (CMA). O relator é Jorge Viana (PT-AC), que tem atuado em parceria com Luiz Henrique, mas já sinalizou a intenção de fazer "aperfeiçoamentos", especialmente para dar tratamento diferenciado para a agricultura familiar e o pequeno produtor.
sexta-feira, 4 de novembro de 2011
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
Sítio arqueológico trava licença para obras
Valor 31/10
O andamento dos projetos de infraestrutura do país está diante de um dilema. Os estudos arqueológicos, etapa inerente ao processo de licenciamento ambiental, se transformaram em um entrave para muitos desses empreendimentos, principalmente aqueles listados no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O impasse não é resultado apenas do excesso de exigências atreladas ao rito do licenciamento, mas à falta de capacidade do próprio governo de realizar estudos que são obrigatórios para liberar as obras.
"A demanda cresceu demais. Hoje operamos no limite, trabalhamos no sofrimento", relata Maria Clara Migliacio, diretora do Centro Nacional de Arqueologia do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
A dificuldade do Iphan de lidar com o volume de trabalho que passou a receber fica mais clara quando observado o crescimento de permissões e autorizações ambientais emitidas nos últimos anos pela autarquia, que é vinculada ao Ministério da Cultura.
Em 1991, o instituto liberou cinco licenças arqueológicas, volume que avançou lentamente em uma década, chegando a 142 licenças em 2001. Nos últimos dez anos, houve um salto. Em 2007, ano do lançamento do primeiro PAC, foram emitidas 525 licenças pelo Iphan, volume que quase dobrou no ano passado, chegando a 969 documentos. "Pelo ritmo, vamos liberar mais de mil licenças neste ano", diz Maria Clara.
Seriam números para se comemorar, não fossem as restrições vividas no dia a dia pela equipe que está por trás da liberação desse trabalho. Ao todo, são 40 funcionários, um quadro que praticamente não mudou nos últimos anos. "Teríamos que ao menos triplicar nossa estrutura", diz a diretora. "É um milagre que o Iphan esteja conseguindo atender essa demanda com esse corpo tão reduzido."
O resultado, admite Maria Clara, é a aprovação de projetos baseada em análises precárias, com consequências incalculáveis ao patrimônio histórico do país. "Estamos falando de bens que não têm forma de reposição, um recurso que não é renovável. Portanto, uma vez mexido, acabou. Dada a nossa limitação, sabemos que estamos perdendo bens valiosos, não há dúvida sobre isso."
O Iphan é o órgão responsável pela identificação e pesquisa de sítios arqueológicos, resgate de materiais e, quando necessário, tombamento das áreas. Para que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) conceda o licenciamento ambiental de uma obra, é preciso que, antes, o Iphan dê autorização para que o projeto avance.
Incapaz de realizar seu trabalho de forma satisfatória, a saída que restou ao Iphan foi dar prioridade a projetos considerados fundamentais para o governo. Obras que já obtiveram a licença prévia (LP) do Ibama, e que aguardam a licença de instalação (LI), vão para a frente da fila.
No cotidiano do Iphan, não é raro encontrar situações de empresas que enviam relatórios com dados falsificados para aprovação do instituto, revela Maria Clara. Num caso recente, uma empresa apresentou fotos de um mesmo local para ilustrar a prospecção que teria ocorrido em áreas diferentes.
Enquanto o estudo arqueológico do governo brasileiro se limita a 40 técnicos - dois quais só metade tem formação na área -, em países como o México esse número salta para 800 colaboradores. Na França, são 400 servidores dedicados à prática. "É lamentável. Há situações em que o arqueólogo está trabalhando com o trator nas costas, a máquina está nos seus calcanhares", diz a diretora do Iphan. "Nosso desejo é que o governo federal nos atenda de uma melhor forma. Há uma lei federal que sustenta nosso trabalho, precisamos cumpri-la."
O avanço das obras de infraestrutura no país faz com que a área de arqueologia viva situação paradoxal. Enquanto não fazia parte do rito do licenciamento ambiental, até 1990, a pesquisa arqueológica dependia exclusivamente do interesse de pesquisadores e acadêmicos, limitando-se à realização de poucos projetos por ano.
Depois que passou a ser considerada uma etapa inerente ao processo de licenciamento ambiental, a chamada "arqueologia preventiva" - que antecede a liberação de um determinado empreendimento - passou a responder por 90% dos projetos analisados. Para os especialistas do setor, a situação é angustiante, já que, ao mesmo tempo em que traz uma oportunidade de pesquisa sem precedentes, também destrói sítios que não tiveram seus estudos aprofundados.
"Sempre se perde material, porque um resgate nunca ocorre em sua totalidade. O que se resgata é uma amostragem. Nada garante que aquilo que foi resgatado é o mais importante", diz Maria Clara.
Até o ano passado, havia nada menos que 17 mil sítios arqueológicos identificados no Brasil. Hoje, são 22 mil locais e o número não para de crescer. "Em cerca de 95% das obras encontra-se algum sítio arqueológico. Como esses empreendimentos têm avançado cada vez mais para áreas preservadas do país, principalmente para a região amazônica, há uma riqueza enorme de pesquisas pela frente", diz a diretora do Iphan.
