quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Logística da Rio+20 prevê evento inédito na história da ONU

Valor 19/01

"É preciso que se entenda que durante dez dias o Rio de Janeiro será a ONU", diz o diplomata Laudemar Aguiar, 50 anos, fluminense de Niterói e responsável por toda a logística do que o governo brasileiro quer que seja "a maior conferência da história das Nações Unidas". Ele trabalha com grandes números: 150 chefes de Estado e de governo e 50 mil diplomatas, jornalistas, empresários, políticos e mais gente cadastrada a circular pelo Riocentro, onde acontecerá a cúpula da ONU, em junho. E mais dezenas de milhares de pessoas - um número ainda mais difícil de estimar -, que irão aos eventos programados pela sociedade civil no Aterro do Flamengo, no Centro e na Barra da Tijuca. "O Rio será o umbigo do mundo", celebra.

Mas, para o superlativo dessa megaoperação se confirmar, não depende da vontade do governo. O conteúdo da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (o nome formal da Rio+20), determina seu papel político e a importância dos líderes que virão. Na famosa conferência do clima de Copenhague, em dezembro de 2009, foram 47 mil inscritos e 120 líderes - 40 deles confirmaram presença apenas dois dias antes do evento, quando o presidente Barack Obama finalmente disse que ia. Mas Copenhague não deu lá muito resultado, e o evento seguinte, em Cancún, no México, se ressentiu - foram 20 mil credenciados e apenas 22 líderes mundiais.

A Rio+20 faz parte de outra família de conferências da ONU, a que discute como o planeta quer se desenvolver, iniciada há 20 anos com a Eco 92 (ou Rio 92), e que teve outra edição de peso em Johannesburgo, na África do Sul, há 10 anos. Será um debate importante sobre desenvolvimento sustentável com sua vertente econômica, ambiental e social, tendo como pano de fundo a redução da pobreza e a "economia verde", conceito que pressupõe o usode tecnologias limpas. Mas não produzirá nenhuma Convenção, como a conferência-mãe, quando surgiram os dois importantes acordos ambientais contemporâneos, a convenção do clima e a da biodiversidade.

Na Eco 92 vieram ao Rio 109 líderes e mais de 30 mil pessoas circularam no evento oficial, que também foi no Riocentro. O conteúdo da Rio+20, bem mais modesto, começa a ser discutido este mês, em Nova York. O nível de ambição do que será obtido em junho, no Rio, depende das negociações até lá, dos rumos da campanha eleitoral nos EUA e da crise econômica global.

O trabalho de Laudemar Aguiar não pode esperar. "No dia 5 de junho temos que entregar as chaves do Riocentro às Nações Unidas. Eles hasteiam a bandeira e vira território da ONU. O Rio passa a ser Nova York", diz, fazendo referência à sede das Nações Unidas.

O desafio deste diplomata, que era ministro conselheiro da embaixada brasileira em Paris até receber o convite para ser o responsável pela logística da Rio+20, é organizar a festa sem saber quantos convidados virão - e nem se virão. "Trabalhamos com estimativas históricas, mas sempre com margem de acréscimo", diz. "O que não pode acontecer é nos prepararmos para receber 10 e chegarem 20."

O orçamento aprovado pelo Congresso para a conferência, em 15 de dezembro, é de R$ 430 milhões. Deste, R$ 230 milhões irão para a segurança e R$ 190 milhões, à logística. Os contratos de aluguel dos espaços somam R$ 30 milhões. "Tudo será transparente, todos os gastos comprovados", diz Aguiar, secretário-geral do Comitê Nacional de Organização da Rio+20. "Há enorme interação", garante, salientando o trabalho em conjunto com a Prefeitura e o Estado do Rio.

Uma das marcas que a Rio+20 persegue é a de ser uma conferência com o "máximo de participação possível da sociedade civil", diz Aguiar, repetindo o mantra que vem sendo dito pelo alto escalão do governo. "Estamos discutindo o que vai ser o planeta. O documento que sair da Rio+20 será acertado entre governos, mas queremos que tenha o máximo de 'inputs' de todos os setores da sociedade."

O desafio da logística é conseguir fazer com que o deslocamento no Rio seja o melhor possível - estão em estudos vários planos de fluxo de trânsito - reduzindo a distância do Riocentro, na Barra da Tijuca, com o resto da cidade. Também por isso, inicialmente, a conferência iria ser na região do porto. Tudo - evento oficial e todos os paralelos - seriam concentrados ali. A iniciativa iria exigir uma grande obra de revitalização da área, legado que ficaria para a cidade. As docas eram, por este motivo, a opção da Prefeitura. Mas não deu certo. "Por diversas razões, logística, segurança, infraestrutura e também custos", explica Aguiar. "Ao passar para o Riocentro digo que trocamos dez problemas por um: o grande problema da Barra é o acesso. Vamos fazer um trabalho muito grande em relação ao transporte", promete.

Uma das grandes diferenças da Rio+20 com a Eco 92 é a prioridade que os chamados "major groups" têm hoje em relação há 20 anos. O conceito, em voga nas Nações Unidas, reúne nove segmentos da sociedade civil - empresas, crianças e jovens, produtores agrícolas, comunidades indígenas, governos locais, ONGs, cientistas, mulheres, trabalhadores e sindicatos - e é intenção do governo aproximá-los o máximo das decisões da conferência. Na edição de 1992, os governos reunidos no RioCentro, e a sociedade civil, no Aterro. Eram dois mundos separados. A arquitetura proposta agora é diferente.

