Por Jose Eli da Veiga - Valor 16/08
"Tudo que cresce aumenta de tamanho", truísmo adorado pelo conselheiro Acácio e pura tautologia na lógica, é o inverso para o cânone da teoria econômica.
Procure-se nas bíblias dessa disciplina as respostas a três indagações: (1) o que aumenta quando a economia cresce? (2) de que tamanho ela está agora? (3) de que tamanho deveria ser, ou qual tamanho poderia atingir?
Dada a monumental importância do crescimento econômico para as sociedades contemporâneas, seria de se esperar reações diretas e precisas às três perguntas. Todavia, só a primeira é ingenuamente respondida. As outras nem sequer chegam a ocorrer à imensa maioria dos economistas. Muitos até as consideram irrelevantes ou ilegítimas.
A resposta 1) é obviamente o Produto Interno Bruto (PIB), que mede o fluxo anual das transações mercantis de produtos e serviços. Só que ele não dá conta de seu próprio fundamento: o fluxo metabólico de matéria e energia que sai do ambiente e a ele retorna como rejeito, depois de atravessar esse subsistema chamado de economia (produção e consumo).
Nos anos 1960, alguns poucos pioneiros chamaram a atenção para o reducionismo da dupla "input/output", pois deixa de lado a crucial importância do biofísico "throughput". Meio século depois, o próprio termo continua estranho a um jargão profissional inteiramente dominado pelo fetichismo mercadológico.
Aí está, contudo, o cerne da questão. Pois é muito mais esse "transumo" do que o casalzinho insumo/produto a chave para encontrar respostas coerentes às três perguntas.
2) Considerando-se os processos naturais que regeneram os recursos básicos da economia, absorvem suas emissões, e prestam inúmeros outros serviços ambientais, que tamanho relativo tem hoje o fluxo metabólico? As evidências científicas indicam que a economia global já está grande demais para o ecossistema que a sustenta.
3) Que tamanho pode atingir? Qual pode ser a dimensão desse subsistema para que não aniquile seus próprios fundamentos naturais? Qual é a escala adequada ao ecossistema?
Aparentemente só se saberá depois do temerário teste empírico em curso. No entanto, para que os economistas fossem levados a sério, a resposta a esse tipo de indagações deveria ter surgido antes que os custos começassem a exceder os benefícios que podem gerar. Coisa que o PIB é incapaz de mostrar, pois é algo que esteve inteiramente ausente de sua própria concepção. Além da substituição do produto pelo consumo para medir o desempenho econômico, é indispensável que seja calculada a sua pegada ecológica.
O aumento do PIB já se tornou antieconômico em vários países do primeiro mundo. Um crescimento que mais acumula mazelas do que acrescenta riquezas. Mas não faltam economistas para garantir que o aumento do produto tende a se desvincular do aumento do transumo, proeza apelidada de "descasamento" ("decoupling").
Pretendem não saber que isso só ocorre em termos relativos, não absolutos. O exemplo mais eloquente é a brutal saturação da atmosfera com gases de efeito estufa, simultânea ao ganho de eficiência energética com forte redução da intensidade-carbono da economia global. Só poderia ter sido diferente com estabilização do consumo.
O mais curioso, porém, é supor - na contramão das evidências - que o avanço tecnológico um dia engendre descasamento absoluto. Haveria razão suplementar para se limitar o transumo. Pois, hipoteticamente, seria absurdo aceitar o correspondente prejuízo ambiental, já que seu aumento teria se tornado desnecessário à prosperidade.
Em suma: no desespero de insistir que as economias da vanguarda do primeiro mundo devem continuar a crescer, nada pode ser mais tolo do que desencarnar ou angelizar o PIB.
Praticamente tudo o que foi dito acima é da lavra de Herman Daly, professor emérito da Escola de Políticas Públicas da Universidade de Maryland (EUA). Em livre adaptação de seu prefácio ao livro "Prosperidade sem crescimento", do colega Tim Jackson, da Universidade de Surrey (RU).
Por que evocar aqui e agora essas considerações de Daly? Porque não há melhor maneira de explicitar o caráter eufemístico da expressão "economia verde". Seus usuários nem sempre estão conscientes de que um dos maiores desafios da atualidade é levar as sociedades mais avançadas a superar a obsessão pelo crescimento econômico. E tem sido muito frequente a tentativa de esconder esse imenso desafio histórico, propondo-se gato por lebre: a ilusão do descasamento absoluto embrulhado como economia verde.
Claro, isso não deve impedir o uso de tão boa imagem de marca na promoção de iniciativas favoráveis à sustentabilidade. Todavia, no processo preparatório à cúpula global de junho sobre o desenvolvimento sustentável (Rio+20), há que se separar o joio do trigo. Os lobbies que estão pautando os debates fazem de tudo para que o principal seja ocultado: a inevitabilidade de uma mudança macroeconômica que será equivalente àquela que no século passado foi engendrada pelos pactos políticos de Bretton Woods combinados à vitória ideológica do keynesianismo.