Pela lei do patrimônio arqueológico, o aproveitamento econômico de um empreendimento não pode ocorrer antes do salvamento do bem arqueológico, que pertence à União. Maria Clara admite que o resgate costuma ocorrer concomitantemente à obra, desde que a área de recuperação esteja demarcada e possa ser explorada sem que haja prejuízo pelo andamento da construção.
"Compreendemos que o Brasil está interessado no desenvolvimento econômico, nas obras de infraestrutura", diz a diretora do Iphan. "Mas isso não pode ocorrer com o esquecimento de outros campos, senão estaremos jogando fora outro tipo de riqueza."
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
Rio menos 20?
Por MARINA SILVA - FSP 28/10
Participei de debate sobre a conferência Rio+20, na UnB. Contribui com minha visão sobre os desafios do desenvolvimento sustentável. Fui rememorando as duas décadas que nos separam da Rio 92 e recordei as discussões e tecituras de propostas para elevar o patamar de uma governança socioambiental.
Lembrei-me das lutas e conquistas brasileiras, sobretudo a partir da Constituição de 1988, e de como a Rio 92 foi fundamental para dar impulso político para a realização de muitas leis infraconstitucionais.
A Lei de Crimes Ambientais, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e muitas outras.
Mas o que deveria continuar avançando, o aprimoramento dessa governança socioambiental e das políticas estruturantes -sobretudo para a integração das variáveis socioambientais no planejamento de todas as políticas setoriais de desenvolvimento-, vemos, com um misto de perplexidade e frustação, seguir rumo totalmente contrário.
O Brasil parece caminhar de forma firme e acelerada para o retrocesso de suas políticas ambientais.
Exemplos não nos faltam: a aprovação da MP que transferiu milhões de hectares de terra na Amazônia, a inaceitável investida para destruir a principal lei ambiental do país, o Código Florestal, que confere proteção às nossas florestas e à biodiversidade.
Os abusos e atropelos em projetos como a hidrelétrica de Belo Monte, quando não são cumpridas as condicionantes da licença prévia, ao mesmo tempo que se ignora os direitos dos mais afetados com a obra, que são os povos indígenas da região. O poder de veto concedido ao Ministério de Minas e Energia e aos governadores para criação de unidades de conservação federais, resultando no fato de que, nos últimos anos, pouquíssimas unidades foram criadas, como várias tiveram suas áreas reduzidas. E ainda a aprovação no Senado de uma lei que retira o poder do Ibama de fiscalizar desmatamentos, entre outras coisas.
Se a luta em 1992 era para fortalecer políticas socioambientais, a luta da sociedade é para que a falta de visão de setores do governo e do Congresso não a destruam, como tem sido feito no apoio a medidas que enfraquecem os órgãos de fiscalização e controle.
E nos deparamos com o não cumprimento da promessa de que as contribuições da sociedade seriam incorporadas no relatório ao projeto do Código Florestal do senador Luiz Henrique (PMDB-SC).
Sem falar da pressa em função de um tempo para votar um texto ainda neste ano, independentemente de resolver os graves problemas ali embutidos. Seria apenas para evitar a pergunta inconveniente de que a conferência Rio+20, para o Brasil, pode se tornar a Rio menos 20?
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
Planeta Voluntários – Faça a diferença, por um mundo melhor!
"Ninguém comete erro maior do que não fazer nada porque só podia fazer pouco."
Relatórios da miséria, fome, violência, Aids, desmatamento no planeta.
Fome:
Todos os dias, mais de 850 milhões de pessoas vão se deitar com fome; dentre elas, 300 milhões são crianças. A cada cinco segundos, uma delas morre de fome.
O número de desnutridos nos países em desenvolvimento cresce à razão de quase 5 milhões de pessoas por ano.
Todo ano no Planeta, morrem de fome cerca de 30 milhões de pessoas.
Pobreza:
Entre 55 e 90 milhões de pessoas passarão à condição de pobreza extrema ainda neste ano de 2009, devido à recessão mundial resultante da crise financeira internacional.Mais de 1 Bilhão sofrerá de fome crônica no mundo todo.
Segundo pesquisas, 53,9 milhões de brasileiros são pobres; isso significa que quatro em cada dez brasileiros vivem em miséria absoluta. Entre as 130 Nações que medem a distribuição de renda, o Brasil é o penúltimo colocado; só ganha de Serra Leoa.equivale a 31,7% da população. 21,9 milhões dessa população são muito pobres, ou 12,9% dos brasileiros.
Água Potável:
Globalmente, ao longo das últimas décadas, a quantidade de água potável disponível tem diminuído dramaticamente.
Há 1,6 bilhão de Km³ de água no mundo, mas, o que podemos beber é menos de 1% disso...
A poluição das águas mata hoje 2,2 milhões de pessoas por ano; mais de 75 % da reserva mundial de peixes é sobre-explorada;
E o aumento no nível dos oceanos causado pelo aquecimento global pode deslocar dezenas de milhões de pessoas.
Em 20 anos, mais de 60% da população mundial sofrerão com a escassez de água. Também segundo a ONU, na atualidade, mais de 1,1 bilhão de pessoas não têm acesso a água tratada.
Saneamento:
Quatro em cada 10 pessoas no mundo não têm acesso nem a uma simples latrina de fossa não asséptica, e são obrigadas a defecar a céu aberto.
Aproximadamente 2 em cada 10 pessoas – mais de 1 bilhão de pessoas – não têm nenhuma fonte de água potável segura.