Segundo ele, na Rio+20, "pela primeira vez em uma conferência das Nações Unidas, a sociedade civil terá vários lugares diferentes para se reunir", adianta. A sugestão é de oferecer, na Barra da Tijuca, o Parque dos Atletas (ex-Cidade do Rock), para que governos nacionais e locais possam montar pavilhões e estandes. O Autódromo de Jacarepaguá é uma grande área que está disponível para a sociedade civil - grupos indígenas estudam montar ali grandes ocas e também empresas avaliam se é o caso de usar parte dos 550 mil m2 do local. Está sendo alugada a Arena da Barra (o HSBC Arena), um moderno ginásio coberto com capacidade para 18 mil pessoas.

Áreas no centro do Rio são a outra opção para os eventos da sociedade civil. Aguiar cita a região ao redor do Museu de Arte Moderna (MAM) e do Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial. O Vivo Rio, com capacidade para 2 mil pessoas, seria outra área para seminários e reuniões. "Em 92 usou-se todo o Aterro, o que não dá para fazer agora", diz, lembrando que a grama foi destruída. A região, sem ocupar as áreas gramadas, é a área predileta das ONGs e dos movimentos sociais. Aguiar diz que, se faltar espaço, a Quinta da Boa Vista funcionará como uma espécie de "área back up".

Para agilizar as contratações, a organização da Rio+20 fez uma força-tarefa com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), das Nações Unidas. O PNUD pode ir mais rápido nas contratações necessárias, agilizar contratos e escolher fornecedores não só pelo critério do menor preço, mas considerar outras variáveis, como qualidade, por exemplo. A licitação sobre a empresa que cuidará da hospedagem e viagens das delegações oficiais foi decidida esta semana. "Mas as pessoas terão que se hospedar também em cidades próximas", estima Aguiar. A rede hoteleira carioca tem, no máximo, 33 mil quartos, incluindo flats. Só de credenciados a previsão é chegar a 50 mil. "Terão que se hospedar também na casa das pessoas", prevê.

A Rio+20 terá novidades de conectividade, acessabilidade e sustentabilidade, promete Aguiar. "Teremos a menor utilização de papel possível e o maior uso de novas tecnologias", exemplifica. O metrô do Rio será o primeiro metrô com mais de dez anos totalmente acessível. Geradores a biodiesel, copos de papel, coleta de lixo seletiva são alguns dos critérios de sustentabilidade adotados.

Dez mil pessoas terão de ficar acampadas


Por De São Paulo

O Aterro do Flamengo, que abrigou o mítico Fórum Global das ONGs em junho de 1992, é o espaço que organizações ambientalistas, redes sociais, grupos indígenas e de agricultores, movimentos sociais, de mulheres, jovens e negros pretendem ocupar na Rio+20. A escolha é curiosa: há 20 anos a maior crítica da sociedade civil à conferência era a distância e o tempo que levava para chegar ao evento dos governos, no Riocentro.

A intenção é organizar no Aterro a "Cúpula dos Povos" - alusão ao nome do encontro dos líderes mundiais. "Temos duas motivações principais para desejarmos ficar ali", diz Fátima Mello, da Fase e do comitê facilitador da sociedade civil para a Rio+20. "Uma é muito simbólica: é no Aterro que corre a herança do Fórum Global", diz. "A outra é que queremos fazer um evento aberto, que dialogue com a cidade e o Aterro é o melhor lugar para isso." O plano foi apresentado à comissão dos governos federal, estadual e municipal que organiza a Rio+20. "Mas estamos abertíssimos à negociação", adianta ela.

As estimativas são de ter 10 mil pessoas acampadas, mas não no Aterro, em parques próximos. Em 1992, o uso intenso da área estragou a grama. O Aterro é patrimônio, e a negociação com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) pressupõe que as áreas gramadas não podem ser usadas e, se houver estragos, as ONGs terão que arcar com o custo da restauração. O plano prevê um acampamento com 5 mil jovens, outro com 2 mil camponeses, e dois espaços com 800 e mil índios.

O Aterro será chamado de "Território do Futuro", adianta Fátima. "Queremos trazer, para a cidade, a indignação do mundo com o estado do mundo", conta. Virão representantes do Ocupem Wall Street, dos "indignados" europeus. Os locais serão abastecidos com produtos da agricultura familiar, haverá uma zona digital livre, geração de energia limpa e muita reciclagem. No Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, na semana que vem, esta preparação irá avançar.

Os empresários também discutem onde fazer seus eventos no Rio. "O momento é de tentar imaginar com qual tipo de público queremos falar e discutir quais seriam os melhores lugares", diz Sheila Guebara, assessora da presidência do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds). "Sabemos que serão dez dias de intenso trabalho", continua. O Cebds é uma coalizão de grandes grupos empresariais que tem entre associados a Vale, Petrobras, Amil, Dow, Votorantim, Itaú e Bradesco.

Entre as iniciativas já programadas do Cebds há a visita e apresentação do projeto-piloto "Rio Cidade Sustentável" que acontece em duas favelas do Rio, Chapéu Mangueira e Babilônia. Em 19 de junho acontece um evento empresarial global, o Business Day, ainda sem local definido. A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) deve fazer uma feira de tecnologias verdes no Pier Mauá. Empresas com temática de mobilidade urbana podem ocupar espaços no Autódromo de Jacarepaguá. (DC)

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