José Eli da Veiga, professor da pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do mestrado profissional em sustentabilidade do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ)
Procure-se nas bíblias dessa disciplina as respostas a três indagações: (1) o que aumenta quando a economia cresce? (2) de que tamanho ela está agora? (3) de que tamanho deveria ser, ou qual tamanho poderia atingir?
Dada a monumental importância do crescimento econômico para as sociedades contemporâneas, seria de se esperar reações diretas e precisas às três perguntas. Todavia, só a primeira é ingenuamente respondida. As outras nem sequer chegam a ocorrer à imensa maioria dos economistas. Muitos até as consideram irrelevantes ou ilegítimas.
A resposta 1) é obviamente o Produto Interno Bruto (PIB), que mede o fluxo anual das transações mercantis de produtos e serviços. Só que ele não dá conta de seu próprio fundamento: o fluxo metabólico de matéria e energia que sai do ambiente e a ele retorna como rejeito, depois de atravessar esse subsistema chamado de economia (produção e consumo).
Nos anos 1960, alguns poucos pioneiros chamaram a atenção para o reducionismo da dupla "input/output", pois deixa de lado a crucial importância do biofísico "throughput". Meio século depois, o próprio termo continua estranho a um jargão profissional inteiramente dominado pelo fetichismo mercadológico.
Aí está, contudo, o cerne da questão. Pois é muito mais esse "transumo" do que o casalzinho insumo/produto a chave para encontrar respostas coerentes às três perguntas.
2) Considerando-se os processos naturais que regeneram os recursos básicos da economia, absorvem suas emissões, e prestam inúmeros outros serviços ambientais, que tamanho relativo tem hoje o fluxo metabólico? As evidências científicas indicam que a economia global já está grande demais para o ecossistema que a sustenta.
3) Que tamanho pode atingir? Qual pode ser a dimensão desse subsistema para que não aniquile seus próprios fundamentos naturais? Qual é a escala adequada ao ecossistema?
Aparentemente só se saberá depois do temerário teste empírico em curso. No entanto, para que os economistas fossem levados a sério, a resposta a esse tipo de indagações deveria ter surgido antes que os custos começassem a exceder os benefícios que podem gerar. Coisa que o PIB é incapaz de mostrar, pois é algo que esteve inteiramente ausente de sua própria concepção. Além da substituição do produto pelo consumo para medir o desempenho econômico, é indispensável que seja calculada a sua pegada ecológica.
O aumento do PIB já se tornou antieconômico em vários países do primeiro mundo. Um crescimento que mais acumula mazelas do que acrescenta riquezas. Mas não faltam economistas para garantir que o aumento do produto tende a se desvincular do aumento do transumo, proeza apelidada de "descasamento" ("decoupling").
Pretendem não saber que isso só ocorre em termos relativos, não absolutos. O exemplo mais eloquente é a brutal saturação da atmosfera com gases de efeito estufa, simultânea ao ganho de eficiência energética com forte redução da intensidade-carbono da economia global. Só poderia ter sido diferente com estabilização do consumo.
O mais curioso, porém, é supor - na contramão das evidências - que o avanço tecnológico um dia engendre descasamento absoluto. Haveria razão suplementar para se limitar o transumo. Pois, hipoteticamente, seria absurdo aceitar o correspondente prejuízo ambiental, já que seu aumento teria se tornado desnecessário à prosperidade.
Em suma: no desespero de insistir que as economias da vanguarda do primeiro mundo devem continuar a crescer, nada pode ser mais tolo do que desencarnar ou angelizar o PIB.
Praticamente tudo o que foi dito acima é da lavra de Herman Daly, professor emérito da Escola de Políticas Públicas da Universidade de Maryland (EUA). Em livre adaptação de seu prefácio ao livro "Prosperidade sem crescimento", do colega Tim Jackson, da Universidade de Surrey (RU).
Por que evocar aqui e agora essas considerações de Daly? Porque não há melhor maneira de explicitar o caráter eufemístico da expressão "economia verde". Seus usuários nem sempre estão conscientes de que um dos maiores desafios da atualidade é levar as sociedades mais avançadas a superar a obsessão pelo crescimento econômico. E tem sido muito frequente a tentativa de esconder esse imenso desafio histórico, propondo-se gato por lebre: a ilusão do descasamento absoluto embrulhado como economia verde.
Claro, isso não deve impedir o uso de tão boa imagem de marca na promoção de iniciativas favoráveis à sustentabilidade. Todavia, no processo preparatório à cúpula global de junho sobre o desenvolvimento sustentável (Rio+20), há que se separar o joio do trigo. Os lobbies que estão pautando os debates fazem de tudo para que o principal seja ocultado: a inevitabilidade de uma mudança macroeconômica que será equivalente àquela que no século passado foi engendrada pelos pactos políticos de Bretton Woods combinados à vitória ideológica do keynesianismo.
José Eli da Veiga, professor da pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do mestrado profissional em sustentabilidade do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ)
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