80% das internações hospitalares no mundo são devidas a doenças transmitidas pela água.
Como consequência, 3.900 crianças morrem diariamente em razão desta crise humanitária, totalmente evitável, porém silenciosa.
Habitação:
Atualmente, 900 milhões de pessoas vivem em assentamentos precários (favelas e áreas de risco) em todo o mundo.
A menos que a situação mude substancialmente, 1,5 bilhão de moradores de zonas urbanas serão favelados em 2020,o equivalente à população da China.
O Brasil terá 55 milhões de favelados,o que seria equivalente a 25% da população do país.
Atualmente, quase 1 bilhão de pessoas – um sexto da população mundial – vivem em favelas.
Educação:
O Brasil tem atualmente cerca de 16 milhões de analfabetos, e metade desse número está concentrada em menos de 10% dos municípios do país.
O planeta ainda conta com 780 milhões de analfabetos.
No Brasil existem 16,295 milhões de pessoas incapazes de ler e escrever pelo menos um bilhete simples.
Levando-se em conta o conceito de "analfabeto funcional", que inclui as pessoas com menos de quatro séries de estudo concluídas, o número salta para 33 milhões.
Trabalho Infantil:
Cerca de 2,5 milhões de crianças, entre 5 e 16 anos, trabalham no Brasil, o que o coloca entre os países com os maiores índices de trabalho infantil.
Cerca de 250 milhões de crianças no mundo trabalhando (entre os 5 e 14 anos), mas as estatísticas não são muito seguras, dado que boa parte da exploração é clandestina ou realizada em setores econômicos informais. Na África, uma em cada três crianças é explorada e, na América Latina, uma em cada cinco. A situação em alguns países No Equador, país que encabeça o ranking de trabalho infantil no continente, onde 1 milhão e quinhentos mil menores trabalham nos bananais, fabricação de tijolos e outros.
Aids:
No ano passado a Aids matou 3 milhões de pessoas, e outros 4,1 milhões foram infectados - mais de 8.000 por dia, e a doença hoje infecta 40 milhões, dos quais 25 milhões vivem no continente africano. Além disso, a epidemia deixou órfãos 15 milhões de crianças,
Mais de 500 mil crianças nasceram com o HIV, o vírus causador da Aids, no ano passado.
Entre elas, cerca de 20 mil crianças brasileiras.
O número de mulheres infectadas com vírus HIV aumentou em 44% no país nos últimos dez anos.
O uso de seringas contaminadas mata 1,3 milhão de pessoas por ano no mundo todo.
Somente no Brasil existe atualmente mais de meio milhão de pessoas contaminadas com o vírus da AIDS, mas elas não sabem disso.
Violência:
Segundo a UNESCO, de 60 países analisados, em apenas 06 o número de homicídios é superior ao número de mortes por acidentes de trânsito.Dentre esses está o Brasil e mais três países da América Latina. Em 49 desses países, o número de suicídios é superior ao número de homicídios; dentre as exceções está o Brasil e mais sete países da América Latina. A América Latina é a região onde mais ocorrem homicídios no planeta: 30 mortes para cada grupo de 100.000 pessoas ao ano, o triplo da média mundial.
Da população mundial, o Brasil responde por 11% de todos os homicídios do planeta. É o 2º país que mais mata utilizando armas de fogo, 3º em homicídios contra jovens e 4º colocado em homicídios no geral. O Brasil é o 3º mais violento da América Latina, perdendo somente para a Colômbia e Venezuela.
Aborto:
Estima-se que são feitos 42 milhões de abortos a cada ano em todo o Planeta, e, desses, 20 milhões são ilegais ou executados clandestinamente. Segundo a OMS, abortos inseguros causam por volta de 65.000 a 70.000 mortes maternas a cada ano(1), 99% das quais ocorrendo nos países em desenvolvimento(2).
No Brasil a cada minuto, quase dois abortos clandestinos são realizados . O número é uma estimativa baseada nas internações pós-aborto pelo SUS e aponta que, desde 1999, cerca de 952 mil mulheres interromperam a gravidez por ano no país.
Desmatamento:
Dados divulgados indicam que a Floresta Amazônica perdeu 754,3 quilômetros quadrados de florestas entre novembro de 2008 e janeiro de 2009. A área equivale a metade do município de São Paulo.
O país perdeu um campo de futebol a cada dez minutos na Amazônia, nos últimos 20 anos.
O Brasil é campeão mundial de desmatamento. Em segundo lugar está a Indonésia: 18,7 km2 por ano e, em terceiro, segue o Sudão, com 5,9 km2. As principais causas pelo desmatamento na Amazônia são a retirada de madeira, o cultivo de soja e gado.
Quando olha para o mundo nessa perspectiva, consegue perceber a real necessidade de solidariedade, compreensão e educação?
Nós, do Planeta Voluntários, convidamos você a servir e a apoiar os outros com devoção e compaixão. Começando com a nossa própria transformação pessoal e, mediante serviço, por fazer a diferença, é a forma como nós acreditamos que vamos chegar a essa massa crítica de pessoas que, juntas, emerge como a nova humanidade.
Serviço altruísta surge espontaneamente a partir de apenas compreendendo que somos uma humanidade. Talvez você possa escolher as atividades que podem de alguma forma contribuir para o bem estar dos outros em sua comunidade. Isso poderia ser empenho pessoal voluntariado como ajudar uma pessoa idosa, um orfanato, um abrigo, um hospital, entre outros.
Os valores e os princípios do movimento emergente para uma nova humanidade, e da Aliança, que está a tentar servi-lo, se baseiam no apoio de políticas, as causas e as ações que favoreçam o respeito pela vida, dignidade humana, a liberdade, a sustentabilidade ecológica e a paz.
Faça todo o bem que puder
Por todos os meios que puder
De todas as maneiras que puder.
Em todos os lugares que puder
Todas as horas que puder
Para todas as pessoas que puder
Enquanto você puder.
Faça a Diferença.
Por Marcio Demari
PLANETA VOLUNTÁRIOS
Porque ajudar faz bem !
A maior Rede Social de Voluntários e ONGs do Brasil !!!
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
Painel do clima da ONU errou ao prever degelo no Ártico
FSP 20/10
Um novo estudo de cientistas dos EUA e da França sugere que o IPCC, o painel do clima das Nações Unidas, errou feio em suas previsões sobre o degelo do Ártico. No caso, errou para baixo: o derretimento observado é quatro vezes maior do que apontam os modelos.
O grupo de pesquisadores liderados por Pierre Rampal, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), publicou seus dados na edição desta semana do periódigo "Journal of Geophysical Research".
Eles uniram dados de modelagem com observações de satélites, navios e até submarinos para estimar que o mar congelado que recobre o oceano Ártico está afinando a uma taxa de 16% por década. Os modelos que alimentaram o relatório do IPCC, publicado em 2007, estimam essa taxa em 4%.
Segundo Rampal e seus colegas, os modelos climáticos computacionais que estimaram um polo Norte sem gelo no verão em 2100 estão atrasados 40 anos em relação às observações. Da mesma forma, o papel da chamada "amplificação ártica" --como é conhecido o efeito de aumento da temperatura devido à perda do gelo marinho e à maior absorção de radiação solar pelo oceano-- provavelmente foi subestimado.
Isso se deve principalmente ao fato de que os modelos não conseguiram reproduzir o aumento de velocidade que ocorre quando o gelo fica mais fino.
O mar congelado do Ártico está em permanente movimento, seguindo as correntes. Todo verão, elas empurram enormes quantidades de gelo para fora do oceano Ártico, pelo chamado estreito de Fram, entre a Groenlândia e o arquipélago norueguês de Svalbard, diminuindo a área do mar congelado.
Acontece que, com a água mais quente, as placas de gelo ficam mais finas (a média entre 1980 e 2008 é de 1,65 metro de afinamento no verão) e se rompem mais. Isso consequentemente aumenta a velocidade de "exportação" do gelo e, por consequência, amplia a redução de área da banquisa.
Em agosto deste ano, a Folha teve oportunidade de experimentar essa alta velocidade do gelo no estreito de Fram a bordo do navio Arctic Sunrise, da ONG Greenpeace. A amarrado a uma placa de gelo de mais de 200 m de comprimento, o navio derivou cerca de 80 km em dois dias.
Rampal afirma que os modelos falham em capturar essa relação entre deformação e velocidade. Aplicando a metodologia usada no novo estudo aos modelos, eles conseguiram resolver quase todas as diferenças entre modelos e observações --o que pode ajudar a estimar com maior precisão o papel do Ártico no clima futuro da Terra.
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
Transporte público, energia e a questão ambiental
Por Marcelo Cardinale Branco - Valor 19/10
Em todo o mundo se manifestam as consequências do modelo de deslocamento de pessoas e de cargas que foi adotado já no início do século passado, com o advento dos automóveis e caminhões, sustentado pela farta disponibilidade de petróleo. A primeira delas foi uma contínua perda da prioridade do transporte público em relação ao individual nas grandes cidades aliada a igual abandono das ferrovias no transporte de cargas no interior. A segunda foi o progressivo congestionamento das vias públicas, cujo efeito foi sendo postergado por meio do contínuo e crescente investimento nas obras viárias. Finalmente, a terceira consequência foi a constatação cada vez mais segura da elevação da poluição ambiental. Assim, foi dado o alerta ambiental, com o reconhecimento da poluição local e global, reflexo da queima de combustíveis, especialmente os de origem fóssil.
Nas fases anteriores de desenvolvimento, aspectos econômicos pouco importaram, sendo sempre encobertos pelo aumento da produtividade. O progressivo encarecimento do transporte, a utilização de veículos de baixíssimo rendimento energético, os riscos de escassez dos combustíveis, entre outros, sempre foram vistos como inconvenientes superáveis pelo lucro. Até mesmo a escassez de combustíveis foi encarada apenas como uma questão de preço e/ou de pressões econômica e política sobre os produtores.
Mas o alerta da poluição mudou os rumos da história. Os seus efeitos não são controláveis por meio de maior ou menor investimento. Talvez um pouco tarde, face às consequências adversas de curto prazo, foi preciso verificar as causas.
Dessa forma, é necessário e urgente mudar as matrizes de transporte, dando ênfase aos modos ambientalmente sustentáveis e reduzindo aqueles que consomem combustíveis com baixo rendimento energético, que promovem mais acidentes e que, nas cidades, forçam cada vez mais o desaparecimento das funções sociais da rua. Significa jogar no lixo da história os cálculos de "custo-benefício", sempre invocados em favor dos transportes menos sustentáveis, por não levar em conta as chamadas "externalidades negativas" e seus vastos custos socioambientais.
Para ilustrar o que se afirma, apoiemo-nos no caso da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Os deslocamentos motorizados de pessoas hoje se distribuem entre os modos públicos (metrô, trem, ônibus, trólebus) e privado (basicamente automóveis). No tocante aos transportes motorizados, o sistema público representa 55% dos deslocamentos e os automóveis representam 45% na cidade de São Paulo, conforme pesquisa Origem/Destino do Metrô, realizada em 2007.
Basta lembrar que o transporte de um passageiro de automóvel ocupa um espaço viário cerca de 60 vezes maior do que aquele efetuado por um ônibus grande circulando em corredor apropriado, para sentir o significado da grande participação dos automóveis no transporte urbano. Este dado recomenda esforços no sentido da alteração da matriz de transporte.
Essa mudança deve levar em conta possibilidade de geração contínua e não esgotável das fontes de energia como o etanol e da energia elétrica firme. O etanol, além de emitir cerca de 70% menos gás carbônico, tem a possibilidade de ajudar no resgate do carbono graças às plantações de cana-de-açúcar.
Além disso, a fluidez do transporte coletivo tem relação direta com o meio ambiente. O aumento da velocidade diminui as emissões. Um ônibus em um corredor em São Paulo tem velocidade média 20 km/h, o que diminui o consumo em 20% e as emissões, em 40%, se comparado aos que não estão nos corredores. Em casos como Expresso Tiradentes, a velocidade sobe para 37 km/h, cortando o consumo pela metade e as emissões, em 60%.
Assim, sob o ponto de vista do dispêndio de energia, a situação não é menos gritante. Basta lembrar que, na RMSP, avaliou-se, alguns anos atrás, que, enquanto uma viagem por automóvel demanda 13 kWh de energia, aquela feita em metrô consome 0,5 kWh.
Façamos então um exercício. O que aconteceria se a matriz de transportes motorizados fosse alterada para 70% e 30%, na relação do uso do transporte público e do privado? Isso poderá ocorrer se esse transporte público for de boa qualidade, por meio de aumento de oferta dos sistemas metroferroviários e uma parte razoável do espaço liberado destinada a corredores de transporte eletrificado sobre pneus, em faixa segregada, formando um modo de transporte de média capacidade, que a cidade hoje não possui.
Reduzir em 1/3 o transporte por automóveis, cuja frota circulante paulistana é de 3,3 milhões do total de veículos particulares (com exceção de motos, caminhões e ônibus), significa transferir para os modos públicos 1,54 milhão de passageiros, liberando cerca de 1 milhão de automóveis que, em circulação, ocupam 49 milhões de metros quadrados de vias, além das faixas de estacionamento correspondentes. A absorção desses passageiros por um corredor eficiente implica a utilização prioritária de apenas 3,9 milhões de metros quadrados.
A energia economizada, por outro lado, chegaria a 16 milhões de kWh por dia, suficiente para abastecer cerca de 1,4 milhão de casas com demanda unitária de 350 kWh/mês.
Além das economias enormes que podem advir da substituição do transporte individual pelo coletivo, a troca de veículos a combustíveis por outros de tração elétrica, cujo rendimento energético dos motores é três vezes maior, também representa economia nada desprezível. Ademais, a produção de energia se torna cada vez mais difícil, onerosa e arriscada (vide Japão e Golfo do México), sendo uma insensatez desperdiçá-la, seja a que título for.
Marcelo Cardinale Branco, administrador de empresas, é secretário municipal de Transportes de São Paulo. Foi presidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) e secretário municipal de Infraestrutura e Obras.
terça-feira, 18 de outubro de 2011
Grave afronta à inteligência nacional
Por José Eli da Veiga - Valor 18/10
A maioria dos 410 deputados que aprovaram o projeto de lei sobre a proteção da vegetação nativa (PLC-30) nem teve chance de perceber o tamanho dos disparates nele introduzidos. Certamente devido à balbúrdia em que transcorreu o processo de votação, favorecendo os míopes interesses de um subsetor econômico muito específico: o da pecuária de corte de expansão horizontal, concentrada na franja impropriamente chamada de "fronteira agrícola".
Com certeza o Senado honrará sua missão revisora, colocando em primeiro lugar os interesses estratégicos da nação, ao contrário do que ocorreu com a Câmara na lastimável noite de 24 de maio. Muitas das distorções do PLC-30 foram bem enfatizadas em recentes audiências públicas de juristas e pesquisadores científicos, inspirando as 174 emendas apresentadas à CCJ e à CCT por 16 senadores, quase todas com o intuito de evitar inúmeros perigos de tão insensata marcha reversa. Provavelmente outras ainda serão propostas em mais duas comissões que vão anteceder o plenário: a de agricultura e a de meio ambiente.
Lista circunstanciada dos absurdos do PLC-30 está nas 28 páginas de "Propostas e considerações" das duas maiores sociedades científicas brasileiras (SBPC e ABC), divulgadas há uma semana. Confirma que são quatro as principais aberrações que demandam minucioso exame do Senado: a) drástica redução das áreas de preservação permanente (APP); b) inviabilização da imprescindível flexibilidade das reservas legais (RL); c) contrabando de milhões de imóveis rurais sob o manto de pretensa solidariedade aos "pequenos produtores"; d) inepta escolha de julho de 2008 como data para o perdão de infrações.
Pela legislação em vigor, o conjunto das áreas de preservação permanente (APP) deveria corresponder a 15% do território nacional, totalizando 135 milhões de hectares (Mha). Todavia, existe um déficit de 55 Mha - quase todo invadido por indecentes pastagens - que será mais do que "consolidado" pelas brutais reduções das exigências de conservação de matas ciliares, ripárias, de encostas, de topos de morro e de nascentes. Algo inteiramente desnecessário, pois a bovinocultura poderá ser incomparavelmente mais eficiente e produtiva com muito menos do que os exageradíssimos 211 Mha que atualmente ocupa (78% da área da agropecuária). Bastará um pouco de profissionalismo e bem menos especulação fundiária.
O surgimento de mercados estaduais de compensações de reservas legais (RL) seria um grande passo à frente, principalmente para os produtores cujas fazendas não dispõem de terras de baixa aptidão. É completamente irracional destinar solos de boa qualidade à recuperação de vegetação nativa, ou mesmo reflorestamento com exóticas. Nada melhor, portanto, do que remunerar detentores de terras marginais para que eles constituam condomínios de reservas. Com a imensa vantagem de que elas não estariam dispersas em pequenos fragmentos isolados, alternativa infinitamente superior para a conservação da biodiversidade. É trágico, portanto, que o PLC-30 tenha feito uma opção preferencial por forte redução dessas áreas, em vez de viabilizar o surgimento desses mercados estaduais de compensações.
Tão ou mais escandalosa é a tentativa de desobrigar todos os imóveis rurais com áreas inferiores a quatro módulos fiscais sob o pretexto de ajudar "pequenos produtores". A maior parte dos imóveis desse tamanho são chácaras e sítios de recreio de famílias urbanas de camadas sociais privilegiadas. Nesse ponto, os deputados inadvertidamente legislaram em benefício próprio, já que muitos deles, assim como seus parentes e amigos, têm propriedades desse tipo.
Se o objetivo fosse realmente favorecer produtores rurais de pequeno porte, bastaria que o PLC-30 não fizesse letra morta da lei 11.326, promulgada pelo presidente Lula em julho de 2006, após um decênio de experiência acumulada pelo tardio Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), criado em julho de 1996 por decreto do presidente FHC.
Para delimitar essa categoria sem contrabandear casas de campo de urbanos do andar de cima, ou de quaisquer proprietários com vários imóveis, a lei considera agricultores e empreendedores familiares apenas os que praticam atividades no meio rural atendendo simultaneamente a quatro requisitos: a) não detenham a qualquer título área maior do que quatro módulos fiscais; b) utilizem predominantemente mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; c) tenham renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; d) dirijam seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.
Finalmente, mas não menos relevante, é lembrar que a Constituição não reconhece direito adquirido em matéria ambiental, desautorizando qualquer data para perdões por desmatamentos ilegais que seja posterior ao primeiro ato regulamentador da Lei de Crimes Ambientais: 21 de setembro de 1999.
José Eli da Veiga, professor da pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do mestrado profissional em sustentabilidade do Instituto de Pesquisas Ecológicas
terça-feira, 11 de outubro de 2011
Sinais de alerta do 'pai' dos ambientalistas
Valor 11/10
Era uma tarde de domingo de maio, pouco depois do almoço, quando o telefone tocou. A então senadora Marina Silva tinha urgência na voz. Pedia ao interlocutor em São Paulo que fosse imediatamente para Brasília. Com a dificuldade em andar amenizada pela ajuda da bengala, Paulo Nogueira Neto aprontou-se, foi ao Aeroporto de Viracopos, em Campinas, e comprou a passagem aérea. À noite já estava na capital federal.
Primeiro foram encontros com representantes graduados do Congresso. Em seguida, o grupo de ex-ministros do Meio Ambiente reuniu-se com a presidente Dilma Rousseff. A movimentação rápida e silenciosa tentava sensibilizar a presidente em relação às florestas, numa das últimas tentativas de alterar pontos polêmicos do texto final do Código Florestal que seria votado no dia seguinte pela Câmara dos Deputados. "O que querem fazer hoje no Brasil é um retrocesso. É rasgar grandes conquistas", diz Paulo Nogueira.
A frase soa inevitavelmente melancólica para quem ouve esse que é considerado o "pai de todos" os ambientalistas brasileiros. Dr. Paulo, como é respeitosamente chamado por seus discípulos, vê à sua frente o desmoronamento de décadas de preservação, uma história que ele ajudou a criar. Primeiro secretário do Meio Ambiente do país com status de ministro, Paulo Nogueira Neto estabeleceu em seus doze anos de governo os primeiros 3,2 milhões de hectares de florestas protegidas por lei no Brasil e concebeu o Conselho Nacional do Meio Ambiente - o Conama, o "único conselho deliberativo desta República", como gosta de lembrar Marina Silva. Isso em plenos anos 70, período de chumbo da política brasileira.
"As cúpulas militares não entendiam nada de meio ambiente. Mas confiavam em mim, sobretudo o [João] Figueiredo"
Aos 89 anos e com uma imagem pública invejável, ele vê a política sendo feita de forma equivocada - interesses privados e partidários à frente de "interesses maiores da nação".
Mas não perde a esperança de as coisas se ajeitarem. "As mudanças no Código foram aprovadas por fatores políticos que não dependeram da nossa vontade. Foi uma disputa política do Legislativo com a presidente Dilma. Mas não acredito que o Senado aprovará do modo que está", diz dr. Paulo.
Como se sabe, o novo Código Florestal passou na Câmara dos Deputados com pontos que preocupam os ambientalistas. A anistia a produtores rurais que desmataram até julho de 2008 é um deles. O direito dos Estados de legislar sobre o ambiente é outro. "Isso será um desastre. Já se fala em um desmatamento do tamanho do Paraná". E esclarece: "Não sou contra reformas, desde que sejam baseadas em técnica".
Se diz não perder o ânimo, o paulistano Paulo Nogueira Neto, fruto de uma linhagem de políticos e juristas, tampouco perde o gosto pelas discussões estratégicas envolvendo o seu assunto predileto. Apesar do andar lento e da dor constante nas costas ("o grande problema do homem é ser bípede"), quase toda semana segue a Brasília. Reúne-se no Conama, participa de encontros, assiste a debates no Congresso e prestigia ONGs. Quem esteve presente no histórico dia da cisão do Ibama lembra do alto brado de "Viva!" solto por dr. Paulo após votação que criou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio, em meados de 2007.
A proposta atraiu críticas dentro do próprio governo, mas para ele não havia por que relutar. O fato era que o Ibama tinha se tornado grande demais para administrar tudo sozinho. "Estavam dando muito pouca atenção às áreas de conservação ambiental. Era necessário dividi-lo", argumenta Nogueira Neto, num falar à vontade em meio às suas árvores majestosas, escolhidas décadas atrás para emoldurar o terreno de quatro mil metros quadrados de sua residência em São Paulo.
Desenhada pelo arquiteto Osvaldo Bratke nos anos 50, os traços modernos privilegiam a integração com a natureza ao seu redor, e guardam não só essa porção exclusiva de Mata Atlântica mas histórias esquecidas do Brasil. Guardam também livros - centenas de livros de biologia e ecologia - e uma mesa de condecorações recebidas ao longo e depois da carreira pública, sombreadas pelas oito pinturas enfileiradas de Di Cavalcanti expostas na sala de estar ("séries limitadas que Di vendia, sem tanto valor assim", apressa-se em explicar).
A de que ele mais gosta parece ser o Cândido Portinari à direita. O quadro retrata o momento da retirada do mel da colmeia, a maior de todas as suas paixões. Os estudos sobre abelhas indígenas brasileiras marcaram seu trabalho científico e transformaram um advogado em um renomado ambientalista.
Portinari era amigo de seu irmão, José Bonifácio Coutinho Nogueira, que foi secretário paulista da Agricultura e depois da Educação. Mas não entendia nada de abelhas. Nogueira Neto conta, ainda surpreso, - "como ele não sabia retratar a retirada do mel?" - que teve de emprestar uma fotografia para que o pintor, hoje um dos mais conhecidos do Brasil, fizesse o quadro exibido nesta sala por onde passaram tantas personalidades da política, das artes e das ciências.
A leva de ambientalistas mais jovens não frequentou esse universo privilegiado, mas se formou e esmerou nos ensinamentos do ambientalista.
Marina Silva conheceu o seu trabalho ainda no Acre. Tasso Azevedo, primeiro diretor do Serviço Florestal Brasileiro, ouviu falar em Paulo Nogueira Neto pela primeira vez na faculdade de engenharia florestal. Mário Mantovani e a trupe verde da SOS Mata Atlântica já o reverenciavam quando o convidaram para ajudar a formar a ONG que despontava, duas décadas atrás.
A aproximação mais curiosa, no entanto, talvez tenha sido a do ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente de Marina, o então adolescente João Paulo Capobianco. "Eu jamais imaginaria que aquele menino viraria isso", ri Nogueira Neto.
Capobianco, estudante de segundo grau, procurou-o pedindo ajuda: após herdar a fazenda de café do avô recém-falecido, na divisa de Minas Gerais com São Paulo, parte da sua família queria se desfazer de dois mil hectares de floresta nativa que havia resistido à agricultura. "Meu avô viveu até os 98 anos protegendo aquela mata. Foi o único proprietário da região que não desmatou, enquanto todos os outros vendiam a madeira como forma de sobreviver à crise de 1929", conta Capobianco. "Quando morreu, veio a partilha, e a floresta ficou em risco". Uma professora sugeriu: por que não tentar algo com o dr. Paulo?
"Liguei para ele. No dia seguinte tinha um monte de policiais na fazenda. Foi uma confusão danada, mas eu ganhei a preservação da floresta e arrumei alguns primos que ficaram meus inimigos até hoje".
Paulo Nogueira Neto nasceu ambientalista, mas só descobriu essa vocação numa idade bem mais avançada. Por influência do histórico familiar em ciências humanas, a primeira opção profissional foi Direito na Universidade de São Paulo (USP). Ele se formou, mas a paixão por abelhas o fez enveredar pelo mundo da biologia. Das abelhas para os insetos, dos insetos para ecossistemas, dos ecossistemas para o clima. Voltou à USP para estudar História Natural. Nogueira Neto virou um cientista e fundou, na mesma universidade, o Departamento de Ecologia. Só não abriu mão da carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), diz.
O convite para assumir o primeiro cargo federal destinado ao ambiente veio em 1974, dois anos após Henrique Brandão, então vice-ministro do Interior do governo Ernesto Geisel, chefiar a delegação brasileira do Itamaraty para a Conferência de Estocolmo, a primeira reunião mundial a tentar preservar o ambiente.
Brandão voltou para Brasília incomodado. Dizia que o Brasil precisava de um decreto federal de base para uma futura pasta ambiental - todos os países importantes já tinham isso. Chamou Nogueira Neto para uma opinião sobre o rascunho. Ele leu. E "lascou" a proposta. "Fiz várias críticas. Aquilo não previa nem multas ambientais!"
A espinafrada com conteúdo deve ter impressionado o ministro. Mas feito o convite para assumir o posto criado para ele, dr. Paulo titubeou. A palavra final seria dada, como sempre, por Lúcia, sua companheira de vida. "Só iria se ela concordasse em se mudar para Brasília", diz.
Nogueira Neto tinha base jurídica, formação acadêmica e a paixão inerente aos amantes da natureza, o que já lhe garantia parte do sucesso na empreitada federal. Mas era pouco dado a rodas sociais, ao "networking" necessário para fazer política.
Quem era boa nisso era Lúcia. "Ela fazia o meio de campo que estreitou os meus laços com os diplomatas", lembra ele. Exímia jogadora de bridge, Lúcia era convidada para praticar o jogo de cartas da moda com as esposas dos diplomatas estrangeiros instalados em Brasília. Dr. Paulo ia junto e aproveitava a oportunidade para emplacar conversas sobre o estado do planeta. Graças a essas visitas informais, fez várias viagens ao exterior para conhecer governos e expor a situação ambiental do Brasil. Sempre levava Lúcia - "pagando o bilhete aéreo dela", frisa.
Mas o glamour da diplomacia estava a anos-luz da simplicidade das três salas e cinco funcionários que Nogueira Neto tinha para cuidar da área ambiental. A missão era dura.
O secretário com status de ministro viveu o choque político de criar unidades federais protegidas e a chegada do homem urbano à grande floresta, após a abertura da rodovia Transamazônica. O "Brasil Grande" galopava, os recursos financeiros eram poucos e Nogueira Neto, afinal, falava uma língua praticamente desconhecida dos generais. Ecossistemas. Biodiversidade. A defesa de coisas tão pouco palpáveis devia ser vista como mera platitude de um apaixonado por abelhas. E o Brasil militar tinha assuntos bem mais importantes a tratar.
Em uma das passagens de seu livro de relatos dos tempos no governo federal, dr. Paulo desabafa: "Me sinto exausto. O serviço é ininterrupto, pesado e tensionante. Mas me fascina".
Ele chegou a Brasília não por apadrinhamento político, mas pela profunda compreensão da natureza ao seu redor - inclusive, percebeu-se depois, da natureza humana. Talvez por isso tenha atravessado incólume a dois governos, primeiro Geisel e depois de João Figueiredo, e emplacou as suas vitórias.
Bater de frente, dr. Paulo não batia. Mas ninguém diz que deixou de defender a causa por conta dos obstáculos do caminho. De certa forma, diz ele, era mais fácil trabalhar naquele tempo. "As cúpulas dos governos militares não entendiam nada de meio ambiente. Mas confiavam em mim, sobretudo o Figueiredo". Além disso, "a derrubada da Amazônia não era nada em comparação a hoje".
Convidado em duas ocasiões a filiar-se ao partido político do governo, a Arena, preferiu congregar as pessoas. Ganhou a confiança dos dois lados.
Passou pelo menos uma vez pelo desafio de segurar a rédea da corrupção dentro da sua pasta, a Secretaria de Meio Ambiente. Quando desconfiou que universidades contratadas para a gestão das áreas de conservação ambiental poderiam estar desviando recursos, ele diz ter agido rápido. Pediu prestação de contas e a abertura de uma sindicância para apurar esses convênios.
Para ele, a corrupção, só ocorre se a liderança permite. "Quando o chefe é sério, a instituição toda fica séria também", diz dr. Paulo, pai de três, avô de seis e bisavô de cinco.
Quando deixou o governo, em 1985, o seu ativismo não arrefeceu. Nos anos seguintes, participou da criação de fundações, ganhou prêmios e homenagens. Em 1987, dr. Paulo representou o Brasil na Comissão Brundtland, que resultou no relatório intitulado "Nosso Futuro Comum" e cunhou a expressão desenvolvimento sustentável.
Ícone de uma geração de ambientalistas, ele tem sido um braço invisível de apoio para quem passa pelo Ministério do Meio Ambiente. "O professor sempre me apoiou, apesar das críticas pesadas às medidas para defender as florestas", diz Marina Silva, que estava em férias quando concedeu uma entrevista ao Valor. "Quem se negaria a falar sobre ele? Dr. Paulo é o pai de todos nós".
Se nos anos 70 os interessados em ambiente cabiam em uma Kombi, como falava-se na época, hoje são certamente muito mais. O que Paulo Nogueira Neto fez, então, deve ter valido a pena.